Número de brasileiros que foram morar no exterior e voltaram ao país cresceu 61%, segundo o Censo de 2010. Os principais destinos de retorno foram São Paulo, Paraná e Minas Gerais
O sonho de viver nos Estados Unidos ou na Europa está chegando ao fim. Pelo menos para uma parcela dos brasileiros que migraram para lá e que agora, principalmente após a crise mundial, decidiram voltar para a terra natal. Dados do Censo Demográfico 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados no fim de abril, revelam que aumentou o número de imigrantes vindos do exterior para o Brasil.
Entre 2005 e 2010, aproximadamente 286 mil imigrantes internacionais aportaram em terras tupiniquins — uma alta de 86,7% em relação ao Censo de 2000. Dos 286 mil, 175 mil (o equivalente a 65%) eram brasileiros retornando do exterior. Um número 61% maior do que o apurado entre 1995 e 2000. Outros 88 mil (35%) eram efetivamente estrangeiros natos que decidiram tentar a vida no Brasil.
A migração “de cérebro”
É raro ouvir notícias de que um norte-americano ou um europeu decidiu sair do país para viver no Brasil. Mas aos poucos – ainda timidamente – este movimento começa a aparecer com mais intensidade. O norte-americano Kevin Kelly, 43 anos, de Chicago, está em Curitiba há pouco tempo e ainda tem dificuldade para falar o português. Veio porque trabalha com a bolsa de valores e ouviu falar que o Brasil está bem financeiramente. “Me apaixonei pelo Brasil. Pretendo ficar se conseguir um bom emprego”, diz.
O japonês Hiroyuki Sasaki, 26 anos, também ainda arranha o português. Ele cumpre uma rotina de nove meses em Curitiba e outros noves meses em São Paulo. Natural de Saitama (100 km de Tóquio), ainda não sabe se quer morar aqui para sempre. Sasaki trabalha em um banco japonês que está investindo no Brasil.
Alta qualificação
Sasaki e Kevin são exemplos de imigrantes estrangeiros de alta qualificação profissional, por isso o fenômeno é chamado de migração de cérebro. “Nestes casos, as explicações para a mudança de país são bastante individuais e dependem das oportunidades e de bons salários. Eles são a exceção, porque a migração de massa costuma ser de baixa qualificação”, explica o pesquisador Wilson Fusco, da Fundação Joaquim Nabuco.
Geografia que encantou chileno
Marcus Ayres, da Gazeta Maringá
O sotaque castelhano ainda permanece forte, mas o Brasil já faz parte da vida do ambientalista e geógrafo chileno Jorge Villalobos. Nascido em Quillota, se mudou em 1985 para São Paulo (SP), onde foi cursar mestrado. “O Brasil estava crescendo na área de geografia, tendo professores muito conceituados internacionalmente”, explicou o estrangeiro, que logo se naturalizou brasileiro.
Apesar da questão acadêmica ter sido decisiva para a escolha do país, Villalobos conta que recebeu outras influências. “Eu tinha muitos amigos brasileiros, conhecia a literatura e a história da formação do país. Além disso, o Brasil passava por um momento de mudanças políticas com a abertura democrática e a eleição de Tancredo Neves”, relembra.
No início da década de 1990 passou a lecionar na Universidade Estadual de Maringá (UEM) e desde então se fixou em terras paranaenses, onde se casou, teve filhos e se tornou uma importante referência na área, inclusive coordenando o Observatório Ambiental da UEM. Para ele, as universidades brasileiras devem se abrir cada vez mais para um processo de internacionalização. “Hoje a maior parte da nossa produção acadêmica está em português, que não é a língua majoritária. Há uma discussão para as instituições buscarem uma relação mais efetiva e densa com os outros países”.
Questionado sobre a receptividade brasileira, Villalobos declarou que nunca teve problemas. “Acredito que exista uma importante diferença para quem chega em um país sem emprego ou estudos e quem tem uma formação acadêmica. Vejo que o campo profissional é bem receptivo para quem está preparado.”
O Paraná, assim como São Paulo e Minas Gerais, são os estados que mais receberam este tipo de imigrante (tanto o estrangeiro como o brasileiro que retorna). O demógrafo Wilson Fusco, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, lembra que as pessoas se dirigem para esses três estados porque da década de 80 até início dos anos 2000 elas saíram justamente dessas regiões para o exterior e, agora, retornam para casa. “O Paraná aparece na lista porque teve muitos filhos de japoneses que foram para o Japão e estão voltando. Minas Gerais, por causa da cidade de Valadares, também foi um estado que mandou muitas pessoas para os EUA e que fazem atualmente o mesmo movimento de retorno. Com São Paulo a questão se repete”, explica. Os imigrantes do exterior que chegaram ao Brasil em 2010 vieram principalmente dos Estados Unidos, Japão, Paraguai, Portugal e Bolívia.
