NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

Manoela de Bitencourt

O teletrabalho consolida-se como modelo sustentável, promovendo qualidade de vida, inclusão e equilíbrio ambiental nas novas relações laborais digitais.

O futuro do trabalho se mostra cada vez mais flexível e digital (e/ou híbrido). Na verdade, o modelo híbrido se mostra consolidado. Ele começou a ganhar força durante a crise da covid-19 e no pós pandemia. O sistema em que se trabalha alguns dias presencialmente e outros em home office é adotado por 81% das empresas que disponibilizam o formato para mais de 50% das equipes.

A flexibilidade como uma ferramenta para apoiar e promover a qualidade de vida, o equilíbrio e a saúde dos trabalhadores.

O futuro do trabalho será híbrido. Voltar à cultura totalmente presencial vai na contramão da evolução da história do trabalho. (Revista Época, São Paulo, n. 204, p. 52, out. 2024.)

Nos dias atuais, é muito expressivo o número de trabalhadores contratados para prestar serviços à distância. O contexto das relações laborais sofreu profundas transformações nos últimos tempos. O uso das tecnologias da informação e da comunicação, notoriamente a Internet, possibilita a realização do trabalho à distância, de forma subordinada ou não. O teletrabalho se consolida num cenário chamado de sociedade da informação (marcada pelo uso das tecnologias) e significa uma nova forma de realizar o labor, prestado à distância, fora das dependências físicas do estabelecimento do empregador, mas mediando-se o distanciamento com a tecnologia.

Maria Margareth Garcia Vieira explica com propriedade que a globalização cultural, sendo uma consequência do processo globalizador e fazendo parte deste, se reproduz na velocidade acelerada das telecomunicações dos dias atuais, bem como nos avanços tecnológicos e no processo de ocidentalização do mundo1.

A pesquisadora da área de relações internacionais e ciência política, Anushya Devendra, afirma que “a tecnologia mudará radicalmente o futuro do emprego, sendo tempo de um novo diálogo sobre os direitos dos trabalhadores”2.

Os dias de hoje em que as tecnologias disruptivas assolam o cenário mundial, alterando a economia, as formas de produção do capital e, até mesmo, as relações de trabalho, faz com que um novo debate passa a ser posto, na medida em que essas mudanças requerem novos paradigmas de enfrentamento. Entende-se que o direito ao trabalho é um diálogo que deve ser posto em pauta na atualidade, na medida em que o futuro do direito do trabalho reclama por esse debate, face ao impacto das novas tecnologias nas relações de trabalho.

Surge um mundo de contratos inteligentes, empresas autônomas distribuídas, onde softwares inteligentes assumem o comando, o que possibilita um novo modelo de negócio ou uma revolução dos negócios antigos3.

O art. 6º da CLT, equipara o trabalho à distância ao trabalho presencial e permite ao empresário dirigir, supervisionar e controlar seus empregados mediante o uso de meios telemáticos. A lei 13.467, de março de 2017, que dispõe sobre a reforma trabalhista, prevê nos arts. 75-A ao 75-E, algumas regras acerca do funcionamento do teletrabalho.

Na Organização Internacional do Trabalho, o teletrabalho é normatizado pela convenção 1774 de 1996, sobre trabalho em domicílio e pela recomendação 184 não ratificadas pelo Brasil.

É nesse contexto que reside a importância de estudar essa temática, dada essa inovação proporcionada pela tecnologia, os impactos que geram no sistema jurídico e a aproximação para a sustentabilidade que essa nova modalidade de prestação de serviços (teletrabalho) pode trazer, na medida em que pode contribuir para o desenvolvimento sustentável da vida humana e, dessa maneira, efetivar o direito fundamental ao meio ambiente saudável.

O art. 225 da Constituição Federal5 prevê a responsabilidade da sociedade pela concretização da sustentabilidade, ao dispor que é dever de toda a coletividade defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

Com efeito, sustentabilidade é princípio constitucional que determina promover o desenvolvimento social, econômico, ambiental, ético e jurídico-político, com o objetivo de assegurar o bem-estar das gerações presentes e futuras.

Nesse sentido, existem iniciativas e políticas que promovem o desenvolvimento sustentável através da implementação do trabalho decente6 e dos conceitos da Economia Verde, o que tem sido desenvolvido pela Organização Internacional do Trabalho7 8.

