NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

Não fosse isso e era menos, não fosse tanto e era quase
Paulo Leminski

Muito estranho começar um texto que envolve sindicatos a partir de uma assertiva sobre o “fim do trabalho”.

Parece um paradoxo, mas, não é.

Parece estranho, porém, igualmente não o é.

Parece confuso, contudo, também confusão aqui não existe.

Parece disruptivo…, bem, aqui nos aproximamos mais da realidade.

Há tempos ando inquieto com toda essa movimentação diuturna e exponencial que vem atingindo o mundo do trabalho e o Direito que dele trata.

Minha inquietação aumentou ainda mais ao recentemente ler o título de um post denominado “O fim do trabalho”.

Referida publicação foi realizada dentro de uma rede social profissional “focada em construir uma carreira, fazer networking, buscar e divulgar vagas de emprego”, em resumo, um lugar que poderíamos chamar de inequívoco fiador quanto à existência e permanência de uma sobrevivência e não de um fim do trabalho.

Irônico?

Talvez.

Eu diria reflexivo.

A publicação foi escrita e postada por Piero Franceschini, acompanhada da seguinte provocação:

“O fim do trabalho (até o de 4 horas por semana).
Estou convencido. Não vamos ter ‘trabalho’ no futuro.
Mas não estou falando do dilema humanos x máquinas. Estou sim falando do ‘modelo de negócio’ trabalho.
Este, na minha visão, já acabou. Estamos apenas lutando com a ruína.
Calma, me deixe explicar…
Diariamente, toda sociedade encontra-se hipnotizada pelas narrativas de crescimento imediato, fórmulas mágicas de sucesso, ‘faça como eu fiz’, … distraídos com os vendedores de milagre que armam o circo no meio da praça e depois somem.
Nisso, o ‘trabalhar’ passou a dar muito trabalho. Virou um caminho de aprisionamento versus um mundo de liberdades e exponencialidade. Tem sempre alguém indo pelo caminho mais fácil.
E essa narrativa é pandêmica. Seus sintomas se manifestam nas 4 gerações convivendo neste ‘espaço de sofrimento’. Os mais velhos querem escapar da ‘roda de hamster’ que prometeu saída, mas nunca realmente deixou. Aprisionados pelo modelo e pelos boletos, ‘tocam de lado’ apenas pra ganhar tempo. Tornaram a liderança a parte mais entediante de uma empresa.
Já os mais novos não querem ‘sujar as mãos no esquema’. Não toleram o tédio, o sangue, suor e lágrimas necessários para chegar num ponto que começa a valer a pena. Aprisionados em uma ansiedade por chegar lá, mas sem a tolerância de esperar o tempo das coisas.
Tornaram os colaboradores a parte menos colaborativa da empresa.
É, o trabalho já acabou. O seu ‘modelo de negócio’ foi disruptado.
E isso não é uma discussão boba de presencial ou remoto. Isso aí é lateral.
A discussão aqui é que ‘o ato de trabalhar’ perdeu seu valor central.
Precisamos urgentemente ressignificar o ‘trabalho’ dentro da sociedade dentro de um novo modelo. Um modelo que una as diferentes gerações no senso coletivo de pertencimento, honra, orgulho, valor, desafio, impacto.
O trabalho enobrece o homem.
Mais atual que nunca.
Não sei o que vai acontecer com o mundo, mas torço para que as máquinas nos peguem gostando do trabalho” [1].

Num momento em que as discussões mais quentes tratam da perda de empregos para inteligência artificial o articulista termina com uma torcida:

“Torço para que as máquinas nos peguem gostando do trabalho” [2].

Por mais estranho que isso possa parecer, ele está certo. Nossas discussões por vezes passam ao largo do que de fato (no século 21) realmente acontece.

Como é difícil admitir que não é possível “ingressar legal e juridicamente” no “trabalho-redes-sociais do século 21” com “telefones-fixos-normativos” do século passado.

