A notícia da demissão em massa de mil trabalhadores em regime híbrido e remoto pelo banco Itaú, no começo desta semana, levantou a discussão sobre os critérios utilizados para a dispensa, a fiscalização eletrônica dos trabalhadores e o direito à privacidade.
O banco justificou as dispensas pela baixa produtividade identificada por meio de monitoramento eletrônico e a interpretação algorítmica dos dados da atividade digital.
O Sindicato dos Bancários, por sua vez, questionou a validade das dispensas alegando a falta de transparência das medidas, o número excessivo de desligamentos, que caracterizaram a dispensa coletiva, além da desproporcionalidade da medida [1].
O poder de direção, controle e fiscalização exercido pelo empregador (artigo 2º da CLT) é um direito potestativo e necessário para a organização laboral. Entretanto, não é absoluto e deve respeitar a privacidade, a intimidade e a imagem do empregado.
Essa vigilância, que até então ocorria apenas presencialmente, ultrapassou as barreiras físicas e territoriais, e hoje, pode ser realizada por câmeras de vídeo, escutas telefônicas, monitoramento de e-mail e voz, além da contabilização das teclas digitadas e do tempo que os empregados passam longe de seus computadores ou tablets.
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), Lei nº 13.709/2018, incide diretamente sobre essa prática. Os dados de produtividade dos empregados podem ser considerados dados pessoais e, em alguns casos, sensíveis. Seu tratamento pelo empregador deve estar amparado em uma base legal, como o legítimo interesse. No entanto, o princípio da transparência (artigo 6º, VI, da LGPD) exige que o trabalhador seja informado de forma clara sobre quais dados serão coletados, para qual finalidade e como serão utilizados para a tomada de decisão.
Dispensa em massa, métricas de produtividade e dever de transparência
A dispensa simultânea de 1.000 trabalhadores caracteriza, inequivocamente, uma dispensa em massa. A matéria foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 638 (RE 999.435), que fixou a seguinte tese de repercussão geral:
“A intervenção sindical prévia é requisito procedimental obrigatório para a dispensa em massa de trabalhadores, que não se confunde com a autorização prévia por parte da entidade sindical ou com a celebração de convenção ou acordo coletivo.”
Portanto, a decisão unilateral do banco, sem a participação prévia do sindicato da categoria para negociar os termos, os impactos e as possíveis alternativas (como suspensão de contratos, requalificação ou planos de demissão voluntária), poderá ser discutida judicialmente.
De fato, a decisão do Tema 638 objetivou promover o diálogo social e mitigar o grave impacto socioeconômico que demissões dessa magnitude acarretam, não apenas para os trabalhadores, mas para toda a comunidade.
Isso significa que a empresa não apenas deve comunicar previamente a existência do monitoramento, mas também explicar de forma clara e compreensível os critérios utilizados pelo sistema. Afinal, o empregado tem o direito de saber como está sendo avaliado e fiscalizado, sob pena de abuso do poder diretivo. Além disso, a produtividade não pode ser medida apenas por métricas quantitativas de atividade no computador, que ignoram a complexidade, a criatividade e a colaboração inerentes a muitas funções.
Decisões tomadas por análises algorítmicas, que utilizam critérios obscuros e não passíveis de contestação, violam o direito à informação e o contraditório. A LGPD, em seu artigo 20, garante ao titular dos dados o direito de solicitar a revisão de decisões tomadas unicamente com base em tratamento automatizado de dados pessoais que afetem seus interesses.
Por outro lado, apesar de a dispensa no Brasil ser autorizada sem a apresentação de motivos que a expliquem ou justifiquem (rescisão sem justa causa ou imotivada), quando o Banco informa que a rescisão se deu por determinado motivo (no caso em questão, a baixa produtividade no trabalho realizado de maneira remota), atrai para si o ônus de demonstrar sua veracidade e legitimidade, vinculando a validade das rescisões a essa fundamentação.
Como se não bastasse, tal cenário impõe a observância do contraditório, permitindo que os trabalhadores contestem a fundamentação apresentada, em respeito aos princípios da boa-fé objetiva e da transparência que regem as relações contratuais.
Afinal, o futuro do trabalho pode ser remoto, mas não pode ser desumano.
[2] No final do século XVIII, o filósofo Jeremy Bentham concebeu o panóptico, ou seja, um modelo de vigilância de baixo custo originalmente criado para prisões. A sua arquitetura circular, com uma torre de observação central, permitia que um único vigia observasse todos os prisioneiros sem ser visto, gerando um sentimento constante de vigilância. Bentham pretendia estender esse sistema de controle disciplinar a outras instituições, como escolas, hospitais e fábricas. Os avanços tecnológicos viabilizaram a fiscalização por meios digitais, resultando em uma significativa redução de custos e em um controle consideravelmente superior. (aqui)
- Fabíola Marquesé advogada, professora da PUC na graduação e pós-graduação e sócia do escritório Abud e Marques Sociedade de Advogadas.
CONJUR
https://www.conjur.com.br/2025-set-12/dispensa-coletiva-na-era-digital-e-os-limites-do-monitoramento-de-empregados/