Em 2010, Estado só ficou atrás de São Paulo e Minas em permissões judiciais para que jovens entre 10 e 14 anos trabalhassem
O artigo 7º da Constituição Federal estipula que apenas pessoas a partir de 16 anos podem trabalhar no Brasil. Jovens com idade entre 14 e 16 anos só podem trabalhar na condição de aprendizes. O trabalho noturno, perigoso ou insalubre é proibido em qualquer situação para quem tem menos de 18 anos.
É notório que existe uma rede de ilegalidade que desrespeita essas normas no Brasil inteiro. Ela é combatida por entes governamentais, ONGs e outras representações sociais. O que é pouco difundido é que em muitos casos esse item da Constituição é burlado com a benção do Judiciário.
De acordo com estatísticas da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do Ministério do Trabalho e Emprego, nos últimos anos tem ocorrido um crescimento vertiginoso do número de autorizações judiciais para que crianças entre 10 e 14 anos trabalhem. Em todo o Brasil, foram emitidas pouco menos de 1,3 mil permissões do tipo em 2005. Em 2010, o número foi quase seis vezes maior, superando as 7,4 mil. Em seis anos, a Justiça deu anuência a mais de 33 mil contratos de trabalho celebrados com crianças na faixa etária mencionada.
No Paraná, a variação foi bem mais acentuada. O número de permissões de trabalho para jovens entre 10 e 14 anos de idade passou de 54 em 2005 para 663 em 2010. O Paraná, que era o sétimo Estado em número de autorizações em 2005, tornou-se o terceiro cinco anos depois, atrás apenas de São Paulo (2.597 permissões judiciais no ano passado) e de Minas Gerais (788).
Esses números do MTE dizem respeito apenas a contratos de trabalho regulares e remunerados. Não entram na conta, por exemplo, trabalhos domésticos não assalariados ou como aprendiz. Segundo o MTE, embora a maioria das autorizações emitidas em todo o Brasil nos últimos anos esteja relacionada a trabalhos no comércio ou na prestação de serviços, existem registros de permissão judicial para que crianças atuem na construção civil, em pavimentação de ruas e até na fabricação de fertilizantes.
A discussão sobre o tema partiu de uma matéria da Agência Brasil em outubro, em que foi citada a estatística das 33 mil autorizações para que crianças entre 10 e 14 anos trabalhassem. Alguns dias depois, o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), desembargador Nelson Calandra, defendeu, em entrevista à agência, a flexibilidade na interpretação da Constituição.
”Ninguém deseja o trabalho infantil, mas juízes e promotores trabalham com a realidade social e a realidade brasileira é que muitas famílias dependem do trabalho do menor, seja na execução das atividades familiares diárias, seja por meio da colaboração (financeira) que dá ao exercer uma atividade remunerada”, afirmou. Entretanto, ele qualificou o trabalho de crianças em atividades insalubres como ”situações reprováveis”, que devem ser combatidas por juízes e pelo Ministério Público.
Procurada pela FOLHA, a Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar) informou que não poderia se manifestar sobre as autorizações judiciais no Estado porque as decisões são individuais e qualquer pronunciamento não representaria a coletividade da categoria.