O conteúdo normativo e conceitual do princípio da dignidade da pessoa humana está intimamente relacionado à qualidade do ambiente, onde o ser humano mora, trabalha, estuda, pratica, lazer, etc. A qualidade de vida, prevista no caput do art. 225 da Constituição Federal só é possível, dentro dos padrões mínimos exigidos constitucionalmente para o pleno desenvolvimento da personalidade humana. O ambiente é vital e elementar à condição humana, além de ser essencial à sobrevivência do ser humano9.

Em um contexto socioambiental, busca-se a preservação do meio ambiente, de modo a efetivar os direitos fundamentais. O objetivo da presente pesquisa é discorrer sobre o teletrabalho, como nova modalidade de prestação de serviços, em uma sociedade informacional, analisando as contribuições para o desenvolvimento e para a sustentabilidade.

As Constituições devem garantir à comunidade uma vida saudável com qualidade ambiental, sendo indispensável ao pleno desenvolvimento da pessoa e do ser humano no seu conjunto10.

Ignacy Sachs ressalta que o desenvolvimento tem uma definição multidimensional, sempre com objetivos sociais e éticos. Ademais, possui um viés ambiental explícito no sentido de que existe uma fraternidade e solidariedade ao observar as gerações futuras. O autor propõe que o desenvolvimento não deve ser visto de forma separada do crescimento econômico, tampouco que este garante aquele11.

As empresas que implementarem o teletrabalho contribuem para a sustentabilidade desde que observados os pilares multidimensionais da sustentabilidade.

Na linha da dimensão social, vincula-se a dimensão ambiental, que consiste em garantir o direito das gerações atuais, sem prejuízo das futuras, ao ambiente limpo (meio ecologicamente equilibrado, como preceitua o art. 225 da Constituição Federal)12.

Na dimensão ambiental da sustentabilidade, o teletrabalho proporciona a redução do nível de poluição das grandes cidades; a redução da emissão de CO2; a redução das possibilidades de contaminação por doenças infectocontagiosas, dentre outros13.

Além disso, o teletrabalho possui vantagens e desvantagens e é uma alternativa para os diversos problemas atuais, tais como a distancia entre o interior e as grandes cidades, bem como para os congestionamentos que afetam o trânsito nas capitais14. Por outro lado, o teletrabalho proporciona jornadas mais flexíveis, maior produtividade e melhor qualidade do trabalho15.

É nesse contexto que o teletrabalho contribui para um desenvolvimento sustentável da pessoa humana, garantindo a todo indivíduo uma vida saudável com e com qualidade ambiental. O princípio do desenvolvimento sustentável está previsto no inciso VI do art. 170, da Constituição Federal16.

Com relação à dimensão ambiental da sustentabilidade, o teletrabalho contribui para a redução da poluição da atmosfera. Em uma dimensão social, pode-se falar na flexibilização da jornada de trabalho (o que pode ser muito vantajoso para o trabalhador) e, na sua dimensão econômica, o teletrabalho pode reduzir custos com transportes, dentre outros17.

Ademais, pode-se falar em uma dimensão social da sustentabilidade no teletrabalho com relação ao aumento e a inserção de pessoas portadoras de deficiência física no mercado de trabalho. Por meio do uso das tecnologias da informação e da comunicação, os trabalhadores com deficiência se utilizam do teletrabalho para se inserirem no mercado de trabalho, desconhecendo, assim, a limitação de espaço e de locomoção18.

Com efeito, o (novo) Estado Socioambiental e Democrático de Direito tem por objetivo garantir o direito ao meio ambiente saudável e equilibrado a toda a coletividade. Como pretendeu-se demonstrar, o teletrabalho poderá contribuir para a efetivação da sustentabilidade, possibilitando o bem-estar do trabalhador, da empresa e de toda a sociedade.

O direito à vida com qualidade é direito fundamental do Estado Socioambiental e Democrático de Direito. É o atendimento às necessidades humanas básicas e a preservação do meio ambiente, com base nos direitos humanos e fundamentais.

Essa realidade tecnológica não tem volta. As relações sociais estão modificadas com a utilização de novas tecnologias, o que impõe novos desafios empresariais. Essa (nova) modalidade de prestação de serviços, que é o teletrabalho, pode contribuir para a sustentabilidade, de modo a contribuir à efetivação do direito à vida com qualidade, ao meio ambiente saudável e ao bem-estar.

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1 VIEIRA, Maria Margareth Garcia. A globalização e as relações de trabalho. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2005, p. 27.

