NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

Laís de Figueirêdo Lopes, Camila Gbur Haluch e Aline de Freitas Tesljuk Jimenez

A pandemia acelerou uma tendência mundial de relações de trabalho não presenciais. Temos assistido a tendência do empregado cada vez mais considerar ponto relevante – ou até mesmo decisivo para manter sua posição nos quadros do empregador.

A pandemia causada pelo vírus da Covid-19 mudou o mundo em diversos aspectos, inclusive as relações de trabalho. A necessidade de distanciamento social em razão dos altos números de contaminação e mortes causadas pelo vírus trouxeram à luz a modalidade de trabalho denominada “teletrabalho”, mas conhecido pelos brasileiros pela expressão em inglês “home office”.

O teletrabalho, na verdade, não era uma novidade completa. Foi incluído no art. 62, inciso III, da Consolidação das Lei do Trabalho (“CLT”), desde a edição da lei 13.467/17 – a reforma trabalhista – como uma das exceções à regra geral de duração normal do trabalho, de 8 horas diárias e 44 horas semanais. Pelo dispositivo, o teletrabalhador, assim como o trabalhador externo e o empregado em cargo de confiança, não estariam sujeitos à controle de jornada em razão das condições especiais de trabalho.

A mesma CLT, no art. 75-B, então conceituou o teletrabalho como a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.

Contudo, até o reconhecimento da Covid-19 como surto de emergência em saúde pública de importância internacional, declarada pela Organização Mundial de Saúde, não houve adesão efetiva dos empregadores brasileiros à essa modalidade de trabalho, visto que a cultura do trabalho presencial sempre foi preponderante no Brasil.

A pandemia, portanto, apresentou à grande parte dos trabalhadores brasileiros o trabalho remoto, inclusive com permissão legal das Medidas Provisórias 927/20 e 1.046/21, que trouxeram o teletrabalho como medida trabalhista para enfrentamento do estado de calamidade pública.

Dois anos após o reconhecimento da emergência em saúde, com 74,44% da população vacinada com duas doses ou a dose única da vacina contra a Covid-191 e a flexibilização das medidas de proteção como distanciamento social e uso de máscaras, o retorno ao trabalho presencial passou a ser discutido pelos empregadores que aderiram ao teletrabalho. O que está na pauta do dia hoje é o trabalho híbrido, no qual o empregado revezará dias de trabalho remoto com dias de trabalho presencial no estabelecimento do empregador.

Esse novo formato de trabalho, contudo, não está previsto na CLT e vem gerando muitas dúvidas, especialmente no que diz respeito à jornada de trabalho dos empregados nos dias em o trabalho remoto será realizado. No último dia 02 de setembro de 2022, foi publicada a lei 14.442, com o objetivo de alterar a CLT em relação ao pagamento de auxílio-alimentação e ao teletrabalho, sendo este último tema de interesse deste artigo.

Esperava-se que o texto da lei sanasse as dúvidas existentes, mas isso não aconteceu. Ao contrário do que se esperava, a Lei não cria a modalidade de trabalho híbrido. Conceitua de forma mais clara o próprio teletrabalho. De acordo com a lei, o inciso III do art. 62 da CLT passa a descrever o teletrabalho como a prestação de serviços por jornada ou por produção ou tarefa.

Por esta disposição, o teletrabalhador, portanto, é o profissional que trabalha preponderantemente, ou não, fora do estabelecimento do empregador, utilizando tecnologia da informação e comunicação, e que será cobrado por produção ou pela realização de tarefas contratualmente pré-determinadas. O teletrabalhador não deve ter jornada de trabalho pré-fixada, sendo que o § 9º do art. 75-B da CLT determina que empregado e empregador devem acordar sobre os horários e os meios de comunicação entre as partes, desde que assegurados os repousos legais.

Ou seja, o teletrabalhador não está à disposição do empregador, sendo sua obrigação produzir o trabalho ou tarefa contratada nos prazos estabelecidos entre as partes. Relevante ressaltar que o teletrabalho não tem como condição que o trabalho seja realizado na residência do empregado. Uma das vantagens do trabalho remoto é justamente que o empregado possa trabalhar de qualquer localidade, desde tenha acesso à tecnologia da informação e comunicação.

Na hipótese de o empregado optar pela realização do teletrabalho ou trabalho remoto fora do local da contratação, a lei também prevê que o empregador não será responsável pelas despesas resultantes do retorno ao trabalho presencial, salvo disposição contratual em contrário. Aqui, insta destacar que a regra é válida tanto para o empregado que mudar de cidade, Estado ou até mesmo de país.

Nesta última hipótese, em que pese a insegurança jurídica que ainda paira sobre o tema, a tendência é de que em casos de diferença de fuso horário, o adicional noturno não seja devido, já que a mudança de endereço ocorreu por vontade do empregado, e não do empregador.

Aos empregadores que aderirem, deverão conferir prioridade aos empregados com deficiência e aos empregados e empregadas com filhos ou criança sob guarda judicial até quatro anos e 11 meses na alocação em vagas para atividades que possam ser efetuadas por meio do teletrabalho ou trabalho remoto.

Outro ponto que merece destaque, fica por conta da previsão expressa de uma questão que já vinha sendo enfrentada com a pandemia, que são as relações de trabalho com aprendizes e estagiários. Fica permitida, portanto, a adoção do regime de teletrabalho ou trabalho remoto para estagiários e aprendizes.

