São Paulo – O tarifaço de 50% sobre os produtos brasileiros a partir de agosto será inevitável e o governo brasileiro precisa saber como se posicionar para evitar um estrago maior, de acordo com especialistas que participaram de debate sobre política fiscal, na tarde desta sexta-feira (25/7), no Expert XP, em São Paulo.
A economista Solange Srour, diretora de macroeconomia do UBS Global Wealth Management, e Pedro Jobim, economista-chefe e sócio fundador da Legacy Capital, veem com preocupação uma escalada de retaliações de ambos os lados. Os dois economistas ressaltaram que a diplomacia do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não consegue um canal de diálogo com o governo Trump, portanto, não há negociação pelas vias formais.
“O Brasil é pequeno para influenciar a economia dos Estados Unidos, mas é grande para servir de exemplo do que não é para fazer neste mundo”, alertou Solange Srour. Para ela, um cenário de retaliação seria muito ruim, porque aumentaria o risco e o preço dos ativos, principalmente o câmbio.
“O Brasil não vive uma situação institucional normal. Hoje, o governo brasileiro não tem interlocução na Casa Branca E o Executivo nem cumprimentou o Trump pela vitória nas eleições. Agora, é difícil reativar, de uma hora para outra, qualquer negociação”, ressaltou Pedro Jobim. Segundo ele, “o momento é delicado”, e parece que o governo brasileiro ainda não entendeu a gravidade da situação e os riscos de qualquer movimento de curto prazo.
O mediador do debate, o economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale, destacou que o que acontecerá a partir de agosto é uma das maiores preocupações dos clientes com os quais ele conversa. Ele lembrou ainda que a questão fiscal segue sendo um problema para o governo brasileiro, pois, apesar de a arrecadação continuar crescendo acima da inflação, a conta não fecha e o governo segue com o resultado negativo porque as despesas estão crescendo em ritmo mais acelerado do que a receita.
“Se fossemos uma família, nunca ganhamos tanto dinheiro. Mas estamos fechando no vermelho, resultado do problema da falta de reformas nos gastos”, resumiu Megale ao comentar sobre os dados recentes da arrecadação, que cresceu 5% acima da inflação no primeiro semestre do ano, conforme dados da Receita Federal. “No ano passado, o crescimento foi 10% acima da inflação”, recordou.
Os economistas reconheceram que a dívida pública bruta do Brasil, que gira em torno de 80% do Produto Interno Bruto (PIB) segue crescendo em ritmo mais acelerado do que outros países e, se comparado com os países emergentes, está em patamares muito maiores, mas ainda não atingiu um patamar de insustentabilidade – algo que não deve ser comemorado, porque as perspectivas para 2027 são preocupantes e o problema vai estourar no colo do próximo governo.
Solange Srour, do UBS, destacou que, apesar de o atual arcabouço fiscal não ser factível desde a sua concepção, o mercado financeiro deu um voto de confiança até 2026, “dando o benefício da dúvida”, porque o mercado internacional estava favorável. “Esse arcabouço ainda é pouco ambicioso, porque as expectativas de superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública)não trazem uma previsibilidade de como a dívida vai parar de crescer como está crescendo”, alertou.
A economista lembrou ainda que o fato de o país continuar crescendo a um ritmo em torno de 3% nos últimos anos e de 2,5%, neste ano, provavelmente, ainda está relacionado com as medidas de aumento de gastos que não foram interrompidas desde a pandemia e ajudaram a aumentar o PIB potencial, mas isso não é sustentável, porque os investimentos seguem baixos em relação ao PIB. “O crescimento do PIB dos últimos anos tem muito a ver com o fiscal, uma vez que o investimento tem caído para níveis de 20 anos atrás. O investimento precisa crescer”, explicou. Ela lembrou que, ao contrário do Brasil, os Estados Unidos, que também estão com um nível de endividamento elevadíssimo, acima de 100% do PIB, possuem uma produtividade muito maior, que tende a crescer por conta dos investimentos em inteligência artificial que estão melhorando a produtividade ainda mais.
Pedro Jobim, por sua vez, não poupou críticas às medidas do governo em buscar receita, como o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que é um tributo regulatório e não arrecadatório, em vez de partir para uma agenda de reforma nas despesas, algo que não deve acontecer mesmo se o PT vencer as eleições de 2027. “Esse imposto não é para arrecadar dezenas de bilhões de reais e ele encarece o custo do crédito para a pequena e a média empresa. Isso é ruim para a economia. E o governo não tem mais onde tirar receita e está caminhando para um cenário binário e segue como uma máquina de gastos e uma máquina de extorquir impostos, partindo para a taxação de instrumentos antes isentos. E, a despeito disso, a dívida vai continuar crescendo”, lamentou. “Um ajuste deste governo, em 2027, é difícil de imaginar, e, mesmo com outro governo, a proposta reformista vai ter muito trabalho”, acrescentou.
Jobim ressaltou que as propostas são polêmicas e impopulares, como o congelamento do salário mínimo e uma nova reforma da Previdência, caso contrário, ,o país vai caminhar para um cenário de argentinização, com juros altos e inflação ainda mais elevada. “A atual, de 2019, já foi desperdiçada. “O grau de deterioração do quadro fiscal é muito grande e há necessidade de reforma também”, afirmou. Para ele, o governo e o Congresso vão ter que atacar em várias frentes e não vai dar para ter a esperança de que o cenário vai parar de piorar.
O Expert XP é o maior festival de investimentos do mundo. Em 2024, o evento reuniu mais de 45 mil pessoas, com 117 horas de conteúdo, 300 palestrantes e temas que abrangeram investimentos, economia, política, sustentabilidade e cultura na Expo São Paulo, na Zona Sul da capital paulista. Neste ano, a expectativa dos organizadores é superar o público do ano passado. Com mais de 100 painéis e plenárias simultâneas ao longo dos dois dias do evento, o festival reúne 173 patrocinadores financeiros e não financeiros, 170 fornecedores e um staff de 4 mil pessoas.
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