NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

Confesso que já estou cansada de me ver obrigada a uma vez mais defender a Justiça do Trabalho e a legislação trabalhista, esta última representada, especialmente, pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e pelas normas mínimas de proteção social previstas em nossa Constituição.

Mesmo sendo repetitiva, eu me sinto na obrigação de realizar essa tarefa porque os ataques são muitos e por vezes, vêm de onde menos se espera.

A CLT é de 1943. Sim, em muitos pontos ela está defasada. Sim, apesar de sofrer inúmeras modificações, especialmente com a conhecida reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017), ela ainda necessita de atualização. Também é verdade, que a CLT não consegue abarcar todas as situações e relações de trabalho. Mas, como disse recentemente, meu colega José Eymard Loguércio [1], em uma conversa em um grupo de WhatsApp:

O erro de foco é acreditar que para além da CLT há um paraíso terrestre chamado: liberdade de escolha e tempo de prosperidade. Na verdade, não estamos indo “para além” da CLT, mas sim, “para aquém” dela.

Acredito que as novas formas de trabalho não se distanciaram do modelo de trabalho subordinado, já que a própria lei trabalhista deixou o conceito de subordinação totalmente aberto e passível de interpretação.

Estudioso do tema, Otávio Pinto e Silva [2] explica a complexidade do referido conceito, e mais do que isso, a sua amplitude e a possibilidade de abranger as mais novas formas de prestação de serviços. Segundo o autor:

A subordinação não é um status do trabalhador, pois não é ele o objeto do contrato de trabalho, mas sim a sua atividade. Essa atividade é que está sob o poder do empregador, como direito patrimonial do credor do trabalho.
A subordinação não é manifestação de um vínculo de hierarquia, uma vez que esta significaria uma relação de superior para inferior da qual este último não poderia unilateralmente libertar-se, o que não ocorre no contrato de trabalho, pois o empregado tem sempre garantida a faculdade de romper o vínculo por sua vontade.
A subordinação não corresponde a submissão ou sujeição pessoal, pois o trabalhador, como pessoa, não pode ser confundido com a sua atividade, esta sim objeto da relação de trabalho.
A subordinação não exige a efetiva e constante atuação da vontade do empregador na esfera jurídica do empregado, mas sim a mera possibilidade jurídica dessa intervenção.

Portanto, a subordinação no Direito do Trabalho não se define como um status, uma hierarquia ou uma sujeição pessoal do trabalhador, mas sim como a submissão da sua atividade à direção do empregador.

Apesar disso, tal submissão não exige a fiscalização ou a emissão de ordens de forma contínua e efetiva, bastando a mera possibilidade de que o empregador possa intervir para direcionar, organizar e controlar a prestação do serviço, caracterizando-se pela simples potencialidade de controle sobre a atividade laboral.

Embora a necessidade de adaptar o Direito do Trabalho às transformações sociais e tecnológicas seja inegável, a premissa de que o caminho é simplesmente “enxergar além da CLT” merece uma análise crítica, pois pode mascarar um risco substancial de retrocesso, conduzindo-nos não a um “além”, mas sim a um preocupante “aquém” dos direitos e garantias trabalhistas.

Complementando seu raciocínio, José Eymard Loguércio enfatizou que a CLT estabeleceu um Direito do Trabalho focado na primazia da realidade sobre a forma contratual. Essa abordagem moderna foi capaz de atribuir responsabilidade ao capital em uma sociedade desigual. Em troca dessa responsabilidade, o capital recebeu o poder diretivo, criando um sistema de relações de trabalho inerentemente antidemocrático, que é contrabalanceado por contrapoderes dos trabalhadores, como a organização sindical e a greve. Ele defende que, hoje, a discussão não deve ser sobre a obsolescência da CLT, mas sobre a necessidade de ir “além” dela, não para promover novas exclusões com regimes falsamente protetivos, mas para construir um sistema verdadeiramente democrático e inclusivo, baseado nos direitos humanos fundamentais.

Afinal, a caracterização da relação de emprego não exige em regra, forma prevista ou não defesa em lei, uma vez que é a realidade dos acontecimentos que permite o seu reconhecimento como tal (artigo 442, da CLT).

