Valorizar os acordos coletivos firmados entre empresas e sindicatos para a resolução de problemas específicos de um segmento, como, por exemplo, estabelecer intervalo para almoço menor que o usual com acréscimo do tempo no período de férias ou ainda a dispensa de emissão de cupons do ponto eletrônico para não congestionar a entrada da fábrica. Esses são alguns exemplos que, a despeito da concordância de empregados e patrões, até agora não têm suporte legal.
É com o intuito de regularizar esses entendimentos que o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC desenvolveu o esboço de projeto de lei, que já é discutido com as lideranças dos partidos no Congresso Federal e tem sido alinhavado com o Governo Federal para entrar no parlamento como proposta do Executivo.
O projeto toma alguns cuidados para que não seja mal empregado por entidades sem associados, com poucos integrantes, ao estabelecer requisitos para evitar que haja negociações que contrariem os interesses da categoria. Para isso, o texto estabelece como base a necessidade da existência da representação sindical no local do trabalho, que na área metalúrgica, são os chamados comitês sindicais. Além disso, outra condição é que o sindicato terá de estar habilitado para isso no Ministério do Trabalho, precisará ter mais de 50% de associados na empresa em que se pretende o acordo e os termos do acerto terão de ser aprovados por pelo menos 60% das pessoas envolvidas. Por sua vez, a companhia vai precisar respeitar o direito sindical para poder usufruir dos benefícios.
O objetivo é separar o joio do trigo, segundo o dirigente dos Metalúrgicos do ABC, Sérgio Nobre. “Se o Judiciário olhar para a realidade brasileira, que ainda tem até trabalho escravo, as coisas não avançam, é preciso uma separação”, cita.
Nobre explica que a intenção é modernizar as relações do trabalho, flexibilizando (com critérios) questões amarradas pela Consolidação das Leis Trabalhistas, que existem desde os anos 1930.
Ele lembra que diversos países já contam com representação no local de trabalho. Um deles é a Alemanha, que tem grandes avanços em questões de direitos sociais e nas condições de trabalho. O país tem jornada de 35 horas sem perdas salariais, cita Nobre.
Atualmente, no Brasil, os comitês sindicais não são exclusividade dos Metalúrgicos do ABC. A experiência já é adotada em outras bases da categoria, como o Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André e Mauá, de Sorocaba, de Taubaté e muitos outros. Na avaliação do dirigente, a proposta estimulará outras entidades a ter representação no local de trabalho, mas não obrigará ninguém a se adequar ao modelo. Ele acrescenta que essa é uma das virtudes do projeto. “A reforma sindical não deu certo porque obrigava as empresas, sem que tivessem cultura para isso. Tem de ser de baixo para cima e e não de cima pra baixo”, opina.
Comitês sindicais completam 30 anos
A criação dos comitês sindicais, reconhecidos pelas empresas, já era uma reinvidicação desde a década de 1970. No entanto, naquele período de ditadura, havia pouca disposição para o diálogo tanto por parte do governo quanto das empresas. Ao longo dos anos, não sem conflitos – como por exemplo a greve de 52 dias na mesma Ford do Taboão, em 1990 – especialistas atestam que a representação significou divisor de águas, que hoje permite relações mais maduras entre patrões e empregados.
Para a professora Kimi Tomizaki, da Faculdade de Educação da USP e autora do livro ‘Ser metalúrgico no ABC: transmissão e herança da cultura operária entre duas gerações de trabalhadores’, a consolidação desse modelo de ação sindical constitui uma das principais contribuições do sindicalismo do Grande ABC para o movimento operário brasileiro.
De acordo com sua pesquisa de doutorado, após o período que ficou conhecido como das “grandes greves”, a partir do final da década de 1970, o que de fato alterou profundamente as relações de poder no interior das fábricas foi a efetivação das comissões. Segundo ela, por meio delas o sindicato “alongou seus braços, olhos e ouvidos” para dentro do local de trabalho e o contato com a base representada assumiu outra dimensão. “Uma proximidade real e muito profícua, na medida em que o sindicato pode, então, lidar de modo direto com as demandas dos trabalhadores, contribuindo para uma grande transformação na relação entre capital e trabalho”, afirma.
Na base do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, as representações hoje estão presentes em 89 empresas, que somam 85% dos empregos do segmento.
A representação no local de trabalho fez neste ano 30 anos de existência. Teve início na fábrica da Ford de São Bernardo, depois de mobilização de três semanas, causada por demissões feitas pela montadora.