AINDA A REFORMA
Por José Higídio
Um dispositivo legal que coloque limites ou condicione a atividade interna dos tribunais viola o princípio da separação dos Poderes e a autonomia que a Constituição lhes assegura.
Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal formou maioria para declarar a inconstitucionalidade de trechos da reforma trabalhista que trazem regras e procedimentos para o Tribunal Superior do Trabalho e os Tribunais Regionais do Trabalho estabelecerem e alterarem súmulas e outros enunciados de jurisprudência não vinculantes. A sessão virtual se encerrará oficialmente na próxima segunda-feira (21/8).
A norma, de 2017, passou a exigir o quórum de dois terços para que os tribunais trabalhistas aprovem ou revisem súmulas e outros enunciados. A Ação Direta de Inconstitucionalidade foi ajuizada em 2019 pela Procuradoria-Geral da República, que apontou violação da separação dos Poderes e da independência dos tribunais.
Excesso legislativo
Prevaleceu o entendimento do relator, ministro Ricardo Lewandowski — que votou antes da sua aposentadoria, ocorrida em abril deste ano. Ele entendeu que a limitação imposta pela lei cerceou o TST e os TRTs. “Os juízes não podem dar-se ao luxo de ficar submetidos, no desempenho de seu mister, a critérios elencados por um Poder externo, isto é, o Legislativo”, assinalou.
Para o magistrado, a edição de enunciados e súmulas deve obedecer os critérios fixados nos Regimentos Internos dos tribunais. Ele lembrou que o Código de Processo Civil não prevê um quórum, um número específico de sessões ou qualquer outro parâmetro para isso, “eis que se trata de questão reservada aos órgãos jurisdicionais colegiados de cada uma das Cortes de Justiça”.
Lewandowski ainda questionou o fato de que critérios do tipo só foram impostos aos tribunais trabalhistas: “Não consigo encontrar qualquer elemento de distinguishing que autorize um tratamento absolutamente anti-isonômico entre as várias Cortes de Justiça”.
Por fim, o relator ressaltou que o quórum de dois terços é superior ao exigido para alteração da própria Constituição. “Tal previsão, a toda a evidência, indica claro excesso legislativo, à míngua de qualquer justificativa razoável”, indicou.
Até o momento, o voto de Lewandowski foi acompanhado pelos ministros Luiz Edson Fachin, Kassio Nunes Marques, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes.
Divergência
Ficou vencida a divergência inaugurada por Gilmar Mendes, que validou os trechos da reforma, sem constatar “movimento abusivo do Poder Legislativo ou o estabelecimento de procedimento irrazoável”. Até o momento, os ministros Dias Toffoli, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso o acompanharam.
O magistrado destacou que a Constituição “não desenhou de forma explicita em qual ponto se inicia a autonomia dos tribunais e onde termina o campo aberto à atividade do legislador”.
Por outro lado, o texto constitucional atribui ao Legislativo a competência para legislar sobre Direito Processual. Assim, para Gilmar, é natural que certos dispositivos legais impactem, “em maior ou menor grau”, a competência e o funcionamento dos órgãos de Justiça — o que inclui o procedimento de edição, cancelamento ou revisão de súmulas.
Além disso, o ministro afirmou que, antes da reforma, a Justiça do Trabalho não observava o pressuposto de editar súmulas “apenas quando tenham alcançado grau de consenso similar ao preconizado na legislação”.
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ADI 6.188
José Higídio é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico
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