NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

Derrotar o fascismo nas urnas requer rearticular campo democrático em agonia. E, mais que restaurar o passado, um rechaço à reprimarização e ao receituário neoliberal.

Marcio Pochmann

As eleições presidenciais de 2022 representam uma rara oportunidade democrática em que o conjunto dos brasileiros pode definir o rumo do seu próprio país. As principais mudanças institucionais do Brasil pós-colonial não registraram a presença democrática da participação popular. A Independência nacional (1822), a instalação da República (1889) e a Revolução de 1930 foram eventos históricos emblemáticos de ausência da maior parte da população.

Nos dias de hoje, compete ao conjunto dos brasileiros decidir qual dos dois pacientes seguirá respirando. De um lado, a condição de pária do mundo numa sociedade de desclassificados, movida pela luta da sobrevivência de todos contra todos. De outro, a condição soberana internacional constituída pelo protagonismo do desenvolvimento interno combinado com o aprofundamento da democracia e da inclusão social.

Enquanto a janela histórica aberta ao mundo neste primeiro quarto do século 21 começa a se fechar, o conjunto dos brasileiros que se defrontou no último domingo com a urna eletrônica – orgulho nacional – sem anular ou votar em branco, demonstrou indecisão sobre qual seria a melhor opção a fazer. O direito da dúvida que o sistema eleitoral possibilita é benéfico para que então os eleitores possam ser mais bem esclarecidos antes de vaticinarem o rumo pelo qual o Brasil seguirá vivo.

Esse impasse será desfeito democrática e conscientemente nas próximas três semanas, quando o conjunto dos eleitores voltará ao painel de controle da nave brasileira disponibilizado pela urna eletrônica. Até lá, o “jogo segue sendo jogado”, especialmente no contexto do segundo turno, que torna mais plebiscitária a escolha: a continuidade do que já se sabe ou a segurança da mudança.

A insatisfação da maior parte da população com o que está aí se apresenta majoritária, uma vez que do conjunto dos eleitores que se defrontaram com as urnas, sem votar em branco e não anular, cerca de dois em cada três não apoiaram o candidato da continuidade. Preferiram outros candidatos que apostaram na mudança.

Lula foi o que galvanizou melhor a força da mudança, obtendo quase 26 milhões a mais dos votos obtidos pelo candidato do PT em 2018. Depois de abandonar a narrativa de golpe adotada a partir de 2016, a organização atual de ampla frente política antifascista demonstra ser mais eficiente para a necessária formação de maioria política nacional, inédita desde a montagem do ciclo político da Nova República, em 1985.

Após o desmanche da Aliança do PMDB com o PFL que viabilizou a transição política pelo colégio eleitoral da ditadura civil militar (1964-1985), a polarização entre o PSDB e PT predominou até as eleições presidenciais de 2014. De lá para cá, um novo bloco de poder à extrema direita do espectro político se conformou, massacrando o centro democrático e derrotando alianças lideradas pelo PT nas eleições de 2016, 2018 e 2020.

A candidatura do ex-presidente Lula em 2022 compreendeu o sentido geral do movimento de forças que havia encerrado o ciclo político da Nova República (1985-2014), enterrando o presidencialismo de coalizão. Por isso, tem buscado integrar democraticamente a fragmentação de forças políticas mudancistas e antifascistas necessárias para vencer as eleições e estabelecer a nova maioria que sustente o programa que permita trazer para o presente o horizonte de expectativas atualmente obstaculizado por vários anos de estagflação (estagnação econômica com alta inflação).

Este é o último suspiro para a parte podre da política que insiste em incluir o país no grupo dos países somente consumidores e importadores de bens e serviços tecnologicamente avançados que marca a nova sociedade digital. Outro governo é essencial, capaz de interromper a marcha ascensionista do protofascismo, abrindo caminho para muito mais que a restauração do passado.

Isso requer, contudo, deixar para trás tanto a primitiva pobreza herdada do modelo econômico primário-exportador como a desigualdade generalizada embutida na modernidade conservadora que acompanhou o projeto de industrialização por substituição de importações. O rechaço ao receituário neoliberal será completo na medida em que o horizonte de expectativas seja estabelecido em torno do programa de mudanças para valer.

Este é o sentido da candidatura do ex-presidente Lula – assim como ele próprio tem dito. Esta é a tarefa a ser assumida por cada um dos brasileiros que deseja escrever a história do presente com suas próprias mãos, de forma diferente e melhor que a trajetória pregressa.

Marcio Pochmann é economista, pesquisador e político brasileiro. Professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi presidente da Fundação Perseu Abramo de 2012 a 2020, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, entre 2007 e 2012, e secretário municipal de São Paulo de 2001 a 2004.

Fonte: Outras Palavras

DMT: https://www.dmtemdebate.com.br/saidas-ao-labirinto-bolsonarista/