OPINIÃO
O Direito ao Trabalho é um direito social e fundamental. Tal direito, de segunda geração, se firma nas Cartas Sociais após o reconhecimento dos direitos civis e políticos, originários das grandes revoluções e objetivo primeiro delas. Todo direito fundamental volta-se contra o Estado e contra os particulares. Àquele primeiro deve assegurar o pleno exercício do Direito ao Trabalho, impondo-se assim, uma ordem positiva, qual seja, a obrigação de fornecer serviços e meios para viabilizar o exercício do direito; e outra, de ordem negativa, que se traduz nas obrigações de não violar o exercício daqueles direitos.
Tais normas, devem ser interpretadas em consonância, ainda, com os Tratados e Normas Internacionais que o Brasil subscreveu, sendo imprescindível que se tenha em mente que as normas Constitucionais constituem uma obrigação ao Estado, vinculando todos os seus Poderes. Nesse gizar, todos na sociedade terão que respeitar, nas suas ações e omissões, limites para o exercício do seu direito, viabilizando, assim, que cada qual, possa usufruir da liberdade que tem de trabalhar. A violação desse direito, acarretará consequências que irão variar de acordo com a lei interna de cada Estado, assim como das normas internas e internacionais que o tutelam
Elementar se fez o nascimento da intervenção estatal, para que se assegurasse direitos mínimos e a dignidade do trabalhador. Novos tempos surgem com as revoluções industriais — cada uma a seu turno, ratificando a necessidade de acautelamento daquele que, em tese, era a parte mais frágil das relações. O Direito do Trabalho, então, formou-se voltando para proteção do trabalhador, com objetivo de assegurar o desnível entre o devedor e o credor do trabalho e, consequentemente, a melhoria da situação do trabalhador, pretendendo atingir sempre, um número cada vez maior de trabalhadores a serem tutelados.
Esta realidade também foi a inspiradora da positivação nacional acerca da matéria, e é nela que está fundada a CLT. Isto é, volta-se para a proteção do empregado estritamente subordinado, garantindo-lhe um mínimo de direitos. A intervenção Estatal é percebida, não só nas normas jurídicas postas, mas também nos diversos julgados cuja solução de controvérsias se dá com fundamento na aplicação do princípio protetivo. Sendo assim, o Estado, em todas as suas instâncias, preocupa-se com a situação forjada em um cenário de desigualdade entre as partes, que forma a relação contratual trabalhista, tentando, através destas linhas cogentes, amenizar a tal dita desigualdade pelos instrumentos e meios que possui para manter o equilíbrio.
Todavia, as diversas transformações (sociais e econômicas), causaram uma fratura naquele sistema originalmente destinado a relações contratuais estritamente subordinadas. Hoje, é preciso reconhecer que nem todas as relações de trabalho são subordinadas e (não necessariamente) se encaixam naqueles vetustos moldes celetistas. Ao mesmo tempo que o Direito do Trabalho, em seu nascimento e primeiras linhas, alcançou o mérito de atenuar a debilidade do trabalhador, a universalização de metas e a progressividade da sociedade, acabou por se voltar contra a sua própria ciência. Em outras palavras, o texto destinado aos trabalhadores, por vezes, os engessa.
Fratura
É incontestável que o Direito do Trabalho sofreu uma fratura no decorrer de sua história. Seu nascimento se deu em torno do trabalho estritamente subordinado, numa época em que as relações eram absolutamente desiguais, e que de fato, o empregador era o detentor de todos os meios de produção, o senhor do posto de trabalho. Ocorre, que os tempos são outros. Nem todas as relações se encaixam naquele padrão restrito, apregoado pelos dispositivos que ensinam quem será empregado e quem será empregador. É preciso considerar que as relações podem ser exclusivamente de prestações de serviços, com ampla liberdade de tratativas, frente ao eventual — e possível — equilíbrio entre os contratantes. O mundo mudou.
Necessário e urgente recordar que antes do Direito do Trabalho, chancelado pelo artigo 7º da Carta Republicana, àquele que garante catatau de direitos aos empregados, existe o Direito ao Trabalho, assegurado no artigo 6º daquela mesma Carta bem como nos convênios internacionais de garantia a direitos fundamentais subscritos pelo Brasil. Este, que pela ordem numeral e lógica, vem primeiro, vez que direito fundamental que é, possuindo guarida no artigo 6º, dado que além de coroar a fundamentalidade que é a realização de todo e qualquer ofício, reafirma que o Estado garante que este seja feito de forma socialmente livre, substrato garantido pelos princípios brasileiros, notoriamente encontrados no artigo 1º da Carta Constitucional.Diante de uma realidade em que o trabalho é realizado em todo e qualquer lugar, onde a tecnologia prepondera, não se pode considerar, de plano, que as relações se tratam, exclusivamente, daquela subordinação existente na CLT. É preciso reconhecer e observar a crise naquele modelo onde apenas uma das partes estabelecia “vontades”, em que apenas uma das faces poderia “direcionar” o negócio. Nem sempre é sobre subordinação, as vezes trata-se de acordo de vontades, previamente ajustada e, definitivamente, anuída — por qualquer razão que seja. Trocando em miúdos, o modo de se determinar a forma como o trabalho será desenvolvido, não segue mais os padrões originais.
Outrossim, não nos parece, que a Carta Constitucional tenha falhado naquilo que pretendeu tutelar. O que não se quer é permitir, é que com apoio no texto constitucional, se pense que tudo será decidido e regulado. Essa não é a missão da Constituição, tampouco facultar ao intérprete, ante a inércia legislativa, a possibilidade de regulamentar, questões que as normas não fazem. Ou pior: aceitar que quem interpreta o direito posto, aplique a Constituição para solucionar tudo como papel, “valendo-se” das tintas utilizados no texto constitucional para solucionar questões negociais ou fatuais ao seu modo, sob a cortina de fumaça que em tese, responde o caso concreto. O juiz tem por limite a lei.
A Constituição não o legitima a criá-la. O sistema legislativo atual é ineficiente e não cumpre os postulados Constitucionais, não garante a dignidade do trabalhador, muito menos permite que se cumpra com o objetivo dos valores sociais do trabalho. É chegada a hora de se conceder ao trabalhador mais do que a garantia do registro em sua CTPS e do pagamento de horas extras, férias e 13º salário. Faz-se urgente que se dê garantias efetivas de seus direitos sociais mínimos, quais sejam: educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (artigo 6º CRFB).
Portanto, enquanto não houver a quebra de barreiras e o reconhecimento da necessária expansão normativa do trabalho, entenda: para além da relação de emprego, haverá vazio legislativo, haja vista a flagrante realidade de que as normas trabalhistas infraconstitucionais são insuficientes a complementar o conteúdo da própria Constituição, quiçá como linhas cogentes para regulamentação de relações outras, fato que, infelizmente, acaba por tornar a tão almejada proteção, carente de tutela eficaz.