NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

OPINIÃO

Por Francisco das C. Lima

Nesse novo cenário, torna-se necessário que o intérprete-aplicador tenha uma nova compreensão de que esses “trabalhadores e os empregadores em plataforma, bem como aqueles que empregam em geral o uso de tecnologia, não se adequam aos limitados contornos da antiga CLT e aos contratos autônomos tradicionais, reclamando esse tipo de relação um sistema jurídico próprio que deve ser entendido a partir das novas estruturas empresariais para que possam gozar de uma tutela adequada” [12], que pensamos deve ser buscada no princípio da proteção ao hipossuficiente, e que encontra abrigo no caput artigo 7º do Texto Maior, de modo que se possa incluí-los no leque de proteção do Direito do Trabalho.

 

Nesse sentido foi o que defendemos artigo doutrinário [13], ao analisar a 14.297/2022.

 

Assim, se presentes os requisitos do trabalho pessoal, subordinado mediante certa paga, se presume a relação do emprego, ainda quando prestado por meio de aplicativos de plataformas digitais, incumbindo à empresa o aquele que se apropria dos frutos deste labor, demonstrar de forma concreta, que o trabalho era prestado de forma autônoma [14], tomando-se em consideração a realidade vivenciada pelas partes na prestação dos serviços [15], como foi reafirmado pelo ministro Maurício Godinho Delgado, do Colendo Tribunal Superior do Trabalho (TST), em voto proferido no julgamento do AIRR 100353- 02.2017.5.01.006, 3ª Turma, que reconheceu o vínculo de emprego entre um motorista de aplicativo e a Uber do Brasil Tecnologia Ltda. em 11/4/2022, na Espanha na STS 805/2020, de 20 de setembro, antes mesmo da Reforma de 2021, que também havia reconhecido vinculo de emprego entre entregadores e empresas que tomam serviços por aplicativos de plataformas digitais, e na Alemanha a 9ª Turma do Bundesarbeitgerichts, equivalente germânico ao Tribunal Superior do Trabalho, igualmente reconheceu no início do mês de dezembro de 2020 o vínculo de emprego de trabalhador com plataforma de microtarefas e mais recentemente, aqui no Brasil, em outubro de 2022, a 17ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região declarou a existência da relação de emprego entre a empresa Levoo Tecnologia e Serviços de Informação do Brasil e entregadores da plataforma (Processo nº 1000489-03.2021.5.02.0002).

 

Nesse novo cenário laboral, é possível concluir pela existência da subordinação nessa novel forma de prestação de serviços como lembra Rodrigo Carelli [16] ao defender:

 

“Isso tudo é determinado pelo algoritmo, que nada mais é do que o meio telemático e informatizado de comando, controle e supervisão que nos fala o parágrafo único do art. 6º da Consolidação das Leis do Trabalho.Esse dispositivo legal equipara esse tipo de controle à subordinação direta para caracterizar a condição de empregado.”

 

Deveras, a Lei 12.551/2011, que ao modificar o artigo 6º da CLT, terminou por regulamentar, ainda que de forma não completa, novos aspectos da supervisão do trabalho na contemporaneidade de modelo tecnológico de trabalho, estabelece:

 

“Art. 6º. Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.”

 

Como se vê, de acordo com a aludida norma, equipararam-se os meios telemáticos e informatizados de supervisão aos meios pessoais e diretos de comando, homenageando-se, assim, a força atrativa do Direito do Trabalho e a sua permanente busca pelo alcance de seu manto protetor ao maior número de trabalhadores possível, considerando-se, inclusive, a natureza de porosidade das normas de proteção do trabalho humano que sempre poderão ser ampliadas para tutelar as novas formas de trabalho surgidas com o progresso e o desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Tanto assim, que o caput do artigo 7º da Carta Supremo prevê a possibilidade da lei e da negociação coletiva — digo eu — criar-se outros direitos nela não previstos que visem a melhoria das condições sociais dos trabalhadores, incumbindo ao intérprete, no caso de não contemplação expressa de determinado tipo de labor surgido com a descoberta de novas tecnologias e com avanço da ciência, ampliar, pelo processo de interpretação extensiva, o alcance da norma, de modo que possa ser incluído no raio de proteção daquela interpretada, se necessário, em face da mora do legislador, até mesmo por força de sentença aditiva em certos e determinados casos concretos de injustificada mora do legislador em disciplinar a concretização de certo direito, e no âmbito do Direito do Trabalho, com base no princípio da proteção ao hipossuficiente.