2 DEVENDRA, Anushya. Technology will radically change the future of employment – it’s time for a new dialogue on workers’ rights. Disponível em: https://www.oxfordmartin.ox.ac.uk/opinion/view/367

3 TAPSCOTT, Don; TAPSCOTT, Alex, 2016, p. 53.

4 Trabalho a domicílio significa trabalho realizado por uma pessoa, na sua residência ou em outro local que não seja o local de trabalho do empregador, remunerado, resultando num produto ou serviço especificado pelo empregador, independentemente de quem provê o equipamento, materiais ou outros insumos, a não ser que esta pessoa tenha o grau de autonomia e independência econômica para ser considerado trabalhador independente segundo as leis nacionais.

5 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

6 O trabalho decente é definido como a promoção de oportunidades para que mulheres e homens possam ter uma atividade decente e produtiva em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humana.

O trabalho decente satisfaz as aspirações das pessoas em suas vidas profissionais – por oportunidades e renda; direitos, participação e reconhecimento; estabilidade familiar e desenvolvimento pessoal; justiça e igualdade de gênero. Em última análise, essas diferentes dimensões do trabalho decente constituem a base para que a paz seja efetivamente estabelecida em comunidades e na sociedade. O trabalho decente é essencial nos esforços voltados à redução da pobreza e é um meio de se alcançar um desenvolvimento sustentável equitativo e inclusivo. (Definição da OIT) In: http://www.ilo.org/global/About_the_ILO/Mainpillars/WhatisDecentWork/index.htm

7 Uma economia sustentável não pode externalizar custos ambientais e sociais. O preço que a sociedade paga pelas consequências da poluição – como o surgimento de doenças – deve refletir-se nos preços praticados no mercado. Portanto, os empregos verdes devem constituir trabalho decente. Os empregos decentes e verdes vinculam o primeiro Objetivo de Desenvolvimento do Milênio (erradicar a extrema pobreza e a fome) ao sétimo (garantir a sustentabilidade do meio ambiente), fazendo com que apoiem um ao outro e não se contradigam. (OIT)

8 Empregos verdes são aqueles que reduzem o impacto ambiental de empresas e de setores econômicos para níveis que, em última análise, sejam sustentáveis. O relatório define “empregos verdes” como trabalhos nas áreas agrícola, industrial, dos serviços e da administração que contribuem para a preservação ou restauração da qualidade ambiental. Empregos verdes podem ser encontrados em uma ampla gama de setores da economia, tais como os de fornecimento de energia, reciclagem, agrícola, construção civil e transportes. Eles ajudam a reduzir o consumo de energia, matérias-primas e água por meio de estratégias altamente eficazes que descarbonizam a economia e reduzem as emissões de gases de efeito estufa, minimizando ou evitando completamente todas as formas de resíduos e poluição, protegendo e restaurando os ecossistemas e a biodiversidade. (OIT).

9 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Estado socioambiental e mínimo existencial (ecológico?): algumas aproximações In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Estado Socioambiental e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 30.

10 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Estado socioambiental e mínimo existencial (ecológico?): algumas aproximações In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Estado Socioambiental e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 12.

11 SACHS, Ignacy. Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2008, p. 71.

12 FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 68.

13 TYBUSCH, Jerônimo Siqueira; NUNES, Denise Silva. O Teletrabalho sob o enfoque da sustentabilidade multidimensional. In: COLNAGO, Lorena de Mello Rezende; CHAVES JUNIOR, José Eduardo de Resende; ESTRADA, Manuel Martín Pino (Coord.) Teletrabalho. São Paulo: LTr, 2017, p. 74.

14 ESTRADA, Manuel Martín Pino. Breve Panorama dos mundos virtuais e do teletrabalho nos tribunais brasileiros. São Paulo: Síntese, 2012, p. 73.

15 TREMBLAY, Diane Gabrielle. Organização e satisfação no contexto do teletrabalho. São Paulo, 2002.

16 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

17 TYBUSCH, Jerônimo Siqueira; NUNES, Denise Silva. O Teletrabalho sob o enfoque da sustentabilidade multidimensional. In: COLNAGO, Lorena de Mello Rezende; CHAVES JUNIOR, José Eduardo de Resende; ESTRADA, Manuel Martín Pino (Coord.) Teletrabalho. São Paulo: LTr, 2017, p. 75.

18 TYBUSCH, Jerônimo Siqueira; NUNES, Denise Silva. O Teletrabalho sob o enfoque da sustentabilidade multidimensional. In: COLNAGO, Lorena de Mello Rezende; CHAVES JUNIOR, José Eduardo de Resende; ESTRADA, Manuel Martín Pino (Coord.) Teletrabalho. São Paulo: LTr, 2017, p. 75.

Manoela de Bitencourt
Doutora e Mestra em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Advogada. Sócia da Bitencourt Advogados. manoela@bitencourt.adv.br

MIGALHAS
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