Recentemente, o Supremo Tribunal Federal promoveu audiência pública para a manifestação quanto à matéria objeto do Tema 1.389 da Repercussão Geral (ARE 1.532.603, Rel. Min. Gilmar Mendes), cuja questão jurídica controvertida é “a licitude da contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços, bem como o ônus da prova relacionado à alegação de fraude na contratação civil”.
O ministro relator entendeu por aprofundar o debate, colhendo mais subsídios sobre tão importante matéria, destacando que, dada a prática frequente da contratação de serviços através de autônomos ou por intermédio de pessoas jurídicas (“pejotização”), “a definição de critérios claros e objetivos para a caracterização de eventual fraude torna-se imprescindível para assegurar a transparência, a proteção das partes envolvidas e, sobretudo, a segurança jurídica nas contratações.” Ponderou que necessário o equilíbrio da “liberdade da organização produtiva dos cidadãos e da proteção ao trabalhador, especialmente no que se refere aos hipossuficientes” (ver decisão de 3/7/2025).
Em tal contexto, organizamos este ensaio em três partes, com algumas das principais considerações que permeiam tal debate. A matéria se faz complexa, uma vez que, como pondera o relator, se de um lado existe a constitucional garantia da “liberdade da organização produtiva dos cidadãos”, por outro existe o também nuclear cânone da “proteção ao trabalhador, especialmente no que se refere aos hipossuficientes”, que seguramente serão prejudicados, caso flexibilizada excessivamente a legislação trabalhista.
Tal pode se dar seja pelo vício de vontade, impondo-se uma aparência de contratação cível autônoma a contratos de trabalho subordinado e, portanto, empregatício — seja pela falta ou recolhimento a menor das necessárias contribuições previdenciárias, o que ensejará um rombo atuarial trilionário e insanável nas contas da Previdência, ameaçando gerar uma multidão de desamparados a médio e longo prazos, com implicações desastrosas para o país.
Assim, veremos os principais elementos que distinguem a pejotização lícita da fraudulenta. A seguir, examinaremos a dificuldade de criação de uma regra geral para fenômenos distintos, que são a pejotização de trabalhadores de elevada remuneração e responsabilidade — que não raro se voluntariam a tal regime para pagamento de tributação inferior — em relação à massa de trabalhadores humildes, que representam mais de 90% da população economicamente ocupada, aos quais a proteção legal estatal fará enorme falta. Finalmente, examinaremos o risco de desproteção e a ‘bomba previdenciária’ — uma “bolha” que, quando explodir, levará o país a grave crise econômica e social.
Viabilidade da Previdência
O debate em torno da pejotização, central no Tema 1.389 da Repercussão Geral, transcende a mera formalidade contratual, adentrando o cerne da proteção social e dos direitos fundamentais do trabalho no Brasil, além da própria viabilidade da Previdência Social, através do respectivo equilíbrio atuarial, a manutenção do importante FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), e a saúde fiscal do país.
A importância do presente debate é exponencial. A respectiva discussão afetará milhões de processos em todo o Brasil, assim como a manutenção ou não do modelo atual de relação de emprego, já que eventual entendimento excessivamente leniente poderá ter como efeito prático acabar com o emprego no país. É que, a depender da ratio decidendi do precedente que será formado, a respectiva tese poderá ser retirada de contexto, interpretando-se lhe como uma carta branca para que se ignorem os fatos comprovados na realidade dos casos concretos, permitindo-se que a forma prevaleça sobre a substância.
Como vimos, o debate em torno da pejotização representa, em grande parte, o tipo de país que pretendemos, buscando-se o equilíbrio entre a agilidade e pujança da atividade econômica com a proteção dos mais humildes. Há, pois, uma grande dificuldade em se encontrar uma fórmula regulatória que permita maior liberdade ao profissional melhor remunerado e geralmente dotado de efetivo poder de negociação quanto às cláusulas de seu contrato, em relação à massa de trabalhadores humildes que, diante de alguma brecha que possa se abrir na jurisprudência dos tribunais superiores, poderá restar alijada da proteção trabalhista estatal mediante o uso de subterfúgios.
Ademais, tecemos algumas considerações relativamente à perspectiva de explosão de uma ‘bomba previdenciária’, assim como outras lacunas de desproteção, as quais arriscam convulsionar nossa sociedade. Há risco da desproteção social, notadamente envolvendo a própria inviabilização da Previdência Social, cujo funcionamento depende do rigoroso equilíbrio atuarial, decorrente da participação contributiva de todos os elementos da sociedade, assim como mencionamos a importância da manutenção dos níveis de contribuição ao FGTS, essencial para a saúde econômica do país.
A relevância do tema é exponencial. A depender da evolução do debate nos tribunais superiores, nada impedirá que milhões de empregados sejam demitidos, substituídos por formas de contratação mais precárias e baratas, com consequências nefastas para a economia do país — seja pelo empobrecimento geral da população e do mercado consumidor, seja pela ausência ou diminuição dos recolhimentos previdenciários, ensejando, a médio prazo, um rombo fiscal inadministrável. Por tais razões, a análise aprofundada das questões propostas revela uma complexidade que demanda a consideração de todos os fatores aqui debatidos.
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[1] ABDALA, Vitor. Agência Brasil. Mais de 32 milhões são autônomos informais ou trabalham sem carteira. 01/05/2025. Disponível aqui. ANDRADE, Mariana. Número de pessoas com carteira assinada bate recorde em 2024, diz IBGE. 31/01/2025. Disponível aqui. SEBRAE. Tudo sobre o MEI: tire todas as dúvidas, 22/04/2025. Disponível aqui.