 

Assim, perfeitamente possível, inserir-se o labor do motorista de passageiro e entregador de bens nas normas constantes dos artigo 6º, Parágrafo único da Lei Consolidada (CLT), porque como lembra Como lembra Alin Supiot18 porque no novo modelo de produção surgido com o desenvolvimento da tecnologia, ao “invés da subordinação dar lugar a maior autonomia, o trabalho tomou a forma de subordinação a números” estendo “à mente a garra que o taylorismo mantinha sobre o corpo”, e esse novo cenário laboral o Juiz do Trabalho não pode desconhecer.

 

3. Considerações finais

Do que antes exposto, entende-se perfeitamente possível o reconhecimento da relação de emprego entre os trabalhadores transportadores de passageiros e entregadores de bens e mercadorias, que laboram pelo regime de aplicativo de plataformas digitais, porque em regra, presentes nesse tipo de labor, todos os elementos do contrato de trabalho, surgido, especialmente com a globalização e o desenvolvimento da tecnologia que o Direito do Trabalho não pode desconhecer, ainda que o legislador não tenha disciplinado de forma sistemática, mas que, felizmente, embora um tanto atrasado, o novo ministro do Trabalho, no discurso de posse anunciou que o governo pretende regular esse tipo de labor o quanto antes.


REFERÊNCIAS

OTERO LASTRES, José Manuel. “El derecho siempre va detrás de la sociedad, debe adaptarse a la realidad en que se vive”. Disponível em: https://www.laopinioncoruna.es. Acesso em 31/10/2022.

Esse parece ser também o entendimento de DÄUBER, Wolfgang. Direito do trabalho e sociedade na Alemanha. Trad. Alfred Koller. São Paulo: LTr, 1997, p. 177 e seguintes.

“Plataformas digitais são um modelo de negócio baseado em alta tecnologia, principalmente pela utilização de algoritmos, inteligência artificial e produção e análise de dados, bem típicas da sociedade contemporânea com seu processo de transformação digital. Em outras palavras, são o modelo de empresas, cuja estrutura central é a tecnologia, exemplo de Google, Airbnb, Uber, iFood, entre outros. Quando estas plataformas vendem um serviço por meio de uma mediação ou intermediação do trabalho alheio, são designadas plataformas digitais de trabalho, sendo o modelo da Uber o grande paradigma, ao ponto de colonizar esse fenômeno da economia digital como uberização”. CARVALHO OLIVEIRA, Murilo Sampaio. “O Direito do Trabalho (des)conectado nas plataformas digitais”. Disponível em:  https://revistas.ufrj.br/index.php/rjur/article/download/24367/17785. Acesso em 31/10/2022; FILGUEIRA, Vitor; CAVALCANTE.

“O trabalho no século XXI e o novo adeus à classe trabalhadora: Work in the 21st century and the new goodbye to the working class”. Disponível em: https://revistaprincipios.emnuvens.com.br/principios/article/ view/19/12. Acesso em 31/10/2022.

Em 3 de junho de 2022, o Tribunal Superior da Suíça decidiu que “os motoristas da Uber devem ser considerados empregados da companhia, e ratificou a decisão de Genebra, onde é exigido o cumprimento da lei para a continuidade das atividades da empresa na região”, e ao examinar a matéria, o Supremo Tribunal de cantão afirma que “não atuou arbitrariamente ao decidir que os motoristas da Uber, que trabalhavam em Genebra, tinham vínculo empregatício com a Uber BV” e, como consequência, negou o recurso.

Vide OITAVEN, Juliana Carreiro Corbal; CARELLI, Rodrigo de Lacerda; CASAGRANDE, Cássio. Empresas de transporte, plataformas digitais e a relação de emprego: um estudo do trabalho subordinado sob aplicativos. Brasília: Ministério Público do Trabalho, 2018.

