ANÁLISE INTERROMPIDA
Por Tiago Angelo
O Supremo Tribunal Federal suspendeu nesta quinta-feira (9/11) o julgamento que vai decidir o critério legal de correção do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). O ministro Cristiano Zanin pediu vista.
O caso começou a ser analisado pelo Plenário da corte em abril deste ano. Na ocasião, o relator da matéria, ministro Luís Roberto Barroso, e o ministro André Mendonça votaram pela fixação de tese segundo a qual a remuneração global do FGTS não pode ser menor do que a da caderneta de poupança.
O ministro Kassio Nunes Marques pediu vista em seguida, suspendendo a análise. Ao votar nesta quinta, ele acompanhou Barroso. Na sequência, Zanin pediu vista. Ainda não há data para o caso retornar à pauta.
Na ação, o partido Solidariedade questionou dispositivos que impõem a correção dos depósitos nas contas vinculadas do FGTS pela Taxa Referencial (TR). A legenda alega que essa taxa está defasada se comparada ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) e ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E). Por isso, solicita que o crédito dos trabalhadores seja atualizado por “índice constitucionalmente idôneo”.
Em seu voto, Barroso afirmou que a Constituição Federal não prevê a correção monetária como um direito subjetivo. Ele entendeu, no entanto, que a correção feita pela TR é muito baixa. A taxa serve para compor valores na economia, entre eles a correção do FGTS, e está atualmente em 0,32% ao mês, acrescida de juros de 3% ao ano. Já a poupança está em cerca de 0,6% ao mês.
O ministro deu parcial provimento à ação, afirmando que, apesar da baixa liquidez, a remuneração por depósitos no FGTS está muito abaixo das oferecidas pelo mercado e rende menos até do que a caderneta de poupança.
“Se concordamos que o FGTS pertence ao trabalhador, o que a União faz é gerir recursos de terceiros. Quem está gerindo recursos tem deveres mínimos de razoabilidade, inclusive para que não haja locupletamento ilícito. O dinheiro fica lá paradinho. E a regra do mercado é: quanto menor a liquidez, maior a remuneração”, disse o ministro relator.
Inicialmente, Barroso estabeleceu que a mudança na correção deveria ser aplicada a partir da publicação da ata do julgamento. Nesta quinta, ele mudou esse ponto do voto, afirmando que a correção só deve valer a partir de 2025. Mendonça e Nunes Marques seguiram Barroso na nova modulação.
No período de transição, ou seja, nos exercícios de 2023 e 2024, a totalidade dos lucros auferidos pelo FGTS deve ser distribuída aos cotistas, entendeu o ministro, no que também foi seguido por Mendonça e Nunes Marques.
Barroso, por fim, aproveitou a mudança no voto para responder a um argumento levantado por setores do governo e construtoras: o de que a correção poderia afetar políticas de habitação financiadas pelo FGTS que beneficiam a população mais pobre. O argumento é de que se o fundo render mais, o custo dos recursos cresce e os juros para crédito imobiliário também ficam mais caros, afetando programas como o Minha Casa, Minha Vida.
“Não queremos negar que isso (a correção) produz algum impacto, porque se você remunera mais o FGTS, os novos financiamentos terão de ser a um custo mais alto. Porém, se quiser baixar esse custo e subsidiá-lo, não se deve tirar o dinheiro dos trabalhadores, deve tirar de algum outro lugar, se for o caso.”
Voto
Ao votar em abril, Barroso rejeitou os argumentos da União de que o rendimento do FGTS é baixo porque os recursos do fundo são utilizados para financiar políticas de habitação, saneamento básico e infraestrutura. Segundo ele, os valores que integram o fundo são patrimônio dos trabalhadores, e não patrimônio público.
“Não é legítimo impor a um grupo social o ônus de financiar com seu dinheiro políticas públicas governamentais. Há uma inversão de valores, em que os mais pobres financiam os mais abastados em muitas situações. Ninguém é um meio para realizar fins alheios. Quando você apropria o dinheiro do trabalhador, sem remunerá-lo adequadamente, para atingir fins públicos, você simplesmente transformou o trabalhador em um meio.”
Sobre o baixo rendimento do FGTS, apesar de se tratar de uma poupança compulsória, Barroso pediu “empatia” dos mais ricos.
“Imagine a alta classe média brasileira, que investe em renda fixa, em fundos de ações, em fundos de multimercado e em câmbio, se de repente viesse uma regra que dissesse: todas as suas aplicações terão uma rentabilidade pré-determinada abaixo da poupança porque o país está precisando fazer investimentos sociais importantes. O que aconteceria se hoje se editasse essa norma dizendo isso? O mundo ia cair”, afirmou Barroso.
“Os trabalhadores têm parte do seu fundo de garantia, ou seja, da sua poupança compulsória em caso de desemprego, sacrificada para custear investimentos que interessam à sociedade por inteiro”, prosseguiu o magistrado.
ADI 5.09
Tiago Angelo é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
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