NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

Jonathan de Mello Rodrigues Mariano, Emmanuel Sousa de Abreu e Florisvaldo Justino Machado Gonçalves

O Congresso Nacional agiu dentro dos parâmetros do art. 49, inc. V, da Constituição, já que os decretos executivos exorbitavam o poder regulamentar, por desvirtuarem o caráter extrafiscal do IOF

Nos últimos quarenta dias, o presidente da República editou os decretos 12.466, de 2025, 12.467, de 2025, e 12.499, de 2025, para majorar alíquotas do IOF – Imposto sobre Operações Financeiras. A justificativa seria um necessário aumento da arrecadação tributária para alcançar a meta fiscal estabelecida pelo governo.

Tal como o Imposto de Importação, o Imposto de Exportação e o Imposto sobre Produtos Industrializados, o IOF é tributo de natureza extrafiscal, e, justamente por essa razão, excepcionalmente, não estaria sujeito a todas as limitações constitucionais ao poder de tributar.

Após a publicação dos decretos, o Congresso Nacional entendeu que eles exorbitavam o poder regulamentar do chefe do Executivo e editou decreto legislativo para sustar a majoração de alíquotas do IOF.

O Governo Federal anunciou que dispõe de tese jurídica para ingressar com medida judicial perante o STF para derrubar o decreto legislativo. Para o governo, o decreto legislativo 176, de 2025, seria inconstitucional, pois o Congresso Nacional teria agido fora dos parâmetros constitucionais estabelecidos pelo art. 49, inc. V, da CF/88, haja vista que o art. 153, § 1º, da CF/88 confere prerrogativa ao presidente da república para modificar a alíquota do IOF, desde que atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei.

Este artigo lida com a seguinte questão: ao sustar os decretos presidenciais de aumento de alíquotas do IOF, o Congresso Nacional agiu fora de sua atribuição constitucional, prevista no art. 49, inc. V, da CF/88?

Para tanto, analisar-se-á se tributos extrafiscais, como o IOF, podem ser utilizados com fins preponderantemente arrecadatórios, bem como quais são os limites e as condições, estabelecidos pelo ordenamento jurídico, em que o Poder Executivo pode alterar as alíquotas do IOF.

É bom que se diga que o raciocínio e as conclusões destes articulistas não refletem a opinião de quaisquer das instituições às quais estão vinculados, mas revelam apenas a sua concepção acadêmica sobre o tema. Pois bem.

Segundo a doutrina e a jurisprudência, os tributos extrafiscais buscam regular comportamentos sociais, de modo a dissuadir ou estimular determinadas condutas. Por exemplo, quando há redução na oferta interna ou elevação acentuada de preço de determinados produtos, o governo federal pode reduzir as alíquotas do imposto de importação sobre esses itens para incentivar a importação e, com isso, aumentar a oferta e impactar os preços para o consumidor final. Note-se que não se tem um objetivo arrecadatório na medida, mas unicamente regulatório.

Uma vez que os tributos fiscais estão sujeitos a limites adicionais impostos pela Constituição ao poder de tributar, o governante não pode lançar mão de impostos extrafiscais para aumentar arrecadação. Se assim o desejar, deverá se submeter a todos os limites ao poder de tributar, como a sujeição ao princípio da legalidade estrita e ao princípio da anterioridade – tanto a anual, como a nonagesimal -, dentre outros.

A limitação constitucional ao poder de tributar revela-se um dos objetivos do constitucionalismo desde a Magna Carta de 1215, que consagrou que não se pode instituir tributo sem o consentimento dos representantes da sociedade, o que acontece quando há edição de lei em sentido formal.

Os tributos de natureza extrafiscal representam uma excepcionalidade à legalidade estrita, por visarem a atingir precipuamente finalidade regulatória, admitindo-se, em hipóteses específicas e delimitadas pelo próprio Congresso Nacional, certa margem de atuação normativa do Poder Executivo.

O intuito governamental no caso do IOF não foi regulatório, mas preponderantemente aumentar a arrecadação tributária para alcançar a meta fiscal estabelecida pelo próprio governo.

