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DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

Por Iago Filgueiras*

É possível que você já tenha se encontrado com pessoas cujo sonho fosse “virar CLT”. A verdade é que esse já foi um desejo de grande parte da população. Mas, nos últimos anos, muita gente tem deixado essa ideia de lado e mergulhado em outros modelos de trabalho.

Muitos profissionais se veem à margem da CLT a contragosto. Alguns acabam empurrados para a precarização porque “é o que tem”. Outros, optam por outros modelos de trabalho como forma de tentar otimizar a geração de renda. Além disso, muita gente tem enxergado a contratação CLT com um viés negativo, sobretudo nas gerações mais jovens.

Para quem viveu o fantasma da hiperinflação ou o desemprego massivo, a rejeição à CLT pode parecer uma loucura. No entanto, há quem veja as estruturas rígidas, a “falta de liberdade” e o baixo salário dos empregos formais como um problema. Mas será que essa rejeição não pode ser um sinal de um problema maior? É isso o que vamos debater neste artigo.

A rejeição à CLT em números

Em 2025, um levantamento do Datafolha apontou que 59% dos brasileiros preferiam trabalhar por conta própria. Já o número de pessoas que enxergavam uma maior vantagem em manter um vínculo empregatício com carteira assinada era de 39%.

Esses valores refletem o cenário complexo em que se encontra o mercado de trabalho e as relações trabalhistas no Brasil, sobretudo após mudanças como a reforma da Previdência Social e a reforma trabalhista.

Dados do Novo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregado) mostram que em janeiro de 2025, o salário médio de admissão era de R$ 2.251,31, cerca de 1,5 salário mínimo. Entre o grupo social que mais ocupou essas vagas, estavam os jovens com idades entre 18 e 24 anos.

Ou seja, para muita gente, as contratações regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) passam a representar uma baixa remuneração, pouco tempo livre para outras atividades e uma jornada de trabalho rígida. Afinal, nesse tipo de contratação é comum escalas de trabalho como a 5×2, com cinco dias trabalhados para dois de descanso, e 6×1, com apenas uma folga semanal.

Somado ao tempo de expediente, vem o de deslocamento. Em São Paulo, o tempo médio de deslocamento na cidade via transporte público é de 2h47min, segundo a Nossa São Paulo. Além disso, as atividades não remuneradas, como afazeres domésticos e cuidar da família, também ocupam espaço na rotina dos brasileiros.

Ou seja, a jornada de trabalho, que no Brasil tem uma média de 39,8h semanais, acaba sendo muito maior do que o valor pago para isso.

As mudanças nas perspectivas sobre o trabalho

Antigamente, cumprir longas jornadas e trabalhar por décadas na mesma firma podia ser visto como um sinal de orgulho e comprometimento. Hoje em dia, a valorização do próprio tempo e o apreço a vida pessoal tem ganhado cada vez mais força.

Apenas 16% da população considera a qualidade de vida dos empregados como boa ou ótima. Além disso, a remuneração, deslocamento, condições e duração da jornada estão entre as maiores fontes de insatisfação. Os dados são de uma pesquisa do Instituto DataSenado.

O levantamento ainda mostrou que cerca de 54% da população enxerga com bons olhos medidas como a redução na jornada de trabalho e acredita que isso pode impactar positivamente na qualidade de vida, sobretudo na saúde mental e física.

Como as novas gerações enxergam o mercado de trabalho?

Outro fator relevante para as mudanças na perspectiva sobre o mercado de trabalho é a chegada das novas gerações. É claro que grupos de diferentes idades sempre precisaram conviver, mas ultimamente, o embate entre as visões de mundo desses grupos tem se tornado cada vez mais frequente.

Uma pesquisa da GPTW indicou que, para 59% das pessoas, o principal desafio de lidar com a geração Z, aqueles nascidos entre 1997 e 2012, é a falta de comprometimento. Por outro lado, dados apontam que cerca de 77% dos trabalhadores da geração Z cogitam deixar o mercado de trabalho devido a condições psicológicas. Esse modelo de sociedade que privilegia o esforço pessoal e a produtividade a qualquer custo, tem encontrado resistência entre os jovens.

Além disso, coisas como o padrão de vestimenta, a baixa remuneração e o desempenho de tarefas que não parecem fazer muito sentido, podem incentivar uma rejeição à CLT ainda maior nessa geração.

Há quem diga que estamos diante de uma juventude mais sensível. Mas a realidade parece mostrar outra coisa. Afinal, vivemos em um mundo intermediado por telas, onde todas as coisas acontecem rápido demais e a pressão pela produtividade é cada vez maior.

Parece que a rejeição à CLT pode ser, acima de tudo, uma rejeição a um modelo de trabalho que não deixa margem para outras possibilidades na vida, a não ser o trabalho.

O trabalho é motivo de insatisfação

O jeito como trabalhamos anda gerando insatisfação — e isso virou terreno fértil para disputas de interesse.

Em 2025, o Brasil tinha cerca de 32,5 milhões de trabalhadores autônomos atuando no mercado informal, ou seja, sem CNPJ. O número representa cerca de 32% do total de empregados no país — 102,5 milhões.

Tem quem busque uma alternativa à CLT e escolha outros caminhos por vontade própria: aplicativos, bicos, informalidade. E sim, às vezes vale a pena trocar estabilidade por renda maior no curto prazo. Afinal, as contas não esperam.

Além disso, existem outros fatores. A antropóloga Rosana Pinheiro-Machado, em entrevista ao G1, destaca que no Brasil, a influência da escravidão faz com que o trabalho seja historicamente visto como uma atividade degradante.