De volta
O Paraná recebeu, em 2010, 39 mil imigrantes do exterior, mas a maior soma fica para São Paulo, com a chegada de 82 mil deles. É o caso de Tatiana Sorrente, que voltou para a capital paulista há três anos depois de ficar cinco fora: ela morou na Áustria, onde trabalhou em um hotel, e depois nos EUA, onde trabalhava com turismo. “Quando recebi a notícia de que minha irmã ia casar, voltei. Comecei a pensar nas raízes que tinha no Brasil e resolvi ficar em definitivo”, conta.
A imigração de estrangeiros ao Brasil não aparece com destaque no Censo porque a quantidade ainda é pequena e se diluiu com os números de brasileiros que estão voltando do exterior. “O Brasil tem menos de 1% da sua população formada por imigrantes internacionais. No Canadá, a taxa é de 15%. E ainda, quando a taxa aumentar, é de se desconfiar porque haverá ainda a migração dos filhos de brasileiros nascidos no exterior que estão migrando para cá também”, explica Fusco.
Depois de EUA e Japão, o Paraguai, Portugal e Bolívia foram os países que mais enviaram “estrangeiros” para cá. No caso dos bolivianos mais do que dobrou o número de cidadãos daquele país que se estabeleceram no Brasil.
Exterior já não é mais atraente
É inevitável. Quando se fala em brasileiros voltando do exterior já se sabe que os fatores estão direta ou indiretamente relacionados com a crise financeira mundial e com os abalos naturais que atingiram o Japão. O fato é que a migração ocorre fundamentalmente por uma questão econômica (fora quando ocorre uma guerra ou uma grande seca).
“Uma parte dos brasileiros que estava lá fora trabalhava em empregos precários [como doméstica e pedreiro] e esses são os primeiros a serem cortados quando ocorre uma crise. Por isso, tiveram de voltar”, diz o sociólogo Márcio de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná.
O professor Alisson Flávio Barbiere, do Departamento de Demografia da Universidade Federal de Minas Gerais, observa vantagens no retorno dos brasileiros. “O Brasil se torna competitivo em relação aos países mais desenvolvidos em termos de mão de obra, porque quem retorna costuma vir com um nível melhor de qualificação profissional e vai usar aqui estas habilidades adquiridas”, afirma.
Ao contrário das crises financeiras mundo afora, o Brasil se tornou um país atraente, principalmente entre 2004 e 2005, quando cresceu a taxas bem razoáveis de 6% a 8%. “Essa pujança brasileira também atraiu muita gente que decidiu voltar.”
Questões de fronteira
O Paraguai foi o terceiro país que mais enviou imigrantes ao Brasil. Neste caso, a influência da fronteira é indiscutível, principalmente em Foz do Iguaçu, onde existe um número elevado de paraguaios que cruzam a fronteira diariamente e muitos não voltam para casa. Mas, além disso, houve também uma forte migração de brasileiros para lá – das décadas de 70 a 90 – por causa da grande disponibilidade de terra naquele país. “Havia terra para plantio e era barata. Muitos brasileiros decidiram migrar. Recentemente apareceu a briga entre brasileiros e o MST do Paraguai, mas a verdade é que o movimento de retorno dos agricultores brasileiros ao seu país existe há algum tempo”, explica o professor Alisson Flávio Barbiere, do Departamento de Demografia da Universidade Federal de Minas Gerais.
Vizinhos
De 2000 para 2012, mais do que dobrou o número de bolivianos que vieram ao Brasil. Neste caso em específico, grande parte são de bolivianos natos e não de brasileiros que viviam lá e que decidiram voltar. “Os bolivianos (assim como os coreanos) vão para São Paulo por causa da indústria têxtil. Ao contrário do que se tem divulgado, eles não trabalham numa situação análoga à escravidão. É fato que o trabalho é duro e puxado, mas eles estão lá voluntariamente e em condições melhores que no país de origem”, afirma o pesquisador Wilson Fusco, da Fundação Joaquim Nabuco.
Colaborou: Marcus Ayres, da Gazeta Maringá
