A evolução das relações de trabalho no Brasil demanda um aprofundamento na análise de institutos tradicionais, levando em conta modernização, segurança jurídica e respeito às transformações sociais em curso. Questões como a aplicação do princípio da isonomia e a dupla jornada enfrentada por muitas mulheres devem ser apreciadas à luz da realidade atual e da crescente autonomia das profissionais no mercado. Tal observação também se aplica à vigência de normas específicas, como o descanso quinzenal aos domingos previsto no artigo 386 da Consolidação das Leis do Trabalho.
Recentemente, o debate sobre essas questões ganhou novo impulso com o julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre o Recurso Extraordinário 1.4039.04, em outubro de 2022. Em sua decisão, o STF ratificou a constitucionalidade do artigo 386 da CLT, que estabelece obrigatoriedade de folga quinzenal aos domingos exclusivamente para mulheres. Relatora da ação, a ministra Cármen Lúcia defendeu que a norma segue válida como instrumento de proteção à dignidade da trabalhadora, especialmente diante da desigual divisão de responsabilidades familiares.
Entretanto, é crucial ressaltar que a reforma trabalhista de 2017 introduziu alterações significativas nas relações laborais, como o fim do intervalo de 15 minutos para mulheres, antes de realizarem horas extras. Tal mudança levantou questionamentos sobre adequação e pertinência de normas que, se visam a protegê-las, por outro lado, podem não refletir as realidades das carreiras de muitas mulheres em suas posições contemporâneas de trabalho.
Designadas “trabalhadoras hipersuficientes”, com atuações marcadas por qualificação elevada e autonomia, mulheres em cargos de liderança são frequentemente impactadas negativamente por normas que tratam todas de forma igual, desconsiderando suas realidades específicas. Isso pode gerar distorções tanto no ambiente de trabalho quanto na lógica organizacional das empresas.
Norma inflexível ou negociável?
A decisão do STF provoca um questionamento relevante: o repouso quinzenal dominical é uma norma de saúde, higiene e segurança que não comporta flexibilização, ou se trata de uma regra relativa à duração do trabalho, passível de negociação coletiva? A forma como se interpreta esta questão será decisiva para o futuro das relações trabalhistas no Brasil. Se o repouso quinzenal for tratado como relativo à jornada de trabalho, sua regulação deverá voltar ao campo da negociação coletiva, permitindo que sindicatos e empresas ajustem as realidades jurídicas às necessidades específicas de cada setor e respectiva categoria.
A clara existência de uma dupla jornada para muitas mulheres, especialmente em contextos de sobrecarga das responsabilidades profissionais e domésticas, não deve, contudo, representar um ônus exclusivo para o empregador. A imposição de normas diferenciadas voltadas apenas ao gênero feminino pode comprometer o princípio da igualdade, quando aplicadas a profissionais plenamente capacitadas para autogestão e decisão.
Neste cenário, a negociação coletiva emerge como uma ferramenta moderna, eficaz e legítima para resolver tais questões. Em vez de soluções legais unilaterais, o ideal é que empregadores e sindicatos construam, em conjunto, respostas adequadas às realidades de seus trabalhadores.
A reforma trabalhista de 2017 estabeleceu o princípio da prevalência do negociado sobre o legislado (artigo 611-A da CLT), permitindo que instrumentos coletivos tratem de temas como jornada de trabalho e descanso semanal de forma dialogada e realista.
Comparação com outros países
Em uma comparação internacional, países como Suécia e Alemanha têm obtido sucesso ao promoverem negociações coletivas que respeitam as diversidades do mercado de trabalho, resultando em arranjos mais flexíveis, os quais respeitam tanto os direitos dos trabalhadores quanto as necessidades das empresas. Esses modelos demonstram que a construção conjunta de soluções pode levar a um ambiente de trabalho mais harmonioso e produtivo.
Portanto, é urgente avançar para um modelo que preserve a proteção legal, mas que seja modular, inteligente e dialógico. A negociação coletiva deve ser o espaço apropriado para esse avanço, garantindo segurança jurídica às empresas, respeitando a diversidade do mercado de trabalho e assegurando que trabalhadores possuam condições dignas, equilibradas e, ainda, adequadas às suas realidades individuais específicas.