“As pessoas precisam se deslocar muito, trabalhar demais, ganhar muito pouco e ainda serem maltratadas, porque essa é a cultura do emprego no Brasil para baixa renda. Então, as pessoas preferem se virar e sentir que são livres do que ter um patrão que as humilha”, afirma Rosana Pinheiro-Machado.

Mas enquanto uns apostam nos contratos PJ, no trabalho temporário ou no empreendedorismo como solução, muitos caem nesses caminhos por pura necessidade. A contradição é evidente: 59% dos brasileiros dizem preferir trabalhar por conta própria. Por outro lado, quase 68% dos autônomos gostariam de ter um emprego com carteira assinada.

Vale lembrar que a lógica de rejeição à CLT costuma vender liberdade e ganhos elevados. Mas na prática, quem troca a carteira assinada por um app, por exemplo, pode até aumentar o salário, mas perde férias, 13º e outros direitos básicos. Precarizar virou alternativa?

A rejeição entre os jovens: empreendedorismo, vida de influencer e trabalho dos sonhos

Entre os jovens, a rejeição à CLT parece maior. Nas redes sociais, não é raro encontrar vídeos de influenciadores que revelam o medo de “virar CLT”. Em alguns casos, adolescentes usam a sigla até mesmo como xingamento.

Mas esse fato parece partir de uma insatisfação real com as perspectivas que esse modelo de contratação coloca à mesa. Imagine crescer vendo os adultos sempre esgotados do trabalho e reclamando da falta de dinheiro. Agora, some a isso os baixos salários ofertados e a jornada de trabalho na grande maioria das vagas de carteira assinada. A rejeição à CLT parece até ser uma ideia válida.

Para mostrar uma saída para essa situação, está o discurso de empreendedorismo típico da internet e bombardeado em diversas plataformas digitais. Afinal, 83% dos jovens brasileiros têm perfil em redes sociais.

São inúmeros os influenciadores que vendem cursos te ensinando a “largar a CLT” e virar um “empreendedor de si mesmo”, seja vendendo cursos online, criando conteúdo para a internet, abrindo uma loja online, virando um “daytrader” e até mesmo apostando no tigrinho.

Um reflexo disso é a glamourização do empreendedorismo digital. Mas entre a promessa da liberdade e a realidade do algoritmo, há um abismo. Em 2022, uma pesquisa da agência Inflr com 3 mil jovens, mostrou que 75% deles sonhavam em ser influenciadores digitais. Mas segundo o relatório “The Creators Revolution”, em todo o mundo, menos de 4% dos influencers consegue gerar renda suficiente para se bancar.

A rejeição à CLT vs A busca pela CLT Premium

Embora venha enfrentando rejeição, sobretudo nas camadas mais jovens, a CLT ainda é um desejo. Principalmente para aqueles empurrados para situações de precariedade. Ou seja, isso mostra que a carteira assinada ainda é vista como uma forma de garantir direitos mínimos ao trabalhador.

Por outro lado, para quem chega agora ao mercado de trabalho, ou encontra nas vagas de carteira assinada muitos deveres para pouco salário, a rejeição também parte de um problema real.

O curioso é que, embora uma parcela da juventude realmente rejeite a CLT, a possibilidade de se tornar um “CLT Premium”, como dizem os conteúdos virais das redes sociais, também é muito cobiçada.

Vale-refeição e alimentação com valores altos (ou justos), participação nos lucros, trabalho à distância ou híbrido, plano de saúde e academia de graça. Tudo isso vai além das obrigações estabelecidas pela CLT. Assim, ter um pouco a mais de dignidade no trabalho vira um artigo premium.

E se o problema for maior que a CLT?

Criada em 1943, durante o governo de Getúlio Vargas, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) representou um marco na luta por direitos trabalhistas no Brasil.

Com o tempo, trabalhadores conquistaram garantias básicas que deveriam assegurar dignidade no exercício profissional: férias remuneradas, 13º salário, FGTS, jornada regulamentada, salário mínimo, licença maternidade e paternidade, auxílio-doença, seguro-desemprego, adicionais por risco e proteção contra demissão sem justa causa.

À primeira vista, parece contraditório que tanta gente aceite trocar isso tudo para atuar como autônomo ou informal. Mas, diante de salários baixos, jornadas exaustivas e poucas perspectivas, a precarização pode parecer mais atrativa.

O problema, então, não é a CLT. É a forma como o país insiste em desvalorizar o tempo, a vida e o esforço de quem trabalha. O nome disso, a gente sabe: capitalismo.

Direitos trabalhistas não são o problema

A rejeição à CLT não deve ser vista apenas como aversão à carteira assinada, mas como sintoma de algo mais profundo: um modelo econômico que, em vez de garantir dignidade, empurra trabalhadores para escolhas difíceis entre instabilidade e precarização.

O Brasil precisa superar o falso dilema entre liberdade e proteção social. Não são os direitos trabalhistas conquistados com muita luta que fazem com que o seu salário seja baixo.

Em vez de normalizar a informalidade ou glamourizar o empreendedorismo compulsório, é preciso construir alternativas sustentáveis. Isso passa por políticas públicas que enfrentem as desigualdades históricas do país, mas também por um projeto de desenvolvimento econômico capaz de complexificar o mercado de trabalho e garantir formação de qualidade.

Isso exige investimento em ciência, tecnologia, reindustrialização e infraestrutura que leve em conta as necessidades do povo brasileiro. O futuro do trabalho não pode ser apenas mais um aplicativo instalado no celular.

Em outras palavras: garantir liberdade real aos trabalhadores exige que o país produza empregos que não apequenem o tempo de vida das pessoas. E, para isso, é preciso enfrentar interesses consolidados e construir um Brasil com mais justiça e sentido.

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*Estagiário sob supervisão de Leila Cangussu

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