NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

O Supremo Tribunal Federal (STF) acolheu o pedido formulado na Ação Direta de Constitucionalidade nº 16 (ADC) e declarou a constitucionalidade da redação original do artigo 71, § 1º da Lei nº 8.666/93. Mais recentemente, no julgamento do RE 76.0931/DF, a Corte Suprema fixou o Tema 246 de sua Tabela de Repercussão Geral: [1]

O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93.

Nesse sentido, também, o item V da Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), [2] acrescentado após a decisão do STF proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade e com efeito erga omnes:

V – Os entes integrantes da administração pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

De acordo com o entendimento sumulado, mesmo após a declaração pelo Supremo da constitucionalidade do artigo 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, continuou possível a fixação de responsabilidade subsidiária da administração pública pelos créditos trabalhistas devidos pela empresa prestadora de serviços.

Essa responsabilização, contudo, deixou de ser objetiva e deve ser analisada de acordo com as provas do caso concreto, principalmente a partir da verificação do cumprimento ou não pelo órgão público dos seus deveres jurídicos na contratação e na fiscalização do contrato, hipótese em que jurídico o reconhecimento da responsabilidade subsidiária da administração pública.

Referidas decisões não esclareceram a questão do ônus da prova sobre o dever de adoção pela administração pública de medidas que assegurem o pagamento das verbas alimentares do trabalhador, mesmo porque se trata de matéria infraconstitucional, sendo regulada nos artigos 818 da CLT e artigo 373 do CPC. A função e natureza extraordinária das  cortes superiores é incompatível com o pedido de nova análise de provas. [3] No sistema jurídico constitucional brasileiro, não é função da Corte Constitucional o exame das provas do processo que ficariam a cargo do juiz instrutor.

A decisão do Tema 246 do STF sobre a responsabilidade material da administração pública nos contratos de terceirização não resolveu a matéria sobre o aspecto processual, sendo encontradas na jurisprudência dos tribunais decisões divergentes e em sentidos opostos, muitas vezes inviabilizando a concretização dos direitos fundamentais dos trabalhadores.

Assim, considerada a sua função de guardião dos direitos sociais fundamentais da Constituição, decidiu o STF superar a sua jurisprudência de não cabimento de recurso extraordinário em matéria de provas, fixando a questão do Tema 1.118 nos seguintes termos: [4]

Ônus da prova acerca de eventual conduta culposa na fiscalização das obrigações trabalhistas de prestadora de serviços, para fins de responsabilização subsidiária da Administração Pública, em virtude da tese firmada no RE 760.931.

A proposta do presente artigo é analisar, brevemente, de que forma foi realizada a ampliação das garantias de concretização dos direitos fundamentais sociais dos empregados terceirizados na tese fixada no Tema 1.118.

Do Tema 1.118 da Tabela de Repercussão Geral do STF

O Tribunal Pleno do STF, por maioria, apreciando o Tema 1.118 da sua Tabela de Repercussão Geral, conferiu provimento ao recurso extraordinário para afastar a responsabilidade subsidiária da administração pública em específico contrato de terceirização. A tese fixada no julgamento definiu quatro itens indispensáveis para a decisão sobre o pedido de sua responsabilização por dívidas trabalhistas da empresa contratada, abaixo analisados.

Ônus da prova do quê: da fiscalização ou de medidas efetivas?

Em relação ao ônus da prova, restou estabelecido no precedente vinculante do STF:

1. Não há responsabilidade subsidiária da Administração Pública por encargos trabalhistas gerados pelo inadimplemento de empresa prestadora de serviços contratada, se amparada exclusivamente na premissa da inversão do ônus da prova, remanescendo imprescindível a comprovação, pela parte autora, da efetiva existência de comportamento negligente ou nexo de causalidade entre o dano por ela invocado e a conduta comissiva ou omissiva do poder público.

Neste primeiro item da decisão, não é apresenta qualquer novidade em relação ao dispositivo celetista sobre a matéria probatória, in verbis: “Art. 818 O ônus da prova incumbe: I – ao reclamante, quanto ao fato constitutivo de seu direito; II – ao reclamado, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do reclamante.”

Assim, à parte reclamante compete demonstrar o fato constitutivo de seu direito, ou seja, do trabalho em benefício da administração pública prestado com a violação de seus direitos trabalhistas cujo cumprimento não foi garantido de forma eficiente. Por sua vez, ao poder público incumbe demonstrar o fato impeditivo alegado em defesa para sua isenção de responsabilidade, ou seja, da adoção de medidas efetivas para garantia do cumprimento de direitos trabalhistas pela empresa contratada.