Nesse sentido foram várias as declarações de representantes do Poder Executivo, como, por exemplo, a entrevista coletiva em que o ministro Fernando Haddad afirmou que não tinha problema em corrigir rota após a pressão para revisão da majoração de alíquotas do IOF, “desde que o rumo traçado pelo governo seja mantido – de reforçar o arcabouço fiscal, cumprir as metas para saúde financeira do Brasil”.1

Repare-se que o aumento arrecadatório buscado pelo governo é o motivo preponderante para o aumento das alíquotas do IOF. O caso aqui não chega, nem mesmo, a ser acobertado pelo raciocínio lateral declinado pelo ministro Cristiano Zanin no sentido de que “a Constituição não impõe, como elemento legitimador do imposto em si, sua função extrafiscal”, segundo ele “a classificação dos tributos em extrafiscais ou arrecadatórios se dá pela preponderância da função, não pela exclusividade” (RE 590.186/RS – Tema 104 de repercussão geral).

Independentemente de se concordar, ou não, com a posição do ministro Zanin, o STF ainda não se posicionou definitivamente sobre essa matéria. De todo modo, mesmo se valendo de seu raciocínio, é certo que a motivação da majoração de alíquotas do IOF, de acordo com agentes públicos, foi precipuamente o aumento da arrecadação tributária. Isso evidencia um desvio de finalidade da própria natureza do imposto extrafiscal e, por conseguinte, do próprio desenho constitucional a respeito das regras de limitação ao poder tributar para impostos extrafiscais, como o IOF.

De acordo com o art. 153, § 1º, da Constituição, é facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.

O legislador constituinte estabeleceu que uma lei fixaria as condições e os limites para alteração de alíquotas do IOF. Uma pergunta deve ser feita: qual lei? Lei ordinária ou lei complementar? O art. 146, inc. III, alínea “a”, da CF/88, fixa que normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tributos e suas espécies, seriam reguladas por lei complementar.

Por conta desse dispositivo, o CTN foi recepcionado como lei complementar. O art. 65 do CTN deixa claro que o Poder Executivo pode, nas condições e nos limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas do imposto, a fim de ajustá-lo aos objetivos da política monetária.

A delimitação imposta pelo CTN é muito clara: as alíquotas do IOF podem ser alteradas para alcançar os objetivos da política monetária. Qual foi o motivo dessa delimitação? A resposta é simples. Política monetária significa a atuação governamental sobre variáveis relacionadas à moeda, com o objetivo de estabilizar os preços, controlar a inflação, estimular o crescimento ou suavizar ciclos econômicos.

O IOF, por atingir diretamente a demanda por crédito com implicações no custo da operação, pode servir para incentivar ou desestimular a população a tomar crédito, especialmente no curto prazo. Com isso, há reflexos nas taxas de inflação a partir do incentivo ou do desincentivo do comportamento humano de tomar crédito e, com isso, no próprio volume monetário na economia, sobretudo considerando o multiplicador bancário.

Existe, portanto, uma razão prática para que o CTN (lei materialmente complementar) tenha delimitado o poder regulamentar do Executivo para aumentar alíquotas do IOF, de modo a se restringir a atender os objetivos da política monetária. Isso é essencial para demonstrar que, na verdade, nem mesmo a própria lei do IOF (lei 8.894, de 1994), poderia ter autorizado o Executivo a alterar alíquotas do IOF para além dos objetivos da política monetária, dado que se trata de lei ordinária.

Em palavras claras: em matéria tributária, o legislador ordinário não pode modificar os limites estabelecidos em LC (CTN) para permitir ao Poder Executivo alterar alíquotas do IOF para atender a política fiscal.

O argumento do governo de que o aumento do IOF visa a aumentar a arrecadação para cumprir a meta prevista no regime fiscal sustentável (LC 200, de 2023) não condiz com a ideia de política monetária, que, como visto, deve ser compreendida como a atuação sobre variáveis relacionadas à moeda – no presente caso, o crédito, com o objetivo de estabilizar preços, inflação, ou até suavizar ciclos econômicos.

