Carolina Ormonde Martins e Vitor Tubini
Elemento essencial do processo trabalhista, a distribuição da prova assegura equilíbrio entre as partes e efetividade na busca pela verdade e pela justiça.
Resumo
O presente artigo investiga o conceito de prova, o regime do ônus probatório e sua relevância para a efetividade do processo do trabalho. Parte-se de uma breve reconstrução doutrinária até chegar às disposições do art. 818 da CLT, sob o aspecto da reforma da lei 13.467/17. Analisa- se ainda a distribuição dinâmica do ônus probatório, bem como hipóteses de inversão em favor da parte hipossuficiente. Conclui-se que a adequada alocação do ônus da prova constitui elemento estruturante do devido processo legal e instrumento de equilíbrio material entre as partes.
Introdução
A prova é o “coração do processo” (CARNELUTTI, 1958), pois dela depende a formação do convencimento judicial. No processo laboral, marcado pela hipossuficiência do empregado, a correta distribuição do ônus probatório ganha especial relevo. Este artigo objetiva: (i) delimitar o conceito de prova; (ii) examinar a natureza subjetiva e objetiva do ônus da prova; (iii) discutir sua importância prática, inclusive após a reforma trabalhista de 2017; e (iv) refletir sobre as hipóteses de inversão como mecanismo de igualdade substancial.
Conceito de prova:
A etimologia latina probatio remete a “examinar, persuadir, demonstrar”. Para Nery Junior (2022), “as provas são os meios processuais idôneos para demonstrar a verdade ou falsidade de um fato jurídico”. Chiovenda (1936) sintetiza: “provar significa formar a convicção do juiz sobre a existência ou não de fatos relevantes”. Calamandrei (1950) adverte que a prova não é simples “fotografia dos fatos”, mas reconstrução lógica a partir de materiais imperfeitos.
Embora nem o CPC/15 nem a CLT definam “prova”, o art. 369 do CPC admite “todos os meios legais e moralmente legítimos” para demonstrar a verdade dos fatos. Assim, entende-se prova como o conjunto de meios aptos e legítimos empregados pelas partes para influir na convicção do julgador.
O ônus da prova:
A doutrina classifica o ônus da prova em subjetivo e objetivo. O subjetivo é pertinente as partes que têm o ônus de comprovar os fatos que alegam segundo as regras de distribuição. Já o objetivo, é dirigido ao juiz, pois se reporta ao raciocínio lógico do julgador no ato de decidir, analisando e valorando as provas.
Em suma:
Dimensão subjetiva – recai sobre as partes, indicando quem deve produzir a prova de determinado fato.
Dimensão objetiva – funciona como regra de julgamento, permitindo ao juiz decidir quando as provas são insuficientes ou “empatadas”.
A parte que alega fato constitutivo tem, em regra, o dever de prová-lo; a que invoca fato impeditivo, modificativo ou extintivo deve demonstrá-lo (§ 1º do art. 818, CLT). Todavia, uma vez produzidas, as provas pertencem ao processo, devendo o juiz julgar segundo as melhores evidências, pouco importando quem as aportou.
Qual a sua importância?
O ônus da prova é um dos pilares fundamentais do Direito, especialmente no contexto trabalhista, pois assegura que os litigantes apresentem evidências para sustentar suas alegações. Sem ele, a aplicação justa/equitativa da lei seria inviável, afinal, as partes poderiam fazer reivindicações sem a necessidade de provar sua veracidade.
Imagine o seguinte cenário: um trabalhador, Rafael, entra com uma ação contra sua ex- empregadora, Empresa XPTO, alegando ter sido demitido injustamente e não ter recebido seus direitos trabalhistas.
Para que Rafael tenha sucesso em sua demanda, ele precisa apresentar provas substanciais que respaldem suas alegações. Isso significa demonstrar não apenas que trabalhava para XPTO, mas também provar os direitos violados na demissão.
Neste contexto, o ônus da prova trabalhista assume um importante papel. É o que obriga Rafael a reunir evidências que confirmem suas alegações, seja por meio de documentos, testemunhos ou outros meios de prova aceitáveis.
Dessa forma, o ônus da prova não é simplesmente uma obrigação ou dever imposto às partes envolvidas em um litígio trabalhista. É, na verdade, um encargo necessário para garantir que a justiça seja feita de maneira adequada.
Ao exigir que as partes sustentem suas alegações com evidências concretas, o ônus da prova contribui para a imparcialidade e eficácia do sistema judicial trabalhista.
De quem é o ônus da prova trabalhista?
No contexto do direito trabalhista, a atribuição do ônus da prova segue princípios bem estabelecidos, determinando quem tem a responsabilidade de apresentar evidências para sustentar suas alegações durante um processo judicial.
De acordo com a legislação trabalhista brasileira, o ônus da prova é distribuído entre as partes de forma específica.
O reclamante, ou seja, o trabalhador que move a ação judicial, tem o ônus de provar os fatos que constituem seu direito, ou seja, aquilo que está reivindicando como seus direitos trabalhistas.
Já a parte reclamada, tem o ônus de provar a existência de fatos que impeçam, modifiquem ou extingam os direitos reclamados pelo trabalhador.
Isso significa que cabe ao trabalhador apresentar provas que confirmem suas alegações, como documentos, testemunhos ou outros meios válidos, enquanto ao empregador compete apresentar argumentos e evidências que contestem as reivindicações do trabalhador.
