Estudantes e professores do Paraná reagem à privatização, desconfiados do financiamento do ‘Parceiro da Escola’: “Queremos direito de voto e transparência”
por Cezar Xavier
A recente aprovação do Projeto Parceiro da Escola, que propõe a privatização da gestão de 200 escolas estaduais no Paraná, tem gerado controvérsia e mobilizado a comunidade escolar. O projeto, enviado pelo governador Ratinho Júnior (PSD), foi aprovado com 40 votos a favor e 13 contrários, apesar das manifestações e ocupações organizadas por estudantes e professores. A medida gerou indignação entre estudantes, professores e a comunidade em geral, culminando em um protesto massivo e tumultuado na segunda-feira (3).
O projeto prevê a transferência da gestão administrativa e financeira das escolas para a iniciativa privada, sem detalhar como será realizada essa transição. “A nossa preocupação é que, como a empresa precisa de lucro e taxa administrativa, as escolas fora desse projeto acabarão sucateadas para financiar essa iniciativa,” afirmou Larissa Souza, ex-presidente da União Paranaense dos Estudantes (UPE) e atual presidente estadual da União da Juventude Socialista no Paraná (UJS), em entrevista ao Portal Vermelho. Ela destacou que as experiências anteriores de privatização não trouxeram melhorias significativas, citando duas escolas que passaram por esse processo e continuam enfrentando problemas básicos como falta de papel higiênico e sabonete.
Ela enfatizou que o Paraná tem sido um laboratório para políticas de extrema direita no país, como as escolas cívico-militares, que já foram implementadas em outros estados. “A educação no Paraná está sofrendo muito, com fechamento de turmas noturnas e outros cortes. Esse projeto de privatização pode servir de inspiração para outros estados. Por isso, nossa luta é tão importante,” concluiu.
Um projeto acelerado e vago
Segundo Larissa, o processo de aprovação foi marcado pela falta de transparência e celeridade excessiva. “O projeto foi enviado em regime de urgência e aprovado em menos de uma semana, sem passar pela Comissão de Finanças, sob a alegação de que não haverá impacto financeiro,” explicou Larissa.
Após a aprovação inicial, estudantes e professores ocuparam a Assembleia Legislativa em um protesto que durou quase 24 horas. “Nosso objetivo era retirar o projeto da pauta para que fosse debatido com a comunidade escolar. Queríamos realizar audiências públicas e debates dentro das escolas,” disse Larissa. A ocupação foi marcada por momentos de tensão, incluindo a intervenção da tropa de choque e o uso de bombas de gás lacrimogêneo.
Com o projeto aprovado, a estratégia agora é focar na consulta pública que será realizada nas 200 escolas. “Estamos pedindo que os estudantes maiores de 16 anos possam votar e opinar,” explicou Larissa. Ela também ressaltou a importância de dialogar com pais, estudantes e professores para esclarecer as implicações do projeto e mobilizá-los contra a privatização.
Larissa criticou a falta de transparência do governo. “O projeto foi enviado incompleto aos deputados e não houve tempo para uma discussão adequada. Mesmo os deputados da base do governo tinham muitas dúvidas,” afirmou. A exclusão das escolas cívico-militares, consideradas prioritárias pelo governador, também gerou questionamentos. “Isso só aumenta nossa desconfiança sobre as reais intenções do projeto,” concluiu.
Ela destacou que o projeto não esclarece se haverá licitação para selecionar as empresas ou como será feita a modernização das infraestruturas escolares. “Temos um histórico ruim de tentativas de privatização, por exemplo, com a plataformização do currículo escolar, que envolveu a Unicesumar, empresa ligada ao ex-secretário de Educação, Renato Feder. Não sabemos quais empresas serão contratadas e como será organizado o pagamento dos salários dos professores,” comentou.
Escolas cívico-militares: uma exceção suspeita
Larissa desconfia da exclusão das escolas cívico-militares do processo, sugerindo que o governo tenta preservar a imagem dessas instituições. “O governador Ratinho Júnior tem aumentado o número de escolas cívico-militares, que já são 283, e não quer que elas sejam afetadas pela privatização. Ele tenta transformar essas escolas em um modelo que pareça positivo para a comunidade,” afirma Larissa.
