NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

Por Kerlen Caroline Costa

Atualmente, muito se ouve falar em globalização e nas inúmeras benesses geradas por tal processo, o qual nasceu eminentemente econômico em razão da abertura dos mercados internacionais, mas com o passar do tempo veio a compreender um universo de relações, dentre elas o trânsito de empregados.

É normal que um funcionário de uma empresa que possui clientes em todo o mundo (situação não rara) acabe por ter seu trabalho conhecido por empresas estrangeiras que, em razão de sua qualidade técnica, optam por contratá-lo, oferecendo-lhe salário atrativo e demais vantagens.

É comum que as empresas que possuem negócios em diversos países precisem que um funcionário de sua confiança as representante em um determinado país estrangeiro.

Fazem parte desse novo sistema o estrangeiro contratado por empresa nacional para prestar serviço em território também nacional; o empregado e companhia estrangeiros com execução do serviço em território nacional; o profissional nacional contratado por empresa estrangeira para prestar serviços em território estrangeiro; o empregado nacional contratado por empresa estrangeira para executar serviços em território nacional.

É oportuno destacarmos que aqui não estamos tratando do empregado assalariado, parte mais fraca da relação empregatícia, mas de grandes executivos e pessoas altamente qualificadas que negociaram as condições de seu contrato impondo regras, salários e benefícios da forma como melhor lhes aprouve.

Ditas transferências não costumam se operar sem que haja a concordância do empregado transferido que, normalmente, já é contratado conhecendo de antemão a existência da possibilidade de trabalhar no estrangeiro.

Obviamente, há um rol de interesses pessoais e profissionais que animam esses trabalhadores, sendo o principal deles a qualificação profissional e o reconhecimento das grandes empresas nacionais e estrangeiras, já que em determinadas profissões a experiência internacional é crucial no momento da contratação. Ainda, a transferência é sinônimo de diversos outros benefícios (extensíveis aos familiares) como índices de violência reduzidos, projetos sociais que realmente saem do papel, baixo percentual de impostos, saúde garantida pelo governo, etc… Coisas que fazem parte de uma utopia muito distante no Brasil.

Portanto, é ingênuo o pensamento que considera uma transferência nesses termos como “unilateral”. Ela é, na verdade, um conjunto de fatores proveitosos para ambas as partes que representam o desejo da maioria dos funcionários das grandes empresas.

Este cenário nada mais é que o resultado efetivo da tão sonhada globalização, para a qual o Brasil, infelizmente, parece não estar preparado.

As transferências e contratações de empregados brasileiros para trabalhar no exterior e de estrangeiros para trabalhar no Brasil trouxeram a tona uma questão que até pouco tempo era raramente comentada: a inexistência de uma legislação trabalhista que permita que se proteja o trabalhador altamente qualificado sem atingir a ampla defesa da empresa ou vedar-lhe o devido processo legal, a fim de que a Justiça do Trabalho não se torne um óbice à própria globalização.

Questiona-se: é justo que o empregador estrangeiro sem filiais no Brasil tenha que comparecer a audiências em nosso país apenas pelo argumento de que a empresa estrangeira possui dinheiro suficiente para custear a viagem de um preposto, contratar um advogado brasileiro e pagar o tradutor para os documentos e audiências, postergando-se a análise do Foro competente, apenas porque o ex-funcionário (que hoje recebe quinze vezes mais que um trabalhador comum) atualmente reside no Brasil?

É justo que o novo empregador seja condenado ao pagamento de verbas existente apenas na legislação brasileira, das quais sequer tem conhecimento?

E o que se diria da equiparação salarial entre os funcionários brasileiros transferidos para o estrangeiro com aqueles que lá sempre prestaram trabalho?

Seria justo que tal empresa tivesse que pagar ao funcionário transferido em caráter definitivo para o estrangeiro, as horas extras por trabalho em dias que, no Brasil, correspondem a feriados se nesses dias a empresa estrangeira funciona normalmente naquele país?

É óbvio que não há justiça. Porém, por não haver um estudo jurídico mais detalhado a respeito do assunto, a Justiça do Trabalho permanece ignorando uma realidade gritante.

