NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

OPINIÃO

Por Artur Marques da Silva Filho

Dentre as mudanças culturais provocadas pela pandemia, uma das mais acentuadas refere-se ao trabalho. Mais do que nunca, evidenciou-se que as empresas e organizações de todos os segmentos, do setor público e privado, têm imensa responsabilidade sobre a saúde física e mental de seus colaboradores. Consolidou-se o conceito, que jamais deveria ter sido negligenciado, de que o ser humano é o fim de tudo, a grande razão de ser de toda a economia, do Estado e do universo corporativo.

 

Spacca

 

O home office, instituído por conta do isolamento social nos dois primeiros anos da eclosão da Covid-19, contribuiu bastante para essas reflexões de nossa civilização sobre a questão laboral. Trabalhando em casa, milhões de profissionais, em todo o mundo, tiveram dificuldade inicial para dimensionar a carga horária. Muitos passaram a trabalhar muito além dos padrões normais, num cenário marcado por insegurança, incertezas econômicas e temor do desemprego.

 

Como ocorre em todas as mudanças históricas disruptivas, observou-se, com o passar do tempo, uma tendência ao equilíbrio no exercício do home office. Aprendeu-se a gerenciar o modelo. Muitas empresas e organizações o adotaram em caráter definitivo; outras optaram por um sistema híbrido, com dias em casa e outros no escritório; e numerosas retornaram à jornada presencial integral. Cada uma adotou o sistema que mais atende à sua cultura organizacional, estrutura operacional e estratégia produtiva.

 

Foi nesse cenário de transformações que surgiu o polêmico termo quiet quitting, cuja tradução mais comum é “desistência silenciosa” ou “pedido silencioso de demissão”. A expressão, viralizada nas redes sociais de todo o mundo, expressa o anseio dos profissionais, em especial os mais jovens, de manter uma relação saudável com o trabalho, respeitando determinados limites de esforço e carga horária. É aí que começa a discussão, pois é muito tênue o limite entre o empenho profissional máximo, o que se configura excesso ou negligência no trabalho, e o empenho mínimo na atividade profissional.

 

Dimensionar de modo adequado essa medida é crucial para se estabelecer valor semântico, positivo ou negativo, a quiet quitting. Se entendermos a expressão como um limite de bom senso ao trabalho abusivo e excessivo, o conceito é absolutamente correto; se a interpretarmos como sinônimo de “corpo mole” e do mínimo esforço, estaremos diante de algo nocivo, não apenas para o trabalhador, que acaba se prejudicando, como para a empresa.

 

Seja presencial, em home office ou híbrido, o trabalho deve ser marcado por uma interação justa entre empregador e os colaboradores. Nessa relação, ambos devem atuar com o máximo empenho, responsabilidade e sinergia pelo bem comum da organização, cujo propósito final, no mais contemporâneo conceito, é prover condições dignas de vida aos seus funcionários, sócios, diretores e acionistas, bem como à sociedade. O mesmo se aplica às organizações do setor público.

 

Obviamente, não há espaço para trabalho excessivo/abusivo em termos de volume e carga horária, pois isso de fato conspira contra a saúde física e mental. Porém, todos devem considerar as emergências, crises e situações inusitadas, que exigem um empenho extra pontual dos profissionais em determinados momentos. Tais situações contingenciais não significam extrapolar a fronteira do razoável, mas sim expressar o comprometimento com a organização e todo o time diante de uma emergência. São situações de exceção.

 

No cotidiano, cabe a cada profissional, em linha com suas ambições pessoais, capacidade física e mental, definir seus próprios limites, considerando sempre seu bem-estar e saúde, assim como de sua família. Às empresas e organizações compete a responsabilidade de estabelecer normas de conduta, dimensionar atribuições e volume de trabalho para cargos e funções, de modo a garantir um processo operacional produtivo, eficaz, saudável e respeitoso ao ser humano. Quando prevalece o bom-senso e o equilíbrio entre esforço profissional e o trabalho abusivo no campo laboral, discutir conceitos como quiet quitting torna-se mero exercício retórico.

 é desembargador aposentado do TJ-SP (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo) e presidente da Afpesp (Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo).

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2023-mar-09/artur-marques-silva-filho-quiet-quitting-equilibrio-trabalho-setores-publico-privado