Reitere-se a manutenção do ônus estático da prova. Cada uma das partes do litígio deve demonstrar as suas alegações, não sendo possível a condenação automática, aquela “amparada exclusivamente na premissa da inversão do ônus da prova”, conforme §1º do artigo 818 CLT. [5] Não existe inversão pela aplicação da teoria dinâmica do ônus da prova, mesmo porque somente a reclamada poderia comprovar o cumprimento de seu dever jurídico previsto no item 4 da tese vinculante.

Mas qual seria, então, o sentido atribuível na decisão à expressão “imprescindível a comprovação” pela parte trabalhadora de comportamento negligente do Poder Público?

A resposta deve ser jurídica e passa pela leitura do §3º do artigo 818 da CLT, cujos limites não podem “gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil”. A interpretação deste primeiro inciso, portanto, deverá ser restritiva vinculando-se à demonstração, no caso concreto, de violações de direitos trabalhistas sob os olhos negligentes do poder público quanto à adoção de medidas efetivas de garantia de adimplemento. Exigir mais do que isso seria atribuir à parte hipossuficiente um ônus impossível ou excessivamente difícil de cumprimento, desvinculando-se da leitura dos tópicos seguintes da decisão.

A notificação de formalidade

No item 2 da decisão, como forma de garantia do acesso real à justiça por aquele trabalhador que não mais terá a restituição do trabalho já realizado, o STF procurou explicar a forma e o momento de caracterização do comportamento negligente da administração pública, in verbis:

2. Haverá comportamento negligente quando a Administração Pública permanecer inerte após o recebimento de notificação formal de que a empresa contratada está descumprindo suas obrigações trabalhistas, enviada pelo trabalhador, sindicato, Ministério do Trabalho, Ministério Público, Defensoria Pública ou outro meio idôneo.

O julgamento menciona “notificação formal” do descumprimento de obrigações trabalhistas, circunstância que não é comum nas relações de emprego que sempre foram orientadas pelo princípio justrabalhista da primazia da realidade sob a forma, conforme artigo 9º da CLT. A decisão vinculante também não indica qual seria o fundamento jurídico de sua exigência, sendo necessária uma investigação sobre sua extensão.

Porém, na prática, qual seria o meio típico para a informação de descumprimento e utilizado para a cobrança de direitos trabalhistas? Um dos meios meios mais idôneos seria a própria reclamação trabalhista, com regular notificação formal da reclamada, em “registro postal com franquia”, na forma do §1º, do artigo 841 da CLT.

Poderia ser pensada, também, numa hipótese de e-mail enviado pelo trabalhador ou seu sindicato de classe informando para a administração as violações de direito durante o contrato, por exemplo, sobre a falta de recolhimento dos depósitos do FGTS. Todavia, aqueles que militam diariamente na Justiça do Trabalho sabem que a maioria das violações de direitos ocorrem na dissolução do vínculo de emprego, quando os trabalhadores terceirizados perdem a sua fonte de renda e não raramente deixam de receber suas verbas rescisórias.

Nesta situação, qual seria o prazo para informação da administração quanto à violação dos direitos rescisórios do empregado? Por uma questão lógica-temporal, o início deste prazo não poderia ser anterior ao momento da dissolução contratual.

A decisão do STF não fixa um prazo para esta notificação formal. Assim, no máximo, devem ser observados os prazos para denúncia de violação e cobrança de direitos trabalhistas fixados no inciso XXIX, do artigo 7º da Constituição. [6] Segundo a decisão vinculante do STF, somente a partir desta notificação, poderá ser caracterizada a conduta negligente da administração pública diante da não adoção de providências assecuratórias dos direitos trabalhistas alimentares de seus prestadores de serviço. Os itens 1 e 2 não podem ser lidos separadamente dos deveres jurídicos estabelecidos no item 4 da tese vinculante, abaixo analisados.

Matérias específicas de segurança, higiene e salubridade

No item 3 da decisão vinculante, é estabelecida a:

…responsabilidade da Administração Pública garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato, nos termos do art. 5º-A, § 3º, da Lei nº 6.019/1974.

