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Construtoras devem levar em conta a temporada de chuvas no cronograma da obra e aumentar número de funcionários caso o clima não favoreça término da construção

Comprar um imóvel na planta é, em certa medida, uma operação de risco. O financiamento pode não sair, o valor do imóvel pode subir e outras variáveis podem fazer com que a entrega das chaves atrase. Os consumidores também devem apelar aos céus, literalmente: os eventos climáticos são um dos vilões da construção civil. Apesar de especialistas do setor afirmarem que o planejamento deve levar em conta a temporada de chuvas, algumas empresas usam o clima como justificativa para eventuais atrasos.
 
Cada região tem sua característica climática própria e o planejamento e a execução da obra devem levar o tempo em consideração. Em Curitiba, por exemplo, choveu em um a cada dois dias no ano passado, de acordo com dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
 
Nova regra
Projeto de lei prevê no máximo 120 dias de atraso
Um projeto de lei que pretende regulamentar o tempo de atraso na entrega de imóveis comprados na planta em todo o Paraná está sendo discutido na Assembleia Legislativa. A proposta, de autoria do deputado estadual Cesar Silvestri Filho (PPS), foi apresentada na Casa no início de fevereiro e pode ir à votação até o mês de abril.
 
Pela proposição, o fornecedor deve encaminhar ao consumidor, a cada seis meses, relatórios sobre o andamento da obra.
 
Outro artigo prevê uma tolerância máxima de 120 dias a entrega do imóvel comprado na planta, mas, de acordo com o parlamentar, a construtora precisa informar com clareza os motivos da postergação do prazo.
 
Caso o fornecedor desrespeite o prazo, o projeto prevê multa compensatória no valor correspondente a 2% do valor pago até o momento pelo cliente, além de multa moratória de 0,5% do valor até então pago pelo consumidor. Ambas as penalidades são corrigidas pelo mesmo índice do contrato, segundo o projeto.
 
Inspiração
De acordo com Silvestri Filho, a medida é inspirada no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre o Ministério Público de São Paulo e o Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP). “Por essa razão acho que a medida vai passar, por levar em conta uma série de condicionantes e por criar uma obrigação saudável para todo mundo, com tudo muito objetivo. O melhor é que a aqui no Paraná o projeto pode ter a força da lei”, analisa o parlamentar.
 
Segundo o vice-presidente na área de meio ambiente do Sindicato da Construção Civil no Paraná (Sinduscon-PR), Almir de Miranda Perru, há momentos, como na fundação do edifício, que não pode chover: por isso o planejamento. “Uma obra está diretamente ligada com o clima, não há mágica, há planejamento. Caso o tempo não colabore, é preciso planejar um acréscimo de funcionários para compensar as horas paradas”, ressalta.
 
Porém, não é isso o que acontece com todas as empresas. Um funcionário da área da engenharia da MRV, que preferiu não se identificar, diz que é difícil entregar empreendimentos no prazo previsto em contrato com os consumidores por causa do clima na região de Curitiba. Ele afirma ser necessário, no momento da fase de pintura e reboco, cinco dias de tempo seco para a face sul dos imóveis e dois dias para a face norte.
 
O descompasso entre o prazo previsto e a entrega do imóvel se daria, segundo o funcionário, porque o tempo padrão de construção de um imóvel em Belo Horizonte, sede da empresa, é replicado em todo o país – em Curitiba, porém, o tempo é curto demais.
 
Outro lado
O coordenador de obras da MRV na regional Sul, Cícero Scott Garcia, afirma que o fator climático é levado em consideração na formulação do projeto. “O mau tempo não necessariamente causa atrasos. Cada cidade deve ter um prazo diferente, mas é preciso analisar também o tamanho da obra. O planejamento deve levar em conta todas as variáveis”, destaca Garcia.
 
Questionada se o prazo previsto no contrato dos consumidores de Curitiba não deveria ser adequado às peculiaridades da região, a assessoria de imprensa da empresa informou, por nota, que não vê o clima na cidade como um empecilho ou motivo para atraso de obras.

“Nossos cronogramas de obra são padronizados e preveem as temporadas de chuva, comuns não apenas em Curitiba, como em todas as regiões do país em que atuamos (…). Trabalhamos de forma padronizada. Este, inclusive, é um dos diferenciais competitivos da construtora. Nossos projetos são baseados em estruturas que podem ser replicadas em diferentes tipos de empreendimentos. E é exatamente essa estrutura modular de construção que permite à companhia reduzir o ciclo de incorporação e entregar seus imóveis”, completa a nota.

Outras construtoras com atuação nacional concordam com a afirmação da empresa mineira. “Os métodos construtivos e os prazos são os mesmos em todas as cidades. O clima pode interferir no dia a dia, mas não no macroplanejamento. É preciso ter um respiro nos planos, para contornar possíveis atrasos por causa da chuva, por exemplo”, pondera o gerente geral de engenharia da Cyrela Paraná, Ademir Voss.
 
Ademi-PR critica réplica de cronograma
Replicar métodos construtivos pode dar ganho de escala à construtora, mas é preciso que o planejamento dê conta de compensar as adversidades climáticas de cada localidade em que a empresa atua. “De forma ne­­nhuma se pode replicar o planejamento. Cada cidade tem seu clima próprio e é preciso cuidado redobrado na hora de planejar, tendo conhecimento específico do local de atuação, analisando dados de órgãos climáticos”, pondera o presidente da Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliá­rio no Estado do Paraná (Ademi-PR), Gustavo Selig.
 
Ele lembra ainda que a legislação permite flexibilidade na data de entrega, quando algum evento climático possa causar prejuízo ao andamento da construção. Geralmente, os contratos entre empresa e consumidor preveem um prazo de carência de seis meses. “Mas é preciso que haja uma comprovação, com boletins meteorológicos, de que a chuva atrapalhou a obra. Está cada vez mais difícil prever a atuação do clima sobre a obra, porque ele está mais adverso, mas o planejamento serve para que as etapas da construção que dependam do tempo seco sejam feitas em períodos sem chuva”, ressalta Selig.
 
A advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Con­sumidor (Idec) Maria Elisa Novais lembra que a empresa precisa justificar o atraso ao cliente, com pelo menos quatro meses de antecedência. Além disso, ela informa que o tempo de carência precisa estar em contrato para que tenha validade.
 
“A Justiça tem entendido os problemas climáticos como motivo de força maior. Porém, um atraso, independente do motivo, é uma falha na prestação de serviço. Por isso, o consumidor tem o direito de cobrar uma multa pela demora na entrega, bem como ser ressarcido pelo atraso, tendo pagas, por exemplo, despesas como aluguel pago depois do prazo previsto”, salienta a advogada.

Financiamentos
A Caixa Econômica Federal, maior financiadora de construção de imóveis no país, está dialogando com as construtoras para evitar que haja atrasos que lesem o consumidor. De acordo com o superintendente regional da Caixa Econômica Federal, Hermínio Basso, o fator clima hoje é mais preocupante que a falta de mão de obra no mercado.
 
“Estamos conversando com as empresas para que elas surpreendam os clientes. Queremos aumentar os prazos de construção, dentro de uma visão realista, e não pelo olhar otimista das empresas. É melhor colocar no contrato um prazo maior e entregar antes do que fazer a obra com atraso. O clima tem colaborado para esses problemas”, ressalta Basso.
 
No ano passado, a Caixa financiou 75,8 mil imóveis em todo o Paraná, sendo que 27,3 mil apenas em Curitiba. O banco afirma que há mecanismos para evitar que as construtoras atrasem a entrega desses imóveis. “Hoje o sistema já bloqueia empresas e CPFs dos sócios delas quando há atrasos recorrentes. Isso para evitar que o consumidor seja lesado”, explica o superintendente.