O fato de um empregado se “fantasiar” de pessoa jurídica não pode afastar os direitos trabalhistas, se na prática, o trabalhador prestar serviços com pessoalidade, habitualidade, subordinação e onerosidade.

Enfim, como recentemente afirmou Miguel Reale Junior [3],

Se assim for, a fraude estará caracterizada, figurando uma contratação entre empresas. Trata-se de mero disfarce, pois o trabalhador cumprirá, com regularidade e subordinação, a tarefa-fim da empresa, recebendo salário por via de pessoa jurídica individual, desonerando o empregador do pagamento dos encargos sociais.
Não se trata apenas de confronto entre posições ideológicas sobre a admissão, ou não, de plena liberdade de contratar num mundo globalizado, com novas formas de prestação de serviços, sem horário ou local de trabalho. Trata-se, sim, de desprezo ao espírito da Constituição, ao seu cerne: promoção de acesso aos direitos sociais.

Entre 2022 e julho deste ano, 5,5 milhões de trabalhadores migraram do regime formal de emprego celetista para, em seguida, se tornarem pessoas jurídicas, como denunciou o Ministério do Trabalho e Emprego [4]. Deste total, 4,4 milhões, ou seja, 80% se converteram em MEIs (microempreendedores individuais), passando para a informalidade, ou seja, sem garantia de recebimento de horas extras, férias, 13º salário, FGTS, adicional de insalubridade, estabilidade gestante, sindicalização ou direito de greve.

No mesmo sentido, Oscar Vilhena Vieira [5] ressalta que o “edifício civilizatório” — que reafirmou os direitos dos trabalhadores e universalizou os direitos sociais à previdência e assistência construído pela CLT e pela Constituição de 1988 — se encontra sob a ameaça de um novo “darwinismo social”, já que por mais que as regras trabalhistas precisem de constante atualização, não podemos aceitar que a “economia moral” do futuro seja mais perversa que a medieval.

Não à toa, o advogado trabalhista Christovam Ramos Pinto Neto [6] denunciou o Brasil à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CiDH) contra a tendência jurisprudencial de legitimação da pejotização no Brasil, fundamentando seu pedido na “violação estrutural de direitos humanos no país”.

Aliás, como sempre lembra minha amiga Beatriz Montenegro Castelo [7], a “pejotização sempre foi sinônimo de fraude e agora virou ‘modelo’ de divisão de trabalho.”

Concluo com as potentes palavras de Jorge Luiz Souto Maior [8]:

A “pejotização”, no modo como hoje tem sido anunciada, não passa, pois, do eufemismo criado para mascarar o movimento de fuga (do capital) da completude das obrigações trabalhistas, como a “terceirização” foi o eufemismo para a fuga quase completa…

Essa grave distorção está se transformando em instrumento de exclusão de direitos sociais mínimos, criando uma verdadeira subclasse de trabalhadores.

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[1] LOGUÉRCIO, José Eymard é advogado, autor do livro Pluralidade Sindical, pela editora LTR, e de outras publicações coletivas na área do Direito Material e Processual do Trabalho. Diretor do Instituto Lavoro e Sócio fundador de LBS Advogadas e Advogados.

[2] PINTO E SILVA, Otavio. Subordinação, autonomia e parassubordinação nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p. 17/18.

[3] REALE JR, Miguel. Pejotização é inconstitucional. O Estado de São Paulo, 1 de novembro de 2025. Aqui

[4] Aqui

[5] VIEIRA, Oscar Vilhena. Novo darwinismo social. Folha de São Paulo, 17 de outubro de 2025.  Aqui.

[6] Aqui

[7] Beatriz Montenegro Castelo é advogada, coordenadora geral e principal sócia do Escritório de Advocacia Montenegro Castelo Advogados Associados. É sócia fundadora do Instituto Pro Bono e da Oficina Pelos Direitos da Mulher e Vice-Presidente da Comissão de Direito do Trabalho da OAB/SP, gestão 2025-2027.

[8] Aqui

  • é advogada, professora da PUC na graduação e pós-graduação e sócia do escritório Abud e Marques Sociedade de Advogadas.

CONJUR
https://www.conjur.com.br/2025-dez-05/pensando-alem-mas-ficando-aquem-da-clt/