Ela aponta que a exclusão dessas escolas do projeto de privatização é uma tentativa de evitar que qualquer falha no novo modelo prejudique a imagem das escolas cívico-militares, que o governo promove intensamente. “O PL Parceiro da Escola vai prejudicar na prática, tanto os funcionários quanto os estudantes, e se der muito ruim, eles não querem que isso impacte no funcionamento das escolas cívico-militares,” explica.
Impactos financeiros e desigualdade
Larissa alerta que a privatização das 200 escolas estaduais pode levar a um sucateamento das demais escolas que ficam fora do projeto. “O projeto prevê que as empresas receberão R$ 800 por aluno para administrar as escolas, enquanto algumas escolas funcionam com apenas R$ 6 por aluno,” denuncia Larissa.
Ela critica o governo por não apresentar um plano claro de onde virão os recursos para financiar essa iniciativa, temendo que o dinheiro seja retirado de outras áreas da educação. “O que avaliamos é que vão diminuir ainda mais o investimento nas escolas que estão fora da lista para conseguir dar lucro para a empresa que vai administrar.”
Incompetência na gestão pública
Para Larissa, a aprovação do projeto de privatização é um atestado de incompetência do governo na gestão das escolas públicas. “Se o recurso é o mesmo e na prática não vai mudar, por que fazer essa iniciativa? É um reconhecimento de que eles não têm competência para gerir as escolas do Paraná,” afirma.
Recursos federais em risco
Outra preocupação levantada é a possível perda de recursos federais, já que a administração privada das escolas pode torná-las inelegíveis para fundos federais destinados à educação pública. “Estamos tentando argumentar que o projeto é inconstitucional e pode fazer com que as escolas deixem de receber recursos da União, que são vitais para reformas e estrutura,” explica Larissa.
Desigualdade de investimentos
Larissa também aponta uma clara desigualdade no investimento entre escolas cívico-militares e outras escolas públicas. “Estudantes das escolas cívico-militares recebem uniforme gratuito, equipamentos novos e melhores condições de merenda. Essas escolas são as primeiras a receber qualquer melhoria,” observa.
Ela critica a visibilidade e os privilégios dados às escolas cívico-militares, o que gera uma enorme desigualdade entre as instituições educacionais. “Essa preferência só reforça a intenção do governo de promover essas escolas enquanto deixa outras de lado,” conclui.
Próximos passos
O movimento estudantil e os sindicatos de professores no Paraná continuam mobilizados, buscando reverter a privatização das escolas e promover um debate mais inclusivo e transparente. “Vamos continuar lutando pela qualidade da educação pública e pelo direito de a comunidade escolar participar das decisões que afetam diretamente suas vidas,” afirmou Larissa Souza.
Diante da aprovação do projeto, Larissa e outras entidades estudantis e sindicais planejam continuar a luta. “Vamos mobilizar estudantes e pais para votar contra na consulta que será realizada nas 200 escolas. Estamos focados em garantir que os estudantes maiores de 16 anos possam votar e expressar suas opiniões,” afirma.
Além da mobilização contra a consulta, Larissa mencionou a criação de uma equipe de fiscalização para monitorar a implementação do projeto, caso ele seja aprovado. “Queremos garantir que, se for implementado, o projeto não prejudique ainda mais a educação pública. Vamos acompanhar de perto as mudanças,” finalizou.
Embora o projeto tenha sido aprovado, a resistência continua. “Estamos organizando novos atos e buscando apoio jurídico para tentar reverter essa decisão,” afirmou Larissa. A comunidade escolar exige um debate mais aprofundado sobre a privatização das escolas.
A repressão aos protestos tem sido severa. Larissa relatou que houve um pedido de prisão para a presidente da APP (sindicato dos professores) e uma multa de R$ 10 mil por hora de ocupação da Assembleia Legislativa. “É uma perseguição absurda. O governo não aceita negociar e está reprimindo fortemente o movimento,” denunciou.
VERMELHO