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Falta de mão de obra e mercado aquecido atraem cada vez mais operárias
Elen Cristina Azevedo queria cursar estética. Mas acabou virando pedreira. Hoje, pretende estudar para se tornar engenheira civil e continuar nos canteiros de obra Fabio Rossi
 
RIO — Todo dia, elas fazem tudo igual. Acordam bem antes das 6h da manhã. Deixam para trás, ainda na cama, maridos, filhos e pais, e se preparam para encarar mais um batente, erguendo paredes, preparando fôrmas de madeira, colocando pisos, revestimentos, acabamentos, supervisionando e comandando batalhões de homens. Para essas mulheres, não há piadinhas ou cantadas em frente aos canteiros de obras. Mas muito trabalho pesado lá dentro.
 
Atraídas pela vasta oferta de empregos — só no Estado do Rio, o déficit de operários estaria em torno dos 30 mil —, por salários melhores e pela oportunidade de crescimento, elas estão vestindo macacão e botas e assumindo as mais diversas funções nos canteiros, da limpeza à gerência. E há mulheres pedreiras, carpinteiras, operadoras de máquinas, técnicas de segurança — profissões antes tipicamente masculinas. Segundo a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), em 2010 as mulheres já somavam mais de 200 mil trabalhadoras com carteira assinada no país, quase o dobro do registrado em 2006, e 8% do total da construção civil. De janeiro a setembro deste ano, foram contratadas outras 24.904. E ainda há vagas.
 
Mistura de força, organização e segurança
Olhar baixo, sorriso no canto da boca, jeito de menina. A timidez de Elen Cristina é evidente. Sua força só aparece mesmo quando ela “sobe paredes”, tijolo por tijolo, atividade que a pedreira mais gosta de exercer. Única mulher entre quase 500 pedreiros e serventes, Elen chama atenção não só por sua beleza, mas também pela competência. Algo impensável para ela há três anos, quando queria cursar estética. Por incentivo da irmã, acabou fazendo um curso de pedreira. E a estética passou a ser apenas uma preocupação pessoal. Para unhas impecáveis, dois pares de luvas; para o cabelo, lenços sob o capacete; e para a pele, protetor solar. Cuidados que deve ter por muito tempo, já que faz curso técnico em edificações e pretende ingressar na faculdade de engenharia civil:
 
– Eu me encantei quando vi a construção subindo, ficando pronta.
 
A entrada de Elen nesse mercado se deu através do projeto “Mão na massa”, que desde 2008 oferece qualificação em construção civil para mulheres. Em três anos, 310 operárias já foram qualificadas e, como Elen, muitas estão empregadas. Algumas sonhando com novas oportunidades na área. É o caso da carpinteira Flávia Paula dos Santos. Chamada de anjo da guarda pelos pedreiros que erguem os prédios do CEO, na Península, ela é responsável pela montagem da proteção coletiva (o bandejão de madeira que impede a queda dos operários). Enquanto trabalha, pendurada a até 17 metros, Flávia mantém um olho na grua, que pretende manejar em breve. Afinal, lá nas alturas, o salário também sobe. Uma mudança e tanto para quem quase desistiu da obra:
 
– O canteiro assusta. Os primeiros dias foram difíceis. Ficava muito cansada. Mas os meninos me ensinaram como carregar peso e eu acabei gostando do trabalho.
 
Oportunidade para mudar de área, Flávia pode encontrar dentro da própria empresa, a Cofix, que foi uma das primeiras a contratar mulheres formadas pelo “Mão na massa”.
 
– No início, alguns gestores de obras duvidaram da capacidade feminina. Mas, com o tempo, perceberam que elas são mais detalhistas, organizadas e limpas — defende Denise Rodrigues, diretora administrativa da Cofix, companhia que também oferece capacitação para os funcionários, como o curso de operador de grua.
 
Se conseguir mudar, Flávia não estará sozinha. Há outras grueiras como Ana Paula do Nascimento. Depois de sete anos como babá, ela trocou as casas de família pelos canteiros de obra, onde ganha melhor, tem carteira assinada e outros benefícios. Para trabalhar a até 80 metros de altura, ela precisa subir a grua a pé, encarar o balanço do equipamento e ficar horas sem ir ao banheiro. Mesmo assim, adora, e sonha virar professora na área, para formar outras grueiras. Companheiras para seguir seus passos não devem faltar. No Senai, aumentou em quase 70%, entre 2009 e 2011, o número de mulheres matriculadas em cursos da construção civil. E esse número só tende a crescer, já que o setor está vendo com bons olhos a chegada do contingente feminino:
 
– Ainda há os que resistem, claro. Mas quem contratou mulheres só teve ganhos: o relacionamento melhora, o canteiro fica mais organizado e nas funções que exigem mais cuidado, elas dão de dez a zero — afirma José Carlos Martins, vice-presidente da CBIC.
 
Dificuldades ainda existem. Uma delas é o próprio canteiro. Num ambiente tão masculino, as construtoras tiveram que se preparar para receber essa nova mão de obra com a instalação, por exemplo, de vestiários femininos. Piadinhas do tipo: “lugar de mulher é na cozinha” ainda são ouvidas. Mas, garantem as operárias, os operários costumam ser respeitosos com elas, principalmente quando ocupam cargos de comando. A técnica em segurança do trabalho Flávia Piccirilo supervisiona todas as obras da construtora Even no Rio e nunca ouviu qualquer gracinha dos peões. Pelo contrário. Quando ela passa, eles já vão logo checando se estão fazendo tudo certo para evitar a bronca:
 
– Teve uma época em que era mais difícil. Alguns diziam: “sou cabra macho, não preciso de segurança”. Agora, já consigo conscientizá-los. E se alguém se recusa a usar o equipamento, mando embora. Estudante de engenharia civil, Flávia pretende fazer pós-graduação em segurança, buscando aperfeiçoamento, mas sem deixar a construção civil. Caminho parecido ao da arquiteta Aline Bastos, que começou como técnica em edificações, fez arquitetura e hoje é gerente de obras no Condomínio Vida Boa, da PDG, onde comanda quase 500 homens. Lá, a tarefa é fácil, já em casa…:
 
– Quando fico mandona, meu marido brinca: “Em mim, não vem mandar, não”.