COFRES PÚBLICOS
Reajuste chegou a até 48% em 2011. Aumento supera o índice inflacionário oficial e isso pode caracterizar irregularidade
As despesas excessivas e suspeitas com diárias de viagem – como mostrou a Gazeta do Povo nas edições de ontem e do domingo – não são o único problema encontrado em diversas câmaras municipais do Paraná. A lista de exemplos de má gestão do dinheiro e de indícios irregularidades é longa, segundo dados do Sistema de Informações Municipais (SIM) do Tribunal de Contas do Paraná (TC) aos quais a reportagem teve acesso. A partir de hoje, a Gazeta do Povo começa a publicar quais são esses outros problemas das câmaras. E o primeiro é a prática de aumentar os salários durante o mandato com índices acima da inflação – o que wé ilegal.
Segundo dados do TC, apenas 124 das 399 câmaras municipais não registraram aumento de salários em 2011. Houve reajuste dos salários de vereadores em 275 legislativos – incluindo a Câmara de Curitiba. O índice de reposição variou de 0,35% a 48,05% (12,5% na capital, quando salário saltou de R$ 9,2 mil em 2010 para R$ 10,4 mil no ano passado). A inflação de 2010 havia sido de 5,92% (segundo o IPCA) ou de 11,32% (pelo IGPM)
Cálculo
Os salários dos vereadores são determinados pelo número de habitantes da cidade e pelos subsídios pagos aos deputados estaduais:
Até 10 mil habitantes
– Vereadores devem receber no máximo 20% do salário do deputado estadual.
De 10.001 a 50 mil habitantes
– O salário deve ser calculado até o máximo de 30% do salário do deputado estadual.
De 50.001 a 100 mil habitantes
– O vereador deve receber até 40% do salário do deputado estadual.
De 100.001 a 300 mil habitantes
– Os subsídios dos vereadores tem o teto máximo de 50% do salário do deputado estadual.
Acima de 500 mil habitantes
– Vereadores pode ter o salário até o limite máximo de 70% do salário do deputado estadual.
Em Mandaguari, parlamentares terão de devolver R$ 11,2 mil
Em Mandaguari, no Norte do Paraná, os vereadores devem devolver, ainda este mês, R$ 11,2 mil aos cofres públicos por terem recebido R$ 136 mensalmente a mais do que o teto salarial entre abril e dezembro de 2010. A devolução foi determinada pelo Tribunal de Contas do Estado (TC).
O presidente da Câmara local, Alécio Bento da Silva Filho, determinou o desconto no salário dos oito parlamentares. Cada um terá de devolver R$ 1,4 mil. “Tudo aconteceu porque aumentamos os salários em 2010 e a Assembleia Legislativa não reajustou o salário dos deputados [o teto dos vencimentos dos vereadores é atrelado ao salários dos deputados – veja box]”, diz ele. “Por isso, nosso salário ficou acima do teto, mas esse problema será resolvido com a devolução da diferença. Alguns vereadores não queriam devolver, mas em reunião conseguimos fazer com que todos aceitassem para o bem próprio e da população”, disse.
Se o presidente da Câmara não devolver a diferença até o próximo mês, poderá ter o cargo inelegível. “Isso não vai acontecer porque vamos devolver a diferença”, diz ele.
Ou seja, houve casos de parlamentares municipais que autorizaram aumentos bem maiores à inflação oficial – o que, em uma primeira análise, caracterizaria uma irregularidade caso a reposição inflacionária já tenha sido concedida em anos anteriores, o que significaria aumento real em uma mesma legislatura. Em Diamante D’Oeste, na região Oeste do estado, a reposição salarial em 2011 chegou ao índice de 48,05% em relação ao salário pago em 2010. Os vereadores, que recebiam R$ 1,2 mil mensais, passaram a receber R$ 2,3 mil.
Em Santo Antônio do Paraíso, no Norte do estado, o aumento foi de 38%. Os salários foram elevados de R$ 1,2 mil para R$ 2 mil. Em Bom Jesus do Sul, no Sudoeste, os salários tiveram reajuste de 28,14%. Os subsídios subiram de R$ 1 mil para R$ 1,5 mil. Em Curiúva, no Norte Pioneiro, o porcentual do aumento foi de 22,7%. Os vereadores, que recebiam R$ 3,8 mil, passaram a ter vencimentos de R$ 5 mil.
Proibição
O diretor de contas municipais do TC, Mario Antonio Cecato, explica que a reposição da inflação durante uma legislatura não é proibida. O que é vedado são os aumentos maiores que a inflação. Cecato explica que a reposição salarial é prevista no artigo 37 da Constituição Federal. “Mas deve ser baseada em índices, geralmente o IPCA e IGPM, e a reposição também deve ser concedida ao funcionalismo público”, diz. Já reajustes ma iores que a inflação só podem ser feitos para a legislatura seguinte (a partir de 2013), sempre obedecendo alguns critérios.
Cecato diz que os reajustes acima da inflação do ano anterior são avaliados caso a caso, durante a prestação de contas anual de contas. “Verificamos cada caso. Pode haver situações em que não houve reposição salarial durante anos e os vereadores decidiram aplicar a recomposição com os índices acumulados”, fala. Os valores de recomposição revelados pelo sistema do TC, porém, são preocupantes, de acordo com diretor.
Posição discordante
O entendimento do TC, de que durante uma legislatura é possível haver reposição da inflação, é diferente para alguns promotores e juízes. Em dezembro, por exemplo, a juíza da Vara Cível de Guaratuba, Giovanna de Sá Rechia, concedeu liminar ao Ministério Público Estadual (MP) suspendendo a vigência da resolução que autorizava o reajuste dos salários dos vereadores da cidade. Aprovado em outubro, o aumento previa a reposição de 11,79%, referente à inflação pelo IPCA acumulada de março de 2010 a março de 2011. O aumento elevou os subsídios dos vereadores para R$ 4,1 mil.
O promotor Rui Riquelme de Macedo, autor da ação judicial, sustentou que o reajuste não é condizente de estabilidade financeira do país e contraria a Constituição Federal, que determina que os salários dos vereadores devem ser fixados pelos legisladores do exercício anterior, por meio de lei municipal. A posição do MP foi acompanhada pela juíza ao acatar o pedido de liminar.