Neuriberg Dias*
Enquanto parte do Congresso Nacional — especialmente parlamentares de oposição ao governo Lula e à organização dos trabalhadores — atua para interditar o debate sobre a modernização do sistema sindical brasileiro, ganha destaque a atuação propositiva do deputado Luiz Gastão (PSD-CE). Em diálogo permanente com entidades laborais e patronais, o parlamentar busca construir uma proposta pactuada na forma de projeto de lei capaz de inaugurar um novo capítulo na história das relações coletivas de trabalho no país.
Em linhas gerais, a proposta em construção prevê a criação do Conselho Superior de Promoção da Negociação Coletiva (CSPNC), das Câmaras de Autorregulação Sindical (CAS) e promove alterações legislativas voltadas à democratização, transparência e fortalecimento institucional do sistema sindical. O CSPNC será um órgão bipartite e paritário, com representantes de trabalhadores e empregadores, e terá como missão principal fomentar o diálogo social, ampliar a negociação coletiva e propor medidas de aprimoramento ao Poder Executivo e ao Congresso Nacional. Entre suas competências estarão a mediação de conflitos coletivos, o estímulo à autocomposição, a organização de um sistema unificado de registro de instrumentos coletivos e a proposição de políticas públicas voltadas ao fortalecimento das relações coletivas.
As Câmaras de Autorregulação Sindical — uma de trabalhadores e outra de empregadores — serão compostas, respectivamente, por centrais sindicais e confederações patronais. Terão atribuições voltadas à promoção da autorregulação, à defesa da liberdade e da unicidade sindical, à resolução de conflitos de representação, à definição de critérios para a contribuição assistencial e à articulação de políticas de transparência. Também poderão propor atualizações no Quadro de Atividades e Categorias da CLT, adequando-o à realidade contemporânea do mundo do trabalho e aos desafios de um sindicalismo mais eficaz e representativo.
A regulamentação da contribuição assistencial é tratada com atenção especial. A proposta determina que qualquer cobrança será válida apenas mediante aprovação expressa em assembleia geral da categoria, com ampla divulgação e participação, inclusive de trabalhadores não sindicalizados. Estabelece regras claras para o exercício do direito de oposição, critérios de rateio entre entidades (sindicatos, federações, confederações e centrais), além da obrigatoriedade de manutenção de portais de transparência com informações detalhadas sobre a destinação dos recursos — elementos que contribuem para consolidar uma nova cultura de legitimidade, responsabilidade e prestação de contas no financiamento sindical.
O texto também propõe que as centrais sindicais e confederações patronais assumam papel estratégico, ao indicarem os representantes que comporão o CSPNC, coordenarem os critérios de representatividade e formularem as regras de autorregulação. Uma mudança importante é a elevação do índice mínimo de representatividade das centrais sindicais para 7% de trabalhadores sindicalizados no plano nacional, conforme critérios definidos pelas próprias entidades em instância técnica — promovendo, assim, coerência com a realidade do sindicalismo brasileiro.
Além disso, a proposta permite a constituição de consórcios entre entidades sindicais para execução de atividades conjuntas — excluindo, porém, a representação e a negociação coletiva —, e introduz dispositivos que reforçam a segurança jurídica da atuação sindical, combatem práticas antissindicais e criam mecanismos institucionais para a resolução de disputas. Tais medidas fortalecem a capacidade das entidades sindicais atuarem de forma coordenada, eficiente e com maior legitimidade institucional.
O projeto encabeçado pelo deputado Luiz Gastão poderá representar um contraponto claro e realista às propostas que atualmente tramitam no Parlamento e que visam restringir o papel das entidades representativas dos trabalhadores — como os PLs 1663/2023, 2099/2023 e 2830/2019 —, retomando uma agenda de desmonte semelhante à promovida pela reforma trabalhista de 2017. Em contraste, essa nova proposta valoriza o fortalecimento da negociação coletiva e da mediação institucional como pilares de um modelo sindical funcional e constitucionalmente adequado.
Nesse processo, merece igualmente destaque a atuação do deputado Luiz Carlos Motta (PL-SP), relator dos Projetos de Lei 5795/2016 e 5552/2019. Algumas dessas proposições convergem com pontos centrais da iniciativa do deputado Gastão, como a criação de conselhos nacionais e de mecanismos de custeio sindical. Sua experiência como sindicalista e seu trabalho como membro da Comissão de Trabalho da Câmara dos Deputados — onde tramitam mais de 37 proposições correlatas também sob seu exame — têm sido fundamentais para mediar a construção de uma nova base legislativa para o sindicalismo, em meio a uma correlação de forças desfavorável à modificação de aspectos estruturais da Lei 13.467/2017¹, conhecida como reforma trabalhista.
Trata-se, portanto, de iniciativas como a deputado Gastão e as relatadas pelo deputado Motta, em construção com responsabilidade, maturidade e compromisso, que devem ser avaliadas pelo movimento sindical. Diante da iminência de votações de projetos regressivos no Congresso Nacional, é essencial que o campo sindical se apresente com uma proposta unificada, robusta e legitimada, capaz de disputar rumos e consolidar a negociação coletiva como instrumento legítimo, moderno e eficaz de regulação das relações de trabalho. É essa construção que poderá impedir a retomada de projetos de desestruturação do sistema sindical brasileiro e garantir sua adaptação ao mundo do trabalho contemporâneo, assegurando direitos e promovendo desenvolvimento social e econômico.
*Jornalista, Analista Político e Diretor de Documentação do DIAP.
¹ Pontos críticos da reforma trabalhista, destacam-se: 1) a flexibilização de direitos trabalhistas previstos em lei, preservando-se apenas aqueles expressamente assegurados pela Constituição Federal; 2) a ampliação das possibilidades de terceirização e de pejotização, com a contratação de trabalhadores como pessoas jurídicas, sem vínculo empregatício; 3) a criação de novas formas de contratação, especialmente a do trabalhador autônomo exclusivo e a do contrato intermitente; 4) as restrições de acesso à Justiça do Trabalho, que comprometeram a proteção judicial dos direitos trabalhistas; 5) a retirada de poderes, atribuições e prerrogativas das entidades sindicais como o fim da homologação das rescisões de contrato de trabalho, fim da ultratividade de acordos coletivos e ampliação de acordos individuais; 6) a universalização da negociação coletiva sem os limites ou proteções da legislação, o que fragiliza direitos historicamente conquistados; e 7) a autorização de negociação direta entre empregadores e empregados para redução ou supressão de direitos, à margem da atuação sindical.
Fonte: https://www.diap.org.br/index.php/noticias/artigos/92265-um-novo-capitulo-para-o-sindicalismo