Aqui, poderiam ser levantadas algumas questões específicas e incongruências que poderiam advir de uma interpretação restritiva da responsabilidade da administração pública a ser definida de acordo com a matéria do processo. Por exemplo, poder-se-ia imaginar a responsabilização da administração pública pelo pagamento de um adicional de insalubridade e não de outras verbas trabalhistas decorrentes do mesmo contrato, postuladas no mesmo processo.

De todo modo, revela-se um importante avanço o entendimento pela aplicação da Lei nº 6.019/1974 também para os casos de terceirização de serviços pelo poder público, uma vez que referida norma, de uma forma geral, procura reconhecer a responsabilidade dos tomadores de serviços terceirizados.

Deveres jurídicos da administração pública

No último item (4), para fechamento racional da tese vinculante, são estabelecidos diversos deveres da administração pública nos seus contratos de terceirização. Um típico estudante de direito poderia indagar sobre qual a consequência do descumprimento de um dever jurídico que causa dano a outra pessoa?

Nos termos do artigo 186 do Código Civil, aquele que infringe uma obrigação (de um contrato ou dever de cuidado) e causa prejuízo ao outro, será obrigado a indenizar os danos que resultaram dessa violação. Trata-se de um elementar princípio de direito.

Para impedir que empresas de fachada não utilizem os trabalhadores simplesmente como se fossem mercadorias, trata-se de dever jurídico da administração pública “(i) exigir da contratada a comprovação de capital social integralizado compatível com o número de empregados, na forma do art. 4º-B da Lei nº 6.019/1974″. Referida comprovação é meramente documental e facilmente pode ser demonstrada no processo, ficando estes documentos na posse das reclamadas.

Finalmente, o poder público também deverá, mediante disposição em edital ou em contrato, “(ii) adotar medidas para assegurar o cumprimento das obrigações trabalhistas pela contratada na forma do art. 121, § 3º, da Lei nº 14.133/2021″, destacando-se:

I – exigir caução, fiança bancária ou contratação de seguro-garantia com cobertura para verbas rescisórias inadimplidas;

II – condicionar o pagamento à comprovação de quitação das obrigações trabalhistas vencidas relativas ao contrato;

III – efetuar o depósito de valores em conta vinculada;

IV – em caso de inadimplemento, efetuar diretamente o pagamento das verbas trabalhistas, que serão deduzidas do pagamento devido ao contratado;

V – estabelecer que os valores destinados a férias, a décimo terceiro salário, a ausências legais e a verbas rescisórias dos empregados do contratado que participarem da execução dos serviços contratados serão pagos pelo contratante ao contratado somente na ocorrência do fato gerador.

Considerações finais

A tese firmada no julgamento do Tema 1.118 do STF não impede o reconhecimento da responsabilidade subsidiária da administração pública pelas dívidas trabalhistas da empresa contratada.

Não se trata da inversão do ônus da prova (1). A notificação formal sobre o descumprimento das obrigações trabalhistas pela empresa contratada poderá ser realizada por qualquer meio idôneo, desde a notificação sobre o ajuizamento de reclamação até e-mails, observando-se o prazo prescricional da Constituição (2).

O entendimento pela aplicação da Lei nº 6.019/1974 também para os casos de terceirização de serviços pelo poder público representa um avanço, uma vez que a norma de uma forma geral procura reconhecer a responsabilidade dos tomadores de serviços terceirizados (3).

A harmonização dos interesses envolvidos neste tipo de litígio exige de cada uma das partes a demonstração de suas alegações: o trabalhador deverá comprovar a violação dos direitos trabalhistas e o poder público que cumpriu os deveres jurídicos do artigo 121, § 3º, da Lei nº 14.133/2021 (4).


[1] Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4434203&numeroProcesso=760931&classeProcesso=RE&numeroTema=246. Acesso em: 20 fev. 2025.

[2] Disponível em: https://jurisprudencia.tst.jus.br/?tipoJuris=SUM&orgao=TST&pesquisar=1#void. Acesso em: 20 fev. 2025.

[3] STF, Súmula n. 279 Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário. STJ, Súmula n. 07 A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. TST, Súmula n. 126 RECURSO. CABIMENTO. Incabível o recurso de revista ou de embargos (arts. 896 e 894, “b”, da CLT) para reexame de fatos e provas.

[4] https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=6048634&numeroProcesso=1298647&classeProcesso=RE&numeroTema=1118. Acesso em: 20 fev. 2025.

[5] Art. 818. § 1o  Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos deste artigo ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juízo atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

[6] Constituição Federal, art. 7º, XXIX – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho.