NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal promoveu audiência pública para a manifestação quanto à matéria objeto do Tema 1.389 da Repercussão Geral (ARE 1.532.603, Rel. Min. Gilmar Mendes), cuja questão jurídica controvertida é “a licitude da contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços, bem como o ônus da prova relacionado à alegação de fraude na contratação civil”.

O ministro relator entendeu por aprofundar o debate, colhendo mais subsídios sobre tão importante matéria, destacando que, dada a prática frequente da contratação de serviços através de autônomos ou por intermédio de pessoas jurídicas (“pejotização”), “a definição de critérios claros e objetivos para a caracterização de eventual fraude torna-se imprescindível para assegurar a transparência, a proteção das partes envolvidas e, sobretudo, a segurança jurídica nas contratações.” Ponderou que necessário o equilíbrio da “liberdade da organização produtiva dos cidadãos e da proteção ao trabalhador, especialmente no que se refere aos hipossuficientes” (ver decisão de 3/7/2025).

Em tal contexto, organizamos este ensaio em três partes, com algumas das principais considerações que permeiam tal debate. A matéria se faz complexa, uma vez que, como pondera o relator, se de um lado existe a constitucional garantia da “liberdade da organização produtiva dos cidadãos”, por outro existe o também nuclear cânone da “proteção ao trabalhador, especialmente no que se refere aos hipossuficientes”, que seguramente serão prejudicados, caso flexibilizada excessivamente a legislação trabalhista.

Tal pode se dar seja pelo vício de vontade, impondo-se uma aparência de contratação cível autônoma a contratos de trabalho subordinado e, portanto, empregatício — seja pela falta ou recolhimento a menor das necessárias contribuições previdenciárias, o que ensejará um rombo atuarial trilionário e insanável nas contas da Previdência, ameaçando gerar uma multidão de desamparados a médio e longo prazos, com implicações desastrosas para o país.

Para que se compreenda a dimensão da “pejotização” no país, é importante sua contextualização com os demais números relativos ao trabalho. Dados recentes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) revelam que, para uma população ocupada de 102,5 milhões, há no país, 38,7 milhões de trabalhadores com carteira assinada, 32,5 milhões de trabalhadores atuam como autônomos informais (sem CNPJ) ou são empregados sem carteira assinada no setor privado (31,7% da população ocupada), e 15,7 milhões de MEIs ativas — com as quais 6,8 milhões de pessoas efetivamente trabalham. [1]

Assim, veremos os principais elementos que distinguem a pejotização lícita da fraudulenta. A seguir, examinaremos a dificuldade de criação de uma regra geral para fenômenos distintos, que são a pejotização de trabalhadores de elevada remuneração e responsabilidade — que não raro se voluntariam a tal regime para pagamento de tributação inferior — em relação à massa de trabalhadores humildes, que representam mais de 90% da população economicamente ocupada, aos quais a proteção legal estatal fará enorme falta. Finalmente, examinaremos o risco de desproteção e a ‘bomba previdenciária’ — uma “bolha” que, quando explodir, levará o país a grave crise econômica e social.

Viabilidade da Previdência

O debate em torno da pejotização, central no Tema 1.389 da Repercussão Geral, transcende a mera formalidade contratual, adentrando o cerne da proteção social e dos direitos fundamentais do trabalho no Brasil, além da própria viabilidade da Previdência Social, através do respectivo equilíbrio atuarial, a manutenção do importante FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), e a saúde fiscal do país.

A importância do presente debate é exponencial. A respectiva discussão afetará milhões de processos em todo o Brasil, assim como a manutenção ou não do modelo atual de relação de emprego, já que eventual entendimento excessivamente leniente poderá ter como efeito prático acabar com o emprego no país. É que, a depender da ratio decidendi do precedente que será formado, a respectiva tese poderá ser retirada de contexto, interpretando-se lhe como uma carta branca para que se ignorem os fatos comprovados na realidade dos casos concretos, permitindo-se que a forma prevaleça sobre a substância.

É importante ter em conta, especialmente, a distinta situação dos trabalhadores “hipersuficientes” — critério que tem sido adotado jurisprudencialmente por vários Ministros do STF para afastar uma presunção de vício de vontade nos contratos de prestação de serviços mediante pessoa jurídica unipessoal. Suas relações de trabalho possuem peculiaridades em relação à maioria dos trabalhadores, que recebem remunerações menores e, pela hipossuficiência típica, dependem da legislação estatal protetiva.

Como vimos, o debate em torno da pejotização representa, em grande parte, o tipo de país que pretendemos, buscando-se o equilíbrio entre a agilidade e pujança da atividade econômica com a proteção dos mais humildes. Há, pois, uma grande dificuldade em se encontrar uma fórmula regulatória que permita maior liberdade ao profissional melhor remunerado e geralmente dotado de efetivo poder de negociação quanto às cláusulas de seu contrato, em relação à massa de trabalhadores humildes que, diante de alguma brecha que possa se abrir na jurisprudência dos tribunais superiores, poderá restar alijada da proteção trabalhista estatal mediante o uso de subterfúgios.

Ademais, tecemos algumas considerações relativamente à perspectiva de explosão de uma ‘bomba previdenciária’, assim como outras lacunas de desproteção, as quais arriscam convulsionar nossa sociedade. Há risco da desproteção social, notadamente envolvendo a própria inviabilização da Previdência Social, cujo funcionamento depende do rigoroso equilíbrio atuarial, decorrente da participação contributiva de todos os elementos da sociedade, assim como mencionamos a importância da manutenção dos níveis de contribuição ao FGTS, essencial para a saúde econômica do país.

A relevância do tema é exponencial. A depender da evolução do debate nos tribunais superiores, nada impedirá que milhões de empregados sejam demitidos, substituídos por formas de contratação mais precárias e baratas, com consequências nefastas para a economia do país — seja pelo empobrecimento geral da população e do mercado consumidor, seja pela ausência ou diminuição dos recolhimentos previdenciários, ensejando, a médio prazo, um rombo fiscal inadministrável. Por tais razões, a análise aprofundada das questões propostas revela uma complexidade que demanda a consideração de todos os fatores aqui debatidos.

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[1] ABDALA, Vitor. Agência Brasil. Mais de 32 milhões são autônomos informais ou trabalham sem carteira. 01/05/2025. Disponível aqui. ANDRADE, Mariana. Número de pessoas com carteira assinada bate recorde em 2024, diz IBGE. 31/01/2025. Disponível aqui. SEBRAE. Tudo sobre o MEI: tire todas as dúvidas, 22/04/2025. Disponível aqui.

  • é juris doctor pela Universidade Internacional da Flórida (EUA), doutorando pela Università degli Studi di Roma Tor Vergata, mestre em Processo Civil pela UFRGS, juiz auxiliar da Presidência do TST (2024-2025) e de sua Vice-Presidência (2022-2024). Juiz do Trabalho, membro do Centro de Inteligência e Coordenador do Núcleo de Gestão de Precedentes do TRT da 19ª Região/AL. Autor de “Manual de Prática dos Precedentes no Processo Civil e do Trabalho” (3ª ed., Mizuno, 2025) e de “O TST enquanto corte de precedentes” (Mizuno, 2ª ed., 2025). Professor da Enamat, da Escola Nacional da Magistratura/AMB e de várias escolas judiciais dos TRTs.

CONJUR
https://www.conjur.com.br/2025-nov-24/pejotizacao-o-hipersuficiente-e-o-servente-de-obra-prognosticos-de-uma-clt-quase-facultativa/