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Ândrea Malcher

Centrais sindicais discutiram em seminário nesta terça-feira (15), na Câmara dos Deputados, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que busca dar autonomia financeira e orçamentária do Banco Central (65/2023). O debate apontou que a proposta pode incorrer em inconstitucionalidade. Especialistas dizem, ainda, que o texto precariza os servidores da autarquia.

Relatado no Senado por Plínio Valério (PSDB-AM), o texto propõe:

  • inserir na Constituição a autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira do BC, que já é estabelecida pela Lei Complementar 179 de 2021;
  • instituir a autonomia orçamentária da instituição financeira.

Além disso, a PEC transforma a própria natureza do BC, que hoje é uma autarquia de natureza especial, sem vinculação com nenhum ministério nem subordinação hierárquica. Pelo projeto, ele passa a funcionar como empresa pública, fiscalizada pelo Congresso Nacional com o auxílio do Tribunal de Contas da União (TCU). Isso significa que os servidores do BC passariam a ser regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), perdendo os benefícios do Regime Jurídico Único (RJU) que regem o funcionalismo público.

Fabio Faiad, presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal), avaliou que a PEC 65/2023 não foi amplamente debatida. “Foi feito um texto dessa PEC 65 que diverge muito do que se considera autonomia do BC.”

O texto, na realidade, traz uma independência muito maior do que as discussões sobre autonomia trazem na literatura, no debate político. Além disso, ele transforma a autarquia pública de regime político público que é o Banco Central em uma empresa de direito privado. Esse texto afasta o Banco Central da proximidade com o Ministério da Fazenda, do Planejamento e do governo eleito. Então, o projeto tem muitos problemas como ele está escrito”, afirmou Faiad.

O presidente do Sinal criticou o atual presidente da instituição, Roberto Campos Neto, como “um dos piores” da história e desejou que com o recém aprovado pelo Senado, Gabriel Galípolo, possa fazer uma gestão de “maior diálogo”.

Faiad pontuou ainda que transformar o BC em uma empresa pública poderia “quebrar as proteções do Estado brasileiro”. Segundo ele, o texto “vai fragilizar a supervisão que os órgãos públicos têm, vai fragilizar as regras às quais os servidores públicos e a organização pública são submetidos. E essa flexibilização das regras pode ensejar mais patrimonialismo, ingresso de servidores sem o devido concurso público, contratação de empresas sem o devido processo licitatório, o que pode facilitar uma captura do Banco Central pela banca financeira”.

Autonomia e Tesouro

A professora Larissa Dornelas, do departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), chamou atenção para a insegurança jurídica que seria gerada ao tornar o BC uma “instituição de natureza jurídica única no Brasil”. Pelo parecer de Plínio Valério, o BC passaria a ter uma “natureza jurídica única, uma corporação integrante do setor público financeiro que exerce atividade estatal”.

É grande o nome, a gente não sabe do que se trata. E isso deixando o argumento de insegurança jurídica que isso gera e também da oportunidade que outras autarquias do serviço público brasileiro possam querer o mesmo distinto tratamento que a PEC 65 dá ao Banco Central”, ponderou a pesquisadora.

A economista apontou também que tanto no texto original, de Vanderlan Cardoso (PSD-GO), quanto no atual relatório, que aguarda a análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, há a determinação de uma Lei Complementar para a definição de “tudo o que vai ser a institucionalidade e o modo de funcionamento desse novo Banco Central”.

Não existe urgência para aprovar essa PEC. Ninguém sabe o que é essa nova instituição a ser criada. Para se mudar a Constituição Federal, em termos de uma instituição única no Brasil, o mínimo que teríamos que ter é estudo sobre isso de como essa instituição funcionará”, observou Dornelas, que acrescentou ainda que a autonomia orçamentária e financeira não demanda a mudança do regime jurídico do BC.

A especialista explicou que o orçamento do BC é dividido em duas esferas: o orçamento administrativo, que passa pela Lei Orçamentária Anual (LOA) e é destinado a pagar despesas obrigatórias e discricionárias do BC, e o orçamento da autoridade monetária, que é aprovado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), não passa pela LOA e é destinado às operações da instituição: política monetária, cambial e creditícia.

“Portanto, não temos ameaça às operações que o Banco Central desempenha por falta de orçamento. Esse orçamento nem passa pela Lei Orçamentária Anual. Além disso, existe uma lei – 13.820 de 2019 – que garante que caso o BC tenha prejuízo, o Tesouro Nacional é obrigado a cobrir esse prejuízo. (…) Dentro da PEC, se exige que essa lei continue valendo, ou seja, a gente quer o melhor dos mundos: uma nova instituição, baseado num regime jurídico único, e que se mantenha a prerrogativa de caso o BC tenha prejuízo, o Tesouro retira seus recursos e coloca dentro do BC”, pontuou ela.

Equívocos concentuais

O professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB) José Luís Oreiro, por sua vez, comentou que a justificativa da PEC é um “horror de erros conceituais”. Um exemplo é quando cita a senhoriagem: a proposta trata o conceito de forma equivocada para se justificar, explica o economista.

No seminário, Oreiro explicou o uso do termo na economia: “A senhoriagem nada mais é do que a diferença entre o valor de face das notas de papel — por exemplo, uma nota de R$ 100 — e o custo de produção da mesma pela Casa da Moeda, que será de uns míseros centavos. Essa diferença entre o valor de face e o custo de produção das cédulas é apropriada pelo Estado, pois o mesmo dispõe do monopólio legal de emissão da moeda. Portanto, a quem cabe o direito de se apropriar da receita de senhoriagem é o Estado brasileiro”.

A PEC da autonomia financeira do Banco Central, segundo Oreiro, usa o termo incorretamente para justificar a sua aprovação no Congresso. A proposta define senhoriagem como “custo de oportunidade do setor privado em deter moeda, comparativamente a outros ativos que rendem juros. A apuração é realizada aplicando-se uma medida de taxa de juros nominal da economia sobre o valor da base monetária”.

Ou seja, como se fosse algo que é próprio do setor privado, e não do Estado”, declarou Oreiro. “Essa definição não está em nenhum manual de economia do mundo”.

Autoria

Ândrea Malcher

andrea@congressoemfoco.com.br

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