Inversão do ônus da prova:
Na justiça do trabalho, a inversão do ônus da prova ocorre em situações específicas em que há dificuldade para uma das partes produzir as provas necessárias para sustentar suas alegações. Os momentos para inversão do ônus da prova no processo são:
A inversão do ônus da prova é uma regra de julgamento;
A inversão do ônus da prova deve ser realizada, preferencialmente, antes da audiência de instrução e julgamento, mas também poderá ser realizada, excepcionalmente, no momento da sentença.
Esse processo de inversão é essencial para garantir a igualdade entre as partes no processo trabalhista, especialmente quando uma delas está em posição de desvantagem.
Essa medida visa garantir que a parte mais vulnerável, geralmente o empregado, não seja prejudicada pela falta de acesso às informações ou documentação necessária para sustentar suas alegações.
Quando as partes entendem seus direitos e responsabilidades nesse contexto, elas podem se preparar da melhor forma para apresentar suas provas e argumentos perante o tribunal, buscando alcançar um resultado justo e equitativo.
O que mudou no ônus da prova trabalhista com a reforma trabalhista?
Com a aprovação da reforma trabalhista pela lei 13.467/17, o ônus da prova no processo trabalhista passou por importantes modificações.
Antes da reforma, o critério estabelecido pela CLT determinava que cabia à parte que alegasse a existência de um fato o ônus de prová-lo, visando auxiliar o juiz na formação de sua convicção. Contudo, após as mudanças trazidas pela reforma, o art. 818 da CLT foi alterado.
De acordo com o novo texto do art. 818 da CLT, o ônus da prova passou a ser distribuído da seguinte forma:
Ao reclamante: Cabe ao trabalhador, ou seja, ao reclamante, o ônus da prova quanto aos fatos que constituem seu direito. Isso significa que é responsabilidade do empregado apresentar as provas necessárias para fundamentar suas alegações, como horas extras não pagas, falta de registro em carteira, entre outros.
Ao reclamado: Por sua vez, ao empregador, ou seja, ao reclamado, incumbe o ônus da prova quanto à existência de fatos que possam impedir, modificar ou extinguir o direito do reclamante. Isso engloba, por exemplo, a comprovação de pagamento de verbas rescisórias, de regularidade no registro de ponto, entre outros.
É importante ressaltar que, conforme previsto no parágrafo 1º do art. 818 CLT, em casos específicos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa que dificultem excessivamente o cumprimento do ônus da prova de acordo com as disposições normais, o juiz pode atribuir o ônus da prova de forma diferente, desde que justificado em decisão fundamentada.
Isso significa que o magistrado pode determinar que uma das partes prove determinado fato, levando em consideração as circunstâncias do caso.
Essa alteração legislativa busca trazer mais equilíbrio e clareza ao processo trabalhista, definindo de forma mais precisa quem deve produzir as provas sobre determinados fatos alegados no decorrer do processo.
Dessa forma, tanto o trabalhador quanto o empregador têm conhecimento claro de suas responsabilidades no que diz respeito à produção de provas, contribuindo para uma maior segurança jurídica e efetividade na prestação da justiça trabalhista.
Ou seja, a antiga redação do art. 818 não era clara quanto à distribuição do ônus. A reforma alinhou-o ao art. 373 do CPC, estabelecendo que:
Reclamante: Prova dos fatos constitutivos do direito.
Reclamado: Prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos.
Ao mesmo tempo, manteve-se margem para redistribuição judicial, reforçando a busca por equilíbrio material.
Conclusão
O ônus da prova representa muito mais do que uma simples regra de técnica processual: ele é um elemento estruturante do devido processo legal e um instrumento de equilíbrio entre as partes em juízo. Ao definir quem deve provar o quê, o legislador busca não apenas ordenar o procedimento, mas também garantir justiça e racionalidade à decisão judicial.
No entanto, a aplicação rígida dessa regra pode se tornar injusta em contextos de desigualdade material entre os litigantes. Por isso, a evolução doutrinária e jurisprudencial com destaque para a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova reflete um movimento de humanização do processo, adequando-o à realidade concreta das relações jurídicas.
Em última análise, o ônus da prova não deve ser compreendido como um fardo, mas como um instrumento de efetividade e legitimidade da jurisdição. Cabe ao magistrado, com prudência e sensibilidade, equilibrar técnica e equidade, assegurando que a verdade processual se aproxime, tanto quanto possível, da verdade real. Assim, o processo cumpre sua função maior: servir à justiça.
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https://solides.com.br/blog/onus-da-prova-trabalhista/
https://www.jusbrasil.com.br/artigos/onus-da-prova-no-processo-do-trabalho/540909709
https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/182231/2020_laraia_maria_distribuicao_onus.pdf?sequence=1
https://eaesp.fgv.br/sites/eaesp.fgv.br/files/pesquisa-eaesp-files/arquivos/boucinhas_-_a_inversao_do_onus_da_prova_no_processo_do_trabalho_-_jus_navigandi.pdf
Carolina Ormonde Martins
Advogada, graduada em direito, com ênfase em direito tributário, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2022), inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo (OAB/SP) (2022). Pós-graduanda em Direito do Trabalho pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI). Advogada do Departamento Trabalhista no TM Associados.
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Vitor Tubini
Estagiário. Bacharelando em Direito pela Faculdade de Direito Padre Anchieta. Estagiário do Departamento Trabalhista no TM Associados.
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