A imposição de uma tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros exportados aos Estados Unidos, anunciada pelo presidente Donald Trump na semana passada, acendeu o sinal de alerta no setor produtivo e entre analistas econômicos. A medida, se efetivada a partir de 1º de agosto, pode comprometer o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro em até 0,5 ponto percentual em 2025, além de provocar perdas significativas na balança comercial.
Segundo estimativas do banco Santander, o Brasil pode perder US$ 9,4 bilhões em exportações no período de 12 meses, sendo US$ 3,9 bilhões ainda este ano, o que representaria uma queda de 7% em relação ao superávit comercial projetado. A medida representa um agravamento importante em relação à proposta anterior de Trump, que sugeria tarifa de 10%.
Agora, os impactos do tarifaço de Trump podem ser três vezes maiores, especialmente para setores fortemente dependentes do mercado americano, como o de carnes, suco de laranja, rochas ornamentais e aço.
Vale lembrar que, somado a esse cenário, o Brasil já enfrenta uma política monetária contracionista. Com a taxa básica de juros, a Selic, a 15%, a economia brasileira já dá sinais de desaceleração.
Na segunda-feira (14), foi divulgado o IBC-Br, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central, que apontou retração de 0,7% em maio na comparação com abril, já descontados os efeitos sazonais. Essa é a primeira queda do indicador em 2025 e interrompe uma sequência de quatro meses de crescimento.
A despeito de todo esse contexto provocado por Trump, Santander, Itaú e outras instituições ainda mantêm suas projeções de crescimento do PIB em 2% para este ano, mas já incorporam o tema entre os principais fatores de risco no cenário econômico de 2025.
Ações do governo
No início da noite de segunda-feira (14), o presidente Lula (PT) assinou o decreto que regulamenta a Lei de Reciprocidade, aprovada pelo Congresso Nacional em abril, como resposta às sobretaxas impostas pelo governo norte-americano a produtos brasileiros. O texto define procedimentos para que o Brasil possa adotar contramedidas comerciais e diplomáticas de forma rápida e proporcional.
Por meio do decreto de regulamentação da Lei de Reciprocidade, o governo também criou o Comitê Interministerial de Negociação e Contramedidas Econômicas e Comerciais para adoção de medidas de proteção da economia brasileira.
O comitê será presidido pelo vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, e será composto pelos ministros Rui Costa (Casa Civil), Mauro Vieira (Ministério das Relações Exteriores), e Fernando Haddad (Ministério da Fazenda). Outros ministros poderão ser chamados para reuniões temáticas do comitê.
Tarifas de Trump: reação dos setores
Empresas e associações do setor produtivo se manifestaram com preocupação. O Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração) alertou que os investimentos previstos de US$ 68,4 bilhões até 2029 podem ser revistos. No setor de rochas ornamentais, que exporta 60% da produção para os EUA, o cenário é descrito como de “extrema preocupação”.
A expansão do protecionismo americano levanta a possibilidade de que o Brasil busque diversificar seus mercados. “O café e a carne estão super demandados, conseguimos achar comprador”, aponta Felipe Kotinda, do Santander. Parte da produção pode ser redirecionada ao mercado interno, o que tenderia a conter alta de preços de itens como carne e aço.
Câmbio e alternativas
Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria, disse ao O Globo que o câmbio é uma variável decisiva. O real pode precisar se desvalorizar em até 5,5% (de R$ 5,40 para R$ 5,75) para compensar parte das perdas. Ainda assim, o impacto inflacionário seria limitado, com efeito inicial de queda de 0,10 ponto percentual no IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) e dissipação ao longo do ano.
No setor de petróleo e gás — responsável por 17% do PIB industrial — o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) e a Abpip (produtores independentes) defendem uma solução diplomática, ressaltando o risco para investimentos e contratos.
Incertezas crescem com tarifaço
Um estudo realizado pelo FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) aponta que, desde 2009, o país registra déficits constantes com os norte-americanos — no primeiro semestre de 2025, o déficit bilateral chegou a US$ 1,7 bilhão.
Embora o desempenho das exportações para os EUA tenha sido relativamente bom nos últimos anos, o peso dos Estados Unidos na pauta comercial brasileira tem diminuído. A participação dos EUA nas exportações caiu de 24,4% em 2001 para 12,0% em 2024. No mesmo período, a fatia das importações também encolheu, de 22,7% para 15,5%, impulsionada principalmente pela ascensão da China como principal parceiro comercial.
Segundo o estudo, a nova tarifa deve impactar especialmente produtos da indústria de transformação, como siderurgia, aeronaves, celulose e sucos vegetais. A dependência do mercado norte-americano em alguns segmentos é alta: no caso de certos tipos de celulose, por exemplo, os EUA respondem por mais de 60% das exportações.
Balança comercial
A balança comercial brasileira registrou um superávit de US$ 30,1 bilhões no primeiro semestre de 2025, queda expressiva frente aos US$ 41,6 bilhões do mesmo período de 2024. Essa redução ocorreu apesar do crescimento da corrente de comércio, puxada principalmente por um aumento nas importações (+8,3%), que superou o recuo das exportações (-0,7%).
O desempenho das exportações foi afetado principalmente pela queda nos preços das commodities (-2,2%), ainda que o volume tenha subido levemente (+1,6%). Já nas importações, mesmo com uma redução média nos preços (-2,4%), o volume cresceu de forma robusta (+11,1%).
Os setores de indústria de transformação lideraram tanto a alta das exportações quanto das importações. Em especial, destacaram-se os automóveis, cuja exportação em volume aumentou 114% no semestre.
Entre os parceiros comerciais, a China permanece como principal destino, mas as exportações para lá recuaram 7,5% no semestre, devido à queda nos preços do minério de ferro e à desaceleração no setor de construção chinês. Por outro lado, a Argentina surpreendeu com alta de 58,8% no volume exportado e passou a representar superávit de US$ 3 bilhões, revertendo o déficit do ano anterior.
Com esse novo cenário, a Secretaria de Comércio Exterior revisou para baixo a previsão de superávit para o ano, de US$ 70,2 bilhões para US$ 50,4 bilhões. Sem o impacto das tarifas americanas, o número poderia ficar próximo de US$ 60 bilhões.
ICL NOTÍCIAS
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