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O Partido dos Trabalhadores (PT) acionou na semana passada a 1ª Zona Eleitoral de Curitiba para contestar o pedido da deputada federal Rosangela Moro (União-SP) de mudança do seu domicílio eleitoral do estado de São Paulo para o Paraná.

O argumento usado pelo PT é que a parlamentar está “vinculada ao domicílio eleitoral paulista” em razão do cargo eletivo que ocupa. Ou seja, a legenda defende que os eleitos devem “guardar fidelidade com o domicílio eleitoral” durante seus mandatos, pois não poderia haver mais de um domicílio eleitoral.

Não há nada na legislação eleitoral, porém, que trate de situações como essa. E também não há precedentes judiciais. Assim, sem uma regulamentação, a Justiça Eleitoral será a primeira autoridade a dar uma palavra sobre o tema.

Especialistas em Direito Eleitoral ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico acreditam que é possível contornar a falta de previsão expressa na legislação e de precedentes por meio de diferentes construções interpretativas baseadas no ordenamento jurídico. A conclusão, para a maioria deles, é que não é possível transferir o domicílio durante o mandato.

A transferência permitirá que Rosangela concorra ao Senado pelo Paraná caso o mandato de seu marido, o senador e ex-juiz Sergio Moro (União-PR), seja cassado pela Justiça Eleitoral.

Arthur Rollo acredita que a tese do PT é uma interpretação. E “construções interpretativas não podem restringir direitos”. Por isso, ele considera “razoável” o contra-argumento baseado no princípio da legalidade: “Ela não pode ser proibida de fazer alguma coisa que não está vedada pela legislação”.

O advogado, no entanto, também entende ser “plausível” e “muito razoável” o argumento do PT, feito a partir de “uma interpretação teleológica da Constituição e do vínculo da deputada federal com o estado que a elegeu”.

Honrando os paulistas

Na sua visão, “fica complicada essa transferência no curso do mandato que ela está cumprindo, porque ela se elegeu por São Paulo e pressupõe-se que ela, representando os eleitores de São Paulo, mantenha o vínculo com o estado durante todo o exercício do mandato”.

“Não me parece razoável permitir que ela transfira o domicílio eleitoral para o Paraná”, completa o advogado. De maneira figurativa, isso faria com que o Paraná “ganhasse” uma deputada e São Paulo “perdesse” uma.

“Para honrar o mandato com a população de São Paulo que a elegeu, ela tem de manter o vínculo com o estado durante todo o exercício do mandato”, diz Rollo. “Se ela não mantiver esse vínculo, ela está desonrando os votos que obteve em São Paulo.”

Assim, embora não haja previsão legal, o eleitoralista vê a tentativa de transferência do domicílio eleitoral como “um abuso”.

Fraude à lei

Embora não veja uma regra implícita que obrigue Rosangela a permanecer com domicílio eleitoral em São Paulo, Fernando Neisser acredita que existe uma discussão diferente quanto à possibilidade de candidatura da parlamentar em uma eventual nova eleição para o Senado, caso o mandato de seu marido seja cassado.

O advogado considera que a deputada está usando a falta de regra sobre o assunto “com o intuito de burlar o princípio republicano que resguarda todas as relações dentro da lógica constitucional”, o que configura fraude à lei.

Por isso, ele propõe uma solução alternativa: permitir a transferência do domicílio eleitoral, mas retirar “a eficácia dessa transferência para aquele fim ilícito pretendido, qual seja, disputar a eleição”.

Ou seja, Rosangela poderia votar no Paraná, mas não poderia ser candidata ao Senado por esse estado em uma eventual eleição. Assim, o registro de candidatura da deputada no Paraná poderia ser questionado por fraude à lei.

Prefeitos itinerantes

Neisser faz um paralelo com o fenômeno dos chamados prefeitos itinerantes. Eram prefeitos que cumpriam dois mandatos consecutivos em determinado município e, no último ano do segundo mandato, mudavam o domicílio eleitoral para alguma cidade vizinha.

Com isso, eles disputavam a eleição neste segundo município. A ideia era que a chefia do Executivo de outra cidade representava um cargo diferente da prefeitura do município de origem.