Como é difícil entendermos quais os propósitos geracionais imersos e por vezes conflituosos que convivem simultaneamente no atual mundo do trabalho.

Como é complicado aceitar que “o trabalho já acabou e o seu ‘modelo de negócio’ foi disruptado”, como nos adverte Piero Franceschini.

Onde enquadramos o nosso Direito do Trabalho linear nesse colapso-disruptado exponencial?

Onde modelo sindical colapsado do século 20 se encaixa nesse “fim” de tempo real?

Em Foz do Iguaçu, numa palestra sobre Direitos Fundamentais e a proteção do trabalhador na era digital [3], destaquei que é imprescindível a fixação e compreensão do que é (e que nos encontramos dentro dele) tempo real, pois somente assim é possível ‘cutucarmos o destino’.

Estamos no século 21.

Essa realidade nos obriga a pensar e agir com viés assentado nesta página do tempo e não por meio de uma mente aprisionada num saudosismo insistente pela busca de formas alternativas-lineares-ludistas para enfrentar as agruras dos desafios digitais atuais, em especial e principalmente, via a utilização de armas jurídico-artesanais ultrapassadas.

Essa é a verdade.

Temos de nos ressignificar, para não nos transformarmos numa espécie de Dom Quixote analógico que enfrenta moinhos de vento com lanças analógicas acreditando serem gigantes-digitais ou confundindo rebanho de ovelhas lineares com um exército de dragões-digitais-exponenciais.

Temos de estar atentos e compreender o que é novo e, nessa esteira de acontecimentos, do que trata esse novo, uma vez que vivemos em “terras raras” que sequer são terras e muito menos raras, mas, mesmo assim, fazem potências mundiais a elas se curvarem:

“As terras raras estão presentes em tecnologias do dia a dia, desde smartphones até turbinas eólicas, luzes LED e TVs de tela plana. São cruciais para baterias de veículos elétricos, além de aparelhos de ressonância magnética e tratamentos contra o câncer.

As terras raras também são essenciais para o exército americano. São utilizadas em caças F-35, submarinos, lasers, satélites, mísseis Tomahawk e mais, segundo uma nota de pesquisa de 2025 do CSIS” [4].

Importante destacar que as mudanças que enfrentamos hoje são alterações sócio laborais que acontecem. Aconteceram antes. Acontecerão amanhã. Vêm ocorrendo ao longo do tempo abalando o sistema e o modelo vigentes, trazendo consigo a necessidade do novo dentro do novo.

E assim é feito. Ponto e pronto. Não se dá pelo viés de um planejamento estruturado, estudado e pacificamente implementado.

Não à toa os sindicatos foram (e ainda hoje são) reconhecidos como “sociedades de socorro mútuo”.

O que fica é: socorro, como?

A resposta passa pela certeza de que seguramente não mais pelo caminho tempos atrás. Os tempos são outros. As necessidades idem. Logo, as ferramentas de batalha

Hoje, a bandeira é digital.

Os sindicatos têm de saber como lutar essa nova batalha social. Para isso não podem ficar presos a um passado que não existe mais. Não podem ficar presos num olhar analógico modelado num formato-institucional-uno que atualmente se encontra desatualizado. Obrigatoriamente precisam de ajuda. Necessitam de um olhar parametrizado de acordo com o novo mundo digital. Têm de estar atentos e preparados para novas discussões, reclamações e muitas críticas.

Os pleitos são outros. O modelo de enfrentamento também.

Os dias atuais trazem consigo novidades e situações altamente relevantes e importantes à compreensão da transição sócio tecnológica pela qual passamos. O entendimento torna-se, portanto, indispensável, para se pensar, estudar e “por atrevimento” indicar algum tipo de antídoto jurídico para enfrentamento.

Vejamos, por exemplo, a cultura do cancelamento. E aqui não vamos sequer tomar partido deste ou daquele lado. O exemplo serve apenas para compreensão do que “está acontecendo” hoje!