O que mais se vê nas reclamatórias trabalhistas em trâmite no Brasil são casos em que multinacionais, clientes de empresas brasileiras, ao reconhecer no trabalho prestado por determinado empregado brasileiro a qualidade que necessitam, oferecem-lhe salário e benefícios vantajosos para que o mesmo passe a ser seu colaborador. Embora a Súmula 207 do TST diga o contrário, o que se vê são condenações com reconhecimento de uma “unicidade contratual” que sequer existe por entenderem os julgadores que haveria uma espécie de “transferência” entre empresas quando este funcionário pede demissão da empresa brasileira e é contratado pela estrangeira.

Ainda que se tratasse de mesmo grupo econômico, a prática da rescisão, seguida de nova contratação é a única solução razoável para as transferências definitivas, já que não é plausível que o profissional seja mantido eternamente como suposto funcionário da empresa nacional, guindado à imobilidade, não podendo usufruir dos direitos e benefícios de seus colegas estrangeiros.

Frise-se que também é argumento da justiça o fato de o contrato ser entabulado dias depois do pedido de demissão da empresa brasileira, o que é mais que plausível, já que para a obtenção do visto de trabalho é requisito a apresentação do contrato laboral.

Tal pensamento é retrógrado.

Falta-nos, enquanto juristas, a consciência de que o direito pátrio não é o único existente e passível de aplicação para reger relações, sendo imprescindível a flexibilização do direito do trabalho para que se adapte às novas relações existentes. Globalização e flexibilização devem andar juntas.

De nada adianta pregarmos a globalização se punimos as empresas que proporcionam ao cidadão brasileiro o amparo que o próprio país não oferece.

Não há como impormos a jurisdição trabalhista brasileira em territórios sujeitos a outra soberania. Estamos relegando a Lei Maior de cada país à inexistência.

Segundo a jurisprudência, o estrangeiro transferido para o Brasil deve submeter-se à legislação brasileira. O brasileiro transferido para o exterior deve submeter-se à legislação brasileira. O Foro para julgamento da reclamatória trabalhista ajuizada por brasileiro que foi contratado no Brasil e prestou serviços exclusivamente no exterior (em detrimento do artigo 605 da CLT) é (no entendimento da grande maioria dos Juízes trabalhistas de primeiro grau) o brasileiro. Ignora-se que nos outros países também se legisla!

Ao ignorar a legislação dos países com os quais pretendemos estreitar ligações estamos, ao contrário, repelindo-os.

Segundo dados divulgados em 2008 pelo Ministério das Relações Exteriores, cerca de 4 milhões de brasileiros trabalham no exterior. Acredita-se que atualmente esta estimativa tenha aumentado em cerca de 20%.

Tais números apenas demonstram que é extremamente necessário que a Justiça do Trabalho busque entender esta realidade e as centenas de situações geradas pela emigração a fim de proporcionar a efetividade da Justiça.

Enquanto a flexibilização das leis trabalhistas continuar sendo confundida com o sacrifício de todas as conquistas alcançadas a duras penas pela classe operária, não poderemos falar em Justiça.

Flexibilização não é desordem! É, sim, o desenvolvimento econômico, é a competição internacional, são os avanços tecnológicos e a introdução de novas categorias de trabalhadores de modo a evitar o desemprego que assola esse país.

Não se beneficia as classes menos favorecidas fazendo-lhes concessões tais que geram uma enxurrada de reclamatórias trabalhistas, a falência de empresas, o crescimento do emprego informal e o rechaço de corporações que nos possibilitariam reduzir o desemprego. Beneficia-se os menos favorecidos proporcionando-lhes capacitação para que finalmente façam parte da engrenagem financeira que move o mercado.

Com relação ao contrato internacional de trabalho não há que se falar em “exceções” à regra que são julgadas de uma dezena de maneiras diferentes e sim, na criação de uma norma que contemple todas essas “exceções”, fazendo com que o Brasil, a exemplo da União Européia, possua segurança jurídica tal que possibilite justiça nas relações trabalhistas, conhecimento do sistema jurídico brasileiro pelo mercado estrangeiro e, conseqüentemente, proporcione ao país a ascensão de mais um degrau rumo ao crescimento.

Kerlen Caroline Costa | OAB/RS 66.121