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A demissão em massa anunciada em setembro pelo banco Itaú, e justificada por ferramentas de monitoramento de teletrabalho, traz à tona alguns dos desafios que a reforma administrativa vai encarar na regulamentação do home office para servidores públicos. Atualmente, o Brasil conta com cerca de 12 milhões de funcionários espalhados por União, estados e municípios.

Liderado pelo parlamentar Pedro Paulo (PSD-RJ), um grupo de trabalho instalado na Câmara dos Deputados apresentou no dia 2 de outubro uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) e dois projetos de lei para promover uma ampla reforma no regime de trabalho do funcionalismo.

Um dos temas abordados é justamente o home office. As medidas, no entanto, não entram em detalhes sobre o eventual uso de “softwares espiões”, nem falam sobre uma possível regulamentação para ferramentas digitais de medição de desempenho.

Basicamente, a reforma administrativa propõe “diretrizes nacionais” para limitar o teletrabalho a um dia por semana. No entanto, fica aberta a possibilidade de ampliação do benefício, “mediante ato específico do chefe máximo do órgão, com a devida justificativa e transparência”, segundo o fichário (relatório) do grupo de trabalho. O texto da reforma prevê ainda que os órgãos contem diariamente com o mínimo de 80% do seu quadro de servidores em regime presencial.

Hoje, cerca de 21,42% dos servidores do governo federal usufruem de teletrabalho parcial ou total, exemplifica o relatório da comissão comandada pelo deputado Pedro Paulo. “Ao verificar a presença de servidores em trabalho integral, há instituições que possuem mais da metade de seus servidores totalmente ausente do serviço presencial”, aponta o fichário.

A ideia de limitar o home office a um dia de trabalho, porém, é alvo de críticas. Na avaliação de Leonardo Quintiliano, advogado e secretário geral da Federação dos Sindicatos dos Servidores Públicos do Estado de São Paulo, a regra “não faz sentido”, já que o controle de desempenho deveria ser feito por meio de metas.

“Cada atividade, carreira e realidade deve adotar o critério que melhor lhe convier. No Judiciário, por exemplo, o servidor pode render mais no trabalho remoto do que tendo que comparecer presencialmente”, afirma.

Para Quintiliano, a intenção inicial do projeto é corrigir distorções geradas pelo teletrabalho sem controle, como nos casos de órgãos que diminuíram drasticamente ou até mesmo encerraram o atendimento ao público.

“O remédio é determinar a abertura e o atendimento satisfatório, de acordo com a demanda, e não comprometer toda uma cadeia heterogênea de carreiras”, argumenta.

Reforma administrativa não fala sobre softwares de monitoramento de home office

No capítulo dedicado ao teletrabalho, o fichário do grupo de trabalho fala expressamente em “métricas de produtividade”. O texto, no entanto, não menciona especificamente o possível uso de softwares de telemetria, como os utilizados no caso Itaú, nem entra em detalhes sobre a utilização de ferramentas digitais para mensuração de metas.

Atualmente, não existe no Brasil uma legislação robusta para contemplar as complexidades do teletrabalho. Paulo Renato Fernandes, professor de direito trabalhista na FGV-RJ (Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro), explica que a lei que trata do teletrabalho “é algo ainda relativamente novo”, com cinco artigos incluídos na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) pela reforma trabalhista em 2017.

Softwares de telemetria podem ser instalados de forma oculta, passando despercebidos por trabalhadores. Os programas também são tecnicamente capazes de ler mensagens de Whatsapp e de ligar a câmera do computador, sem a ciência do empregado.

No episódio da demissão em massa pelo Itaú, empregados demitidos pelo banco afirmaram não ter conhecimento sobre a presença dessas ferramentas em seus computadores. O banco, por outro lado, nega irregularidades e afirma que os softwares apontaram inconsistências nas folhas de ponto dos funcionários em home office, o que teria motivado os desligamentos.

Segundo Paulo Renato Fernandes, é necessário aperfeiçoar a legislação sobre vigilância digital. “O mercado acaba definindo a forma de monitoramento, com o contrato de trabalho preenchendo isso na prática”, explica o professor da FGV-RJ.

A inexistência de uma regulamentação específica, no entanto, não impede a responsabilização de empregadores que cometem abusos — a própria CLT contém princípios gerais para frear o “poder diretivo” absoluto de quem contrata.

Contudo, a criação de regras mais claras sobre o que pode e o que não pode ser feito no home office poderia orientar não só os funcionários, mas também as empresas privadas e o próprio poder público.

‘Lei de Responsabilidade de Resultados’ quer que público avalie servidores

Em um podcast transmitido no dia 27 de setembro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu que os servidores públicos no Brasil sejam monitorados por ferramentas de medição de produtividade e eficiência.

Segundo pesquisa do Datafolha e do Movimento Pessoas à Frente, 94% dos entrevistados afirmam que funcionários públicos deveriam estar sob avaliação constante e ser mensurados por entregas.

De acordo com a ‘Lei de Responsabilidade por Resultados’, um dos três textos propostos pela reforma administrativa, “dirigentes dos órgãos ou entidades e a autoridade pública” deverão estabelecer a cada ano um “acordo de resultados” com “os objetivos, as metas e os respectivos indicadores de resultados, qualitativos e quantitativos”.

Para o advogado Leonardo Quintiliano, o planejamento estratégico previsto na reforma desconsidera os trabalhadores, focando apenas em métricas definidas arbitrariamente. “Isso pode levar a abusos, já que um dirigente pode querer demonstrar muita competência sobrecarregando os subordinados”, pontua.

Além do desempenho por relatórios mensais, o mesmo artigo determina que os serviços prestados pelos funcionários sejam avaliados pela satisfação pública. Ainda segundo Quintiliano, o texto não prevê um método seguro para evitar vieses negativos à população.

“Como ficam as atividades que podem colidir com interesses da população, como fiscais de obra, fiscais de renda, polícia, professores,que devem ensinar, cobrar os pais, reprovar? Essa lacuna pode gerar problemas para carreiras sensíveis,” comenta.

Para Quintiliano, é possível que as mudanças dificultem a atração de novos talentos para o setor público, sobretudo em setores críticos para o desenvolvimento do estado.

“Quem trouxe essa proposta desconhece dificuldades atuais da gestão pública, sobretudo em áreas como TI [Tecnologia da Informação], que já geram dificuldades de contratação e forte concorrência com o mercado. Muitos profissionais de TI dão preferência ao trabalho remoto em relação até mesmo a uma diferença considerável de salário”, finaliza.

Fonte: Repórter Brasil
Texto: Gabriel Daros

DM TEM DEBATE

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