OPINIÃO
Por que a PEC 3/2022, conhecida popularmente como PEC da “privatização” das praias, ameaça a soberania territorial costeira brasileira?
Simples. Porque a área costeira do território nacional, chamada de “terrenos de marinha”, é obrigatoriamente bem público nacional, do povo brasileiro, por força direta do inciso VII do artigo 20 da Constituição brasileira. E é esse artigo, o mais importante, que a chamada PEC das Praias quer revogar.
O que acontece no dia seguinte em que os chamados “terrenos de marinha” deixarem de ser, obrigatoriamente, bens da União pela revogação, pura e simples, do artigo 20, inciso VII da Constituição pela “PEC das Praias”?
Toda a área desocupada dos atuais terrenos de marinha do litoral brasileiro, que ainda não está dimensionada e nem medida, passa a ser terra de ninguém. E este inimaginável território costeiro, não sendo mais terra constitucionalmente pública, estará imediatamente sujeito a uma nova corrida de conquista a propriedades por usucapião.
Isso porque a área territorial brasileira, os terrenos de marinha, por serem constitucionalmente terras públicas, protegem, literalmente há séculos, o território nacional desta ameaçadora corrida de conquista, já que a Constituição proíbe a usucapião de terras públicas (artigo 183 §3º, e artigo 191, parágrafo único da CF).
E as praias e os seus acessos?
Elas estão protegidas, como bem de uso comum do povo, sem os terrenos de marinha? Entendo que não. Sem os terrenos de marinha, problemas com ocupação privada de áreas de praias e seus acessos configuram-se como uma possibilidade real.
O povo, quase que por intuição, sabe disso. Isso porque, o que é praia, bem como seus limites, são definições de conteúdo indeterminado, tênue e ainda materialmente indefinido, e estão contidas não no texto constitucional, mas em uma lei ordinária relativamente nova, que poderá ser modificada a qualquer momento ou reinterpretada por qualquer autoridade judiciária, em qualquer parte do paísE quem dirá, ou demarcará o que é praia, faixa de areia, onde começa a vegetação costeira ou não? Na verdade, é a existência dos terrenos de marinha que protegem, e sempre protegeram, de fato, as praias como bens públicos de uso comum do povo.
Esta garantia constitucional de domínio público resguarda a possibilidade de se medir a linha que separa o que é praia, bem de uso comum do povo, dos chamados terrenos de marinha, que podem ser privatizados por meio de concessão da União, através do chamado aforamento ou enfiteuse.
É uma falácia ou ignorância jurídica dizer que os terrenos de marinha não podem ser privatizados. Podem e são, com todas as garantias dominiais da propriedade, pois as concessões de aforamentos são direitos reais de propriedade.
Tudo que a “PEC das Praias” quer fazer, no artigo 1º do projeto de emenda constitucional — diminuir os pagamentos, regularizar ocupações, passar áreas para estados e municípios quando necessário a seus interesses, constituir domínio pleno sobre imóveis aforados —; tudo pode ser feito por lei ordinária, já permitido pelo artigo 49 ADT da Constituição, sem extinguir, de súbito e sem medida, a proteção constitucional que os terrenos de marinha dão, ao povo brasileiro, à regulação federal de seu território costeiro.
O território brasileiro foi constituído a partir das entradas costeiras. Os terrenos de marinha, constituídos pela história fundiária brasileira desde os portugueses, que já sabiam da sua importância, protegem e regulam, no interesse público, a ocupação do nosso litoral.
Por que fragilizar e expor às conquistas econômicas a soberania nacional, que ainda temos, ao nosso território costeiro? Por que subtrair do povo esse direito constitucional sobre seu território litorâneo? A quem isso interessa?