NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

A jornada 6×1 – seis dias de trabalho para um de descanso – pode parecer apenas uma regra técnica da legislação trabalhista. Mas, quando observada à luz das desigualdades estruturais do Brasil, ela se revela um poderoso retrato da injustiça que molda a vida de milhões a uma realidade de exaustão e privações. Colocar essa pauta no centro do debate não é apenas uma reivindicação trabalhista, é uma denúncia profunda da exploração do sistema patriarcal, capitalista e racista que estrutura a sociedade brasileira.

A naturalização do 6×1 está diretamente ligada à herança capitalista que molda a organização do trabalho e do tempo na sociedade. Essa lógica atinge homens e mulheres, impondo jornadas exaustivas, alienação e a ideia de que viver para o trabalho é natural. Mas, no caso das mulheres, os impactos são ainda mais profundos. Historicamente, foi imposto a elas que seu tempo não lhes pertence. Seu trabalho – tanto no mercado quanto em casa – é desvalorizado, invisibilizado ou tratado como obrigação moral. Essa herança foi capturada e aprofundada pelo capitalismo, que transforma o tempo de todos em lucro, mas impõe às mulheres uma carga dupla ou tripla, ao mantê-las em jornadas extenuantes no emprego formal e, ao mesmo tempo, nas tarefas domésticas e de cuidado não remunerado.

No Brasil, essa opressão se manifesta de maneira ainda mais brutal por causa da herança escravocrata. Durante séculos, mulheres negras foram reduzidas a mercadoria e forçadas a trabalharem sem remuneração, inclusive cuidando das casas e dos filhos das elites. Essa lógica não apenas persiste, mas se renova: hoje, são elas que ocupam majoritariamente os postos mais precarizados do mercado, enfrentando jornadas duplas, triplas, baixos salários e extrema violência. A escala para essas mulheres é 7×0.

A reestruturação capitalista das últimas décadas, marcada pela flexibilização geral dos direitos, terceirizações irrestritas e o avanço do chamado Capitalismo de Plataforma, fragmentou ainda mais a classe trabalhadora. Trabalhadores e trabalhadoras vivem lutas reais, mas muitas vezes isoladas umas das outras. É justamente nesse contexto que a pauta do fim do 6×1 pode se tornar um fio condutor estratégico: ela conecta o cotidiano da maioria com uma proposta concreta de reorganização da vida e do trabalho, ao mesmo tempo em que questiona a lógica da exploração contínua.

Essa unificação, no entanto, exige consciência e método. Entendimento da centralidade da categoria Trabalho, enquanto categoria ontológica e do papel do entendimento da categoria luta de classes. O materialismo histórico-dialético, como ferramenta crítica marxista, nos ajuda a compreender que as opressões de gênero e raça não são exceções ao sistema, mas engrenagens centrais do seu funcionamento. Lutar contra o 6×1, portanto, não é uma demanda setorial: pode se converter em uma chave para a reorganização da classe trabalhadora a partir da centralidade da vida das mulheres e da valorização do trabalho invisibilizado.

Essa pauta também expõe as limitações do atual sistema político brasileiro. O Congresso Nacional é composto por cerca de 90% de homens, e 75% de parlamentares de direita ou extrema direita – grupos que, historicamente, barram ou distorcem qualquer avanço em direitos sociais na história do país. O fim do 6×1, como mostra a resistência enfrentada no parlamento, não será dado. Ele terá que ser conquistado com mobilização popular, organização coletiva e pressão de base.

E é aí que mora seu potencial transformador da esquerda consequente ao tocar no cotidiano da classe trabalhadora com o fim da escala 6×1, Pauta mobilizadora de afetos, corpos e territórios. Ela já sinalizou ter força para convocar sindicatos, movimentos feministas, coletivos de juventude, movimentos negros, LGBTQIA+, e organizações populares em uma luta comum. E ao fazer isso, pode romper o ciclo de fragmentação e isolamento imposto de forma sofisticada pelo neoliberalismo semeado nas últimas décadas.

A história das grandes conquistas populares mostra que é no concreto da vida que a luta se enraíza. O tempo é um dos bens mais saqueados da classe trabalhadora. Retomar o tempo para si – para o descanso, para o cuidado compartilhado, para o lazer, para a formação política, para a arte e para o amor – é um ato profundamente revolucionário.

Defender o fim da escala 6×1 é, portanto, muito mais do que conquistar uma jornada mais justa. É dar um passo estratégico na reconstrução de uma frente ampla, combativa e unificada da classe trabalhadora. É uma ação urgente para o revigoramento do sentido da categoria Trabalho. Uma frente ancorada nos anseios de homens e mulheres, de invisíveis, e que a partir dessa centralidade possam sonhar – e lutar – por um novo projeto de país. Porque o tempo importa. E quando a classe trabalhadora avança, ninguém fica para trás.

Joanne Mota é jornalista, membro do grupo de pesquisa Observa da Universidade Federal do ABC, diretora do Sindicato de Jornalistas de São Paulo (SJSP) e compõe a direção executiva do PCdoB na cidade de São Paulo

DM TEM DEBATE
https://www.dmtemdebate.com.br/pelo-fim-da-escala-6×1-e-pelo-direito-de-amar-e-mudar-as-coisas/