Um tsunami de ações trabalhistas ingressou no Judiciário em 2024, marcando um movimento de retomada, depois da forte queda registrada logo após a reforma trabalhista de 2017. Segundo o relatório “Justiça em Números”, de 2024, foram distribuídas no país 3,6 milhões de novas reclamações, alta de 19 % sobre 2023. Projeções de especialistas apontam que, neste ano, o volume pode superar 2,3 milhões de processos, aproximando-se do recorde de 2016. Esse cenário contrasta com a queda observada em 2018, quando a reforma diminuiu em cerca de um terço o total de casos.
A exigência de renda inferior a 40 % do teto do INSS para concessão do benefício e a possibilidade de compensação com créditos futuros tinham como objetivo desencorajar ações temerárias e estimular soluções consensuais. A ameaça de arcar com custas e honorários teve efeito imediato: o número de novas reclamações caiu de 2,63 milhões em 2017 para 1,73 milhão em 2018.
A queda, contudo, não foi permanente. A partir de 2019 observa-se uma retomada lenta, que foi interrompida pela pandemia de Covid-19 em 2020. O recrudescimento voltou a ganhar força após outubro de 2021, quando o Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.766. Por maioria, os ministros consideraram inconstitucionais os dispositivos da reforma que previam o pagamento de honorários de sucumbência e de perícia pelo beneficiário da gratuidade. O relator, ministro Alexandre de Moraes, afirmou que a cobrança impunha barreira quase intransponível ao acesso à justiça e violava o artigo 5º, inciso LXXIV da Constituição, que assegura assistência jurídica integral aos que comprovarem insuficiência de recursos. A decisão afastou a possibilidade de deduzir honorários de créditos de outros processos, embora tenha mantido a previsão de pagamento de custas pelo reclamante que não comparecer injustificadamente à audiência.
A decisão do STF reacendeu o debate sobre o equilíbrio entre acesso à justiça e segurança jurídica. De um lado, a corte reafirmou o caráter fundamental da assistência jurídica gratuita, afastando uma barreira que poderia inviabilizar ações de trabalhadores vulneráveis. De outro, a percepção de que a autodeclaração de hipossuficiência pode ser facilmente obtida trouxe preocupações com abusos. Há casos de empregados com remuneração elevada ou com bens significativos que obtêm a gratuidade apenas mediante declaração, sem comprovação de renda. O STF ainda não julgou se a autodeclaração é suficiente, e os tribunais adotam critérios diversos. A tendência é exigir alguma prova, como holerites ou extratos bancários, e permitir que a empresa peça a revogação do benefício se demonstrar que o autor não se enquadra como hipossuficiente.
Postura proativa
Para as empresas, o novo cenário implica maior risco e exige respostas preventivas. Investir em programas de compliance trabalhista, revisar contratos, ajustar jornadas e treinar gestores em boas práticas de gestão e de prevenção de assédio e discriminação são ações que reduzem a probabilidade de violações. Manter documentação organizada — registros de ponto, comprovantes de pagamento, recibos de férias — facilita a defesa quando há litígios. Criar canais internos de denúncia e incentivar a mediação e a conciliação prévia permitem que conflitos sejam resolvidos sem a intervenção judicial. A advocacia empresarial, por sua vez, deve atuar de forma proativa, orientando seus clientes sobre as regras vigentes, os riscos de litigância de má‑fé e as alternativas extrajudiciais.
Há expectativa de que o STF volte a examinar a questão da autodeclaração de pobreza e defina parâmetros mais objetivos para concessão do benefício. Além disso, mudanças legislativas em discussão, como a reforma tributária, podem alterar o financiamento da Justiça do Trabalho e influenciar o comportamento das partes. Independentemente do desfecho desses debates, a experiência recente evidencia que o acesso à justiça é um direito fundamental, mas também que a previsibilidade das regras e a segurança jurídica são essenciais para a estabilidade das relações de trabalho. As melhores práticas apontam para um equilíbrio em que o trabalhador não seja desencorajado a buscar seus direitos, mas no qual o uso da Justiça do Trabalho seja pautado pela boa‑fé, pela responsabilidade e pela adoção de mecanismos internos de prevenção e solução de conflitos.