Isso evidencia que os decretos executivos, sustados pelo Congresso Nacional, exorbitaram o poder normativo delegado pelo art. 153, § 1º, da CF/88 ao chefe do Poder Executivo, já que não é juridicamente viável alterar alíquotas do IOF para atender a objetivos de política fiscal (intuito preponderantemente arrecadatório), mas apenas e tão-somente para ajustar a política monetária, nos termos do art. 65 do CTN.

Por isso, em resposta à pergunta de se, ao sustar os decretos presidenciais de aumento de alíquotas do IOF, o Congresso Nacional agiu fora de sua atribuição constitucional, prevista no art. 49, inc. V, da CF/88, a afirmativa deve ser negativa, já que o Executivo agiu fora dos limites estabelecidos pela Constituição para afastar as regras de limitação ao poder de tributar.

De todo modo, para deixar claro o motivo por que o STF não deveria intervir no caso, vale responder uma última pergunta: qual é a interpretação constitucional mais adequada ao art. 49, inc. V, da CF/88, sob a óptica da separação de poderes?

O juízo acerca da exorbitância do poder normativo do Poder Executivo cabe exclusivamente ao Congresso Nacional, por expressa previsão constitucional. O uso desse advérbio no caput do art. 49, da CF/88 deixa claro que cabe apenas ao Congresso Nacional o juízo político-jurídico sobre os atos regulamentares do Executivo, sobretudo porque o Poder Executivo não possui função típica legiferante, o que somente é possível de modo excepcional, em casos de relevância e urgência em relação a algumas matérias, por edição de medidas provisórias (função atípica).

Numa sistemática de separação de poderes, o controle judicial do STF sobre decreto legislativo que suste atos normativos do Executivo somente seria cabível quando o ato executivo impugnado tenha sido praticado, para além de qualquer dúvida razoável, no exercício legítimo do poder regulamentar, o que não ocorreu no caso do IOF.

Enfatiza-se que, ainda que houvesse dúvida jurídica se o presidente da república agiu corretamente no caso das alíquotas do IOF, por um imperativo de harmonia entre os Poderes, deve prevalecer o juízo político-jurídico do Congresso Nacional que, por previsão constitucional expressa, detém competência exclusiva para essa análise.

A atuação do Poder Judiciário, portanto, restringe-se à intervenção excepcionalíssima em casos de flagrante desvio de finalidade ou manifesta inconstitucionalidade no próprio exercício da competência do Congresso Nacional, em atenção principalmente ao princípio da separação dos poderes, o que não ocorreu no caso do IOF.

Por tudo isso, entendemos que não há razão jurídico-constitucional para impugnar o decreto legislativo 176, de 2025 – e, muito menos, para o STF declarar a sua inconstitucionalidade -, pois o Congresso Nacional exerceu, de forma legítima e constitucional, a competência prevista no art. 49, inc. V, da CF/88 para sustar decretos executivos que exorbitavam a delegação prevista no art. 153, § 1º, da Constituição.

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https://www.youtube.com/watch?v=ryGA_-7rtMI

Jonathan de Mello Rodrigues Mariano
Procurador Federal. Professor de pós-graduação. Mestre em Direito (UERJ e UNIRIO). Especialista em Direito Administrativo Econômico (PUC-Rio). Especialista em Direito Administrativo (UCAM)

Emmanuel Sousa de Abreu
Advogado, Assessor Parlamentar e Professor Universitário. Doutor na área de Finanças e Métodos Quantitativos pela UnB com sanduíche na Foisie Business School (Worcester Polytechnic Institute – WPI).

Florisvaldo Justino Machado Gonçalves
Advogado. Professor universitário. Inspetor Federal do Mercado de Capitais. Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidad de La Matanza, província de Buenos Aires.

MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/depeso/433755/por-que-o-stf-deve-respeitar-o-congresso-por-sustar-o-aumento-do-iof