Em editorial de jornal de grande circulação nos deparamos com o seguinte acontecimento intitulado pelo editorialista como “A arte do cancelamento”:

“A Bienal de São Paulo cancelou um debate com a princesa Marie-Esméralda da Bélgica. Não por suas opiniões — o que já seria constrangedoramente autoritário. Marie-Esméralda, por sinal, é ambientalista, feminista e defensora dos indígenas. Mas ela foi condenada por associação a um parente de quarta geração morto há mais de um século: Leopoldo II – o monarca responsável por atrocidades no Congo.” [5]

Esse é um efeito eficiente e eficaz por parte da atuação de coletivos sociais por intermédio de “fala” autêntica e eficaz, que traz consigo agregação de valores e representatividade; visibilidade e conscientização; influência política; e emponderamento.

Não nos cabe aqui dizer se isso é ou não justo e/ou adequado àquele para o qual foi determinado o cancelamento.  O que realmente interessa analisar é o “instrumental-digital” que tem alcance eficiente, muito mais adequado do que os meios jurídicos analógicos-tradicionais.

Logo, esses coletivos sociais têm de compor a estrutura de formação e atuação dos sindicatos, justamente para dar luz àquilo que os seres humanos do século 21 querem do trabalho [feitos somente por eles e/ou com auxílio de máquinas (IA’a)].

Alguém pode contestar e afirmar que a lei não contempla esse tipo de integração.

Nossa resposta se baseia e na realidade atropeladora do status quo, uma vez que os coletivos sociais já exercem representação parlamentar (de fato), independentemente se a lei permite ou não…

Quando se fala em “fim do trabalho”, não se está colocando essa assertiva de forma literal.

A discussão é mais profunda, em verdade, ela passa pelo estudo e compreensão de um novo modelo que valorize a dignidade humana e a equidade.

Passa por discussões acerca do atual desinteresse dos jovens pela formalidade preferindo arranjos de trabalho alternativos ou empreendedorismo.

Portanto, é muito importante — diria imprescindível — ouvi-los antes de tecer-lhes críticas. A visão que eles têm sobre propósito de vida (não apenas individualizada, mas, com viés de alteridade), em especial a geração Z, é extremamente interessante.

Passa por alternativas como a renda básica universal.

Passa pelo encontro de respostas aos atuais desafios tecnológicos e econômicos, com valorização à dignidade humana, equidade social e passos em direção a propósitos de vida a serem alcançados.

Passa, assim, para nós e por nós, pela humildade de saber que precisamos ouvir os mais novos. Compreender as novidades. Ter certeza de que nada é certo e, principalmente, ter a clareza de que nada se resolve sozinho ou apenas com a experiência de um passado que não existe mais.

Há 50 anos o professor Mozart Victor Russomano vaticinava:

“As gerações moças compreendem melhor que as novas gerações o sentido e o destino do Direito Sindical”. [6]

Ousemos, assim, em ouvi-los.

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[1] Publicação de Piero Franceschi no LinkedIn. Disponível aqui.

[2] In ob. Cit.

[3] IV Congresso Nacional e II Internacional da Magistratura do Trabalho realizado em Foz do Iguaçu.  Painel 27: Direito do Trabalho e Tecnologia: desafios constitucionais da revolução digital. Tema: Direitos Fundamentais e a proteção do trabalhador na era digital.

[4] Disponível aqui.

[5] Disponível aqui.

[6] RUSSOMANO, Mozart Victor. DIREITO SINDICAL Princípios Gerais. José Konfino – Editor. Rio de Janeiro. 1975. (Dedicatória)

  • é sócio do Peixoto & Cury Advogados, mestre e doutor em Direito do Trabalho, titular das Cadeiras 48 e 28 das Academias Brasileira e Paulista de Direito do Trabalho e desenvolvedor de jornadas no ecossistema trabalhista.

CONJUR

https://www.conjur.com.br/2025-dez-09/o-fim-do-trabalho-e-a-ressignificacao-sindical/