TORRECILLA, Eduardo Rojo. “Tecnologia y relaciones laborales. La resposta del Derecho del Trabajo y los câmbios econômicos y sociales (especial atención a le economia de las plataformas)”. Disponível em www.eduardohojotorrecilla.es. Acesso em: 31/10/2022.

Articulo 8.1. “El contrato de trabajo se podrá celebrar por escrito o de palabra. Se presumirá existente entre todo el que presta un servicio por cuenta y dentro del ámbito de organización y dirección de outro y el que lo recibe a cambio de uma retribción a aquel”.

TODOLI SIGNES, A..Cambios normativos en la Digitalización del Trabajo: Comentario a la “Ley Rider” y los derechos de información sobre los algoritmos”.IUSLabor. Revista d’anàlisi de Dret del Treball, [en línea], 2021, n.º 2, pp. 28-65.

CARELLI, Rodrigo. “NOVA LEI ESPANHOLA PRESSUPÕE RELAÇÃO DE EMPREGO PARA ENTREGADORES DE PLATAFORMAS”. Disponível em: https://revisaotrabalhista.net.br/2021/05. Acesso em 31/10/2022.

PORTO VASCONCELOS, Lorena. A Subordinação no Contrato de Trabalho. Uma Releitura Necessária. São Paulo: LTr, 2009, p. 252-253, 267-268.1

NAHAS, Tereza Christina. “Qualificação do vínculo de emprego”. In: Revista dos Tribunais. Novas Tecnologias, Plataforma Digitais e Direito do Trabalho. (Cood. Giuseppe Luduvico et al). São Paulo: 2020, p. 307-335.

NAHAS, Tereza Christina. Ob. cit., p. 317.

LIMA FILHO, Francisco das C. “A lei 14.297/2022 e a possibilidade de reconhecimento do vínculo de emprego do moto entregador e do transportador de passageiro por meio de plataforma digital”. Disponível em: https://direitopublico.com.br/category/direito. Acesso em 31/10/2022.

LIMA FILHO, Francisco das C. Ibdem. Acesso em 6/10/2022.

DE LA CUEVA, Mario. Derecho Mexicano del Trabajo. México: Editorial Porrúa, 1953, p. 14 e seguintes.

CARELLI, Rodrigo. O romantismo e o canto da-sereia. O caso- ifood e o direito do trabalho. Disponível em: https://rodrigocarelli.org/2020/03/04. Acesso em 31/10/2022. SUPIOT, Alain. “Como transformar as leis do Trabalho, no século 21”. Disponível em: https://portaldoscomuns.blogspot.com. Acesso em 31/10/2022.


[12] NAHAS, Tereza Christina. Ob. cit., p. 317.

[13] LIMA FILHO, Francisco das C. “A lei 14.297/2022 e a possibilidade de reconhecimento do vínculo de emprego do moto entregador e do transportador de passageiro por meio de plataforma digital”. Disponível em: https://direitopublico.com.br/category/direito. Acesso em 31/10/2022.

[14] LIMA FILHO, Francisco das C. Ibdem. Acesso em 6/10/2022.

[15] DE LA CUEVA, Mario. Derecho Mexicano del Trabajo. México: Editorial Porrúa, 1953, p. 14 e seguintes.

[16] CARELLI, Rodrigo. O romantismo e o canto da-sereia. O caso-ifood e o direito do trabalho. Disponível em: https://rodrigocarelli.org/2020/03/04. Acesso em 31/10/2022.

[17] SUPIOT, Alain. “Como transformar as leis do Trabalho, no século 21”. Disponível em: https://portaldoscomuns.blogspot.com. Acesso em 31/10/2022.


 é mestre em Direito pela UnB, mestre e doutor em Direito Social pela UCLM (Espanha), desembargador do Trabalho do TRT da 24ª Região e diretor da Ejud 24ª Região.

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2023-jan-20/francisco-lima-relacao-emprego-aplicativos-parte