Porém, o Supremo Tribunal Federal declarou tal prática inconstitucional em 2012. Os ministros decidiram que a transferência de domicílio é válida, mas que os prefeitos itinerantes não podem se candidatar no pleito seguinte — pois estariam usando a transferência para burlar a regra que impede um terceiro mandato.

Embora Neisser sugira que a mesma lógica deve ser aplicada ao caso da deputada, o presidente da Comissão Especial de Direito Eleitoral do Conselho Federal da OAB, Sidney Neves, tem ressalvas a essa analogia.

Ele lembra que a discussão sobre os prefeitos itinerantes dizia respeito a uma eleição majoritária, para um cargo do Executivo. Já o caso de Rosangela trata de um mandato parlamentar, para o qual não há limite de reeleições.

“O fundamento principal de apenas ser viável uma única reeleição para o Executivo não se aplica a ela”, explica Neves. No entanto, se a deputada se candidatar ao Senado, aí a eleição é majoritária.

Neves se atém à falta de previsão legal ou constitucional que impeça a mudança de domicílio eleitoral. Ele ressalta que a Constituição lista, em seu artigo 55, as hipóteses de perda de mandato, entre as quais não se inclui a “infidelidade” de domicílio.

Fidelidade partidária

Em 2008, o STF validou regras do Tribunal Superior Eleitoral sobre perda de mandato eletivo por infidelidade partidária. Segundo as normas atuais, um partido pode pedir na Justiça Eleitoral a decretação da perda do cargo de um político caso haja desfiliação sem justa causa.

O presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB Nacional reconhece que a Constituição não estabelecia a perda de mandato por infidelidade partidária e que o próprio STF teve de decidir a questão. Mas ele também lembra que a mudança de domicílio eleitoral não foi discutida à época.

De qualquer forma, Neves admite que “soa estranho o parlamentar mudar de domicílio e trocar o seu eleitorado, que o elegeu”.

“No caso do domicílio, não há previsão expressa, ou seja, há uma lacuna, tal como ocorrido com a temática da fidelidade partidária”, indica Thiago Boverio, advogado especialista em Direito Partidário e Eleitoral.

Ele afirma que essa lacuna sobre mudança de domicílio eleitoral durante o mandato “deve ser preenchida pela subsunção da lei mais aproximada ou apropriada”.

Boverio também entende que deve ser aplicada a mesma lógica da filiação partidária, pois essas questões têm “raízes contitucionais paralelas” e a Lei das Eleições “trata da filiação e do domicílio como uma simbiose” em seu artigo 9º.

O advogado destaca o artigo 40 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que diz: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

Aspirações diferentes

“No caso, todo o contexto jurídico-constitucional indica ser, no mínimo, um contrassenso ou um paradoxo o exercício do mandato de uma determinada circunscrição concomitante à aspiração política em outra localidade distante”, pontua Boverio.

Ele considera que a transferência do domicílio eleitoral “de forma desarrazoada”, ou fora do período de 30 dias anterior ao prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição (janela estabelecida pelo artigo 22-A da Lei dos Partidos), “pode soar como fraude ao eleitor, pois o sistema de representação política ficará alijado”.

A ideia é que uma representante de São Paulo voltaria suas atividades aos eleitores do Paraná e precisaria conquistá-los. Ela faria isso “usufruindo de todo o aparato político que os eleitores da outra localidade proporcionaram”. Para o advogado, esse cenário “pode, sim, significar fraude às urnas e ferimento ao sistema de representação política”.

Números e proporcionalidade

Gabriela Shizue Soares de Araujo, que também atua com Direito Eleitoral, é mais uma que vê problemas na mudança de domicílio durante o mandado. Ela cita a Lei Complementar 78/1993, que regula o número de deputados federais, de forma a garantir uma quantidade proporcional à população dos estados.

A norma estipula que o estado mais populoso deve ter 70 representantes na Câmara. Esse estado é São Paulo. Portanto, se Rosangela mudar seu domicílio eleitoral, estará desrespeitando tal regra.

“Considerando que a Constituição, em conjunto com a Lei Complementar 78/1993, determina que a representação de deputados por estado deverá ser proporcional à população de cada um, a alteração de domicílio eleitoral para estado diverso daquele que elegeu determinada deputada afrontaria a Constituição, uma vez que desequilibraria a representatividade proporcional.”