Dito isso, como fica o trabalho híbrido, no qual haverá revezamento de dias de trabalho presencial e remoto? A lei 14.442/22 permite a realização do teletrabalho “por jornada”, de acordo com o § 2º do art. 75-B da CLT, sem, contudo, conceituar essa modalidade de trabalho de forma precisa.

Contudo, analisando de forma sistemática a previsão de teletrabalho “por jornada” com o § 3º do mesmo art. 75-B da CLT, que especifica que apenas o regime de teletrabalho ou trabalho remoto por produção ou tarefa está inserido na exceção à regra geral de duração normal do trabalho, de 8 horas diárias e 44 horas semanais, é possível concluir o trabalho híbrido ou “por jornada” permanece regido pela regra geral de duração do trabalho, conforme previsto no art. 58 da CLT:

Art. 58. A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite.

O trabalho híbrido, portanto, nada mais é que um contrato de trabalho presencial, no qual o empregador acorda ou permite que os empregados exerçam suas atividades de forma remota em determinados dias da semana ou do mês. Assim como no trabalho presencial, o trabalho remoto deverá respeitar a jornada contratual de trabalho, inclusive os intervalos para descanso e refeição. É de responsabilidade do empregador fazer o controle de jornada, sendo que em estabelecimentos com mais de 20 empregados esse controle deve ser feito através de cartão ponto. No caso do modelo híbrido, deverá haver previsão também desse controle de forma remota.

A possibilidade de um empregado contratado trabalhar presencialmente usufruir de dias de trabalho remoto depende da liberalidade do empregador ou deverá estar previsto em contrato de trabalho. Recomenda-se que se faça uma política de home office e se estabeleça os termos e condições para a organização como um todo. Também é recomendável que esse documento esclareça o alcance da política (quais empregados são elegíveis ao trabalho híbrido), a periodicidade do trabalho remoto, orientações sobre equipamentos e infraestrutura para o trabalho remoto, dentre outros critérios importantes para cada organização.

Ainda que em fase embrionária, aventa-se a possibilidade de controle de jornada por exceção nos dias em que o empregado se ativar remotamente. Trata-se do registro das eventuais horas extras apenas nos dias que em estas forem efetivamente praticadas.

A CLT, no art. 75-C, exige que o teletrabalho conste expressamente em contrato de trabalho. Essa obrigação, contudo, não se estende, obrigatoriamente, ao trabalho híbrido, já que nesse caso a modalidade de trabalho será presencial, ou seja, o empregado terá jornada fixa de trabalho no estabelecimento do empregador. Contudo, é recomendável que as regras para os dias de trabalho remoto sejam estabelecidas através de um regulamento ou política interna, ou através de um acordo com os empregados beneficiados.

Em qualquer caso, seja no teletrabalho ou no trabalho híbrido, o empregador tem a obrigação de instruir os empregados inclusive no que tange a orientações ergonômicas, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho, sendo que o empregado deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador.

Ainda, também se aplica ao trabalho híbrido a previsão contida no art. 75-D da CLT que prevê que as disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, deverão ser objeto de acordo entre as partes.

De acordo com o art. 2º da CLT o empregador assume os riscos da atividade econômica, que não podem ser transferidos ao empregado em razão do trabalho remoto.

Portanto, a lei 14.442/22, ao estabelecer que o teletrabalho pode ser a prestação de serviços por jornada ou produção ou tarefa sem controle de jornada, reforçou o entendimento de que o trabalho híbrido é uma modalidade de trabalho semelhante à presencial, na qual o empregador permite que o empregado trabalhe de forma remota em dias pré-acordados, mantendo-se integralmente o controle de jornada estabelecida em contrato de trabalho.

A lei 14.442/22 aquece o mundo jurídico. A legislação estática precisa acompanhar as mudanças da sociedade, que é dinâmica. A pandemia acelerou uma tendência mundial de relações de trabalho não presenciais. Temos assistido a tendência do empregado, especialmente da geração mais jovem, cada vez mais considerar ponto relevante – ou até mesmo decisivo para manter sua posição nos quadros do empregador – essa dinâmica de trabalho que envolva a possibilidade de no mínimo um dia de home office, haja vista sua busca incessante pela qualidade de vida que estas mudanças proporcionam. Os empregadores deverão olhar para isso, estabelecendo mecanismos de gestão que apoiem uma implementação positiva do trabalho híbrido ou do trabalho remoto, quando for o caso, dentro de cada realidade.

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https://especiais.g1.globo.com/bemestar/vacina/2021/mapa-brasil-vacina-covid/

Laís de Figueirêdo Lopes

Advogada, Doutoranda em Direito Público pela Universidade de Coimbra, Mestre em Direitos Humanos pela PUC/SP e Sócia de Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados. Integra o Conselho Consultivo da Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado de São Paulo e a Coordenação da Frente Jurídica da Coalizão Brasileira pela Educação Inclusiva. Foi Conselheira do Conade – Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência representando o Conselho Federal da OAB, de 2006 a 2011, e Ex-Assessora Especial do Ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, de 2011 a 2016. Participou do comitê ad hoc de elaboração da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU de 2005 a 2006, e do processo de ratificação no Brasil de 2007 a 2009.

Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados

Camila Gbur Haluch

Advogada no escritório Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados. Especialista em Direito do Trabalho, com experiência em litígios trabalhistas e civis e assessoramento de empresas e organizações da sociedade civil em temas trabalhistas.

Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados

Aline de Freitas Tesljuk Jimenez

Advogada de Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados (SBSA Advogados).

Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados

Migalhas: https://www.migalhas.com.br/depeso/375724/trabalho-hibrido-trabalho-remoto-e-a-lei-14-442-22