Rafaelle de Sousa Simões
STF suspende ações sobre pejotização e terceirização. Tema 1389 pode redefinir os limites entre autonomia contratual e vínculo empregatício.
1. Contexto contemporâneo das contratações e a resposta do STF
As formas contemporâneas de contratação – entre elas a terceirização e a pejotização – vêm sendo amplamente utilizadas por empresas dos mais diversos setores, impulsionadas por um modelo econômico dinâmico e pela busca por flexibilidade, trazendo consigo uma série de ações judiciais que questionam a validade de tais relações contratuais, apontando para a existência de vínculos empregatícios disfarçados sob a roupagem de contratos civis.
Neste cenário, em uma decisão de grande repercussão, o Supremo Tribunal Federal (STF), no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.532.603, com repercussão geral reconhecida sob o Tema 1389, determinou a suspensão nacional de todos os processos que discutem a validade de contratos de prestação de serviços com autônomos ou pessoas jurídicas.
2. Debate sobre pejotização e terceirização
A postura do Supremo sinaliza seu interesse em definir a licitude dessas formas contratuais. Trata-se de um marco institucional que exige reflexão crítica por parte de juristas, empresas, trabalhadores e da própria Justiça do Trabalho.
É certo que o objetivo principal da Suprema Corte éuniformizar o entendimento sobre a matéria, considerando o elevado número de ações judiciais e a divergência de decisões na Justiça do Trabalho, entretanto, a suspensão dos processos, embora legítima sob a ótica processual, impõe um necessário debate sobre os seus limites e consequências.
3. A importância das análises de casos concretos
É preciso reconhecer que a contratação por meio de pessoas jurídicas e autônomos, quando legítima, representa uma forma válida de organização econômica, frequentemente utilizada em atividades especializadas e de caráter pontual. No entanto, também é inegável que tais formas contratuais têm sido, em diversos contextos, utilizadas para dissimular relações de emprego e esvaziar direitos trabalhistas.
Um dos principais pontos de atenção está na necessidade de que qualquer entendimento vinculante a ser firmado pelo STF preserve o espaço da análise fática concreta das relações de trabalho, ou seja, o ônus da prova na dinâmica processual. Em ações que discutem fraude na contratação, a definição clara sobre a quem cabe o dever de demonstrar a licitude ou a irregularidade da relação jurídica é determinante para o equilíbrio entre as partes e para a efetividade da justiça. Isto porque o Direito do Trabalho é regido pelo princípio da primazia da realidade, e contratos civis não devem ser considerados, isoladamente, como provas absolutas de autonomia, especialmente quando subsistirem indícios de subordinação, pessoalidade e habitualidade.
4. Respeito pelo papel da justiça trabalhista
A fronteira entre a autonomia contratual e a fraude deve ser cuidadosamente delimitada, com base em critérios objetivos, sem que se perca de vista a análise das condições reais da prestação dos serviços. Ou seja, fixar critérios que presumam, de antemão, a validade dos contratos civis sem considerar os elementos práticos da relação pode comprometer a proteção de direitos fundamentais e enfraquecer o caráter protetivo do Direito do Trabalho.
A Justiça do Trabalho desempenha papel relevante na aferição das condições de fato e na identificação de subordinação disfarçada. Preservar sua competência interpretativa, especialmente nos casos em que há dúvidas legítimas sobre a natureza da relação, é essencial para o equilíbrio do sistema de justiça.
A suspensão nacional dos processos sobre a matéria deve ser compreendida como um instrumento de sistematização e não como restrição ao exercício da jurisdição trabalhista. O objetivo central da medida deve ser o de, como guardião da Constituição Federal, garantir a uniformização jurisprudencial e a previsibilidade nas relações contratuais, diante da notória divergência de decisões proferidas pelos tribunais trabalhistas em casos de terceirização e pejotização.
5. Conclusão
O que está em discussão, no fundo, é a possibilidade de a Justiça do Trabalho reconhecer vínculos de emprego com base na análise da realidade fática, mesmo quando há contratos civis formais celebrados entre as partes.
A análise do Tema 1389 representa uma oportunidade ímpar para o STF construir uma jurisprudência clara, segura e justa, capaz de orientar empresas e trabalhadores, proteger relações legítimas e coibir práticas fraudulentas.
O equilíbrio entre liberdade econômica e proteção social passa, necessariamente, por um modelo de julgamento que respeite a pluralidade das formas de trabalho, mas que não renuncie à análise da realidade e à efetividade dos direitos fundamentais.
Espera-se que o julgamento definitivo do Tema 1389 venha a garantir que o modelo constitucional de proteção ao trabalho conviva com as novas formas de organização produtiva, sem se afastar da sua finalidade essencial: a dignidade da pessoa humana no ambiente laboral.
Rafaelle de Sousa Simões
Advogada Trabalhista especialista em Tribunais Superiores no escritório Aragão e Tomaz Advogados.