NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

OPINIÃO

Por Luiz Fernando Alouche, Talita Sabatini Garcia e Lucas Tosetti Silveira

Quando o assunto é inovação [1] no âmbito do contrato de trabalho uma dúvida sempre surge: de quem é a titularidade da propriedade intelectual?

 

A inovação é o que sustenta o pilar de toda economia global. O Brasil passou da 57ª para a 54ª posição no ranking global de inovação [2] de 2022, dentre 132 países avaliados no Índice de Global de Inovação [3] (IGI).

 

Seguindo a tendência mundial, as empresas brasileiras vêm passando pela denominada transformação digital, inclusive reflexo no IGI, muito embora a nossa economia estar a passos longos da Suíça, Estados Unidos, Suécia, Reino Unido e Países Baixos, os países considerados as economias mais inovadoras do mundo [4].

 

Nesse contexto, é certo que as empresas vêm investindo cada vez mais em inovação, buscando profissionais qualificados que não somente tenham capacidade de exercer as suas funções, mas que contribuam com criações intelectuais, especialmente tecnológicas, para o desenvolvimento da atividade empresarial.

 

As criações intelectuais, segundo a doutrina [5], são as criações do espírito humano (intelecto) revestidas de originalidade, inventividade e caráter único as quais resultam nas denominadas obras intelectuais. As obras intelectuais abrangem os mais diversos tipos de criação do intelecto humano, e podem ou não ser passiveis de proteção de acordo com a necessidade momentânea daquela sociedade específica, naquele determinado momento histórico.

 

Há formas de remuneração para a indústria criativa, sendo o licenciamento uma ferramenta legal e importante para um mercado, que hoje movimenta quase R$ 22 bilhões, vindos de personagens nacionais de autores nacionais, atualmente reunidos na Associação Brasileira de Licenciamento de Marcas e Personagens (Abral).

 

Para o presente estudo, focaremos especialmente nas criações intelectuais com aplicação industrial, tais como patentes de invenção, de modelo de utilidade e softwares desenvolvidos no âmbito do contrato de trabalho.

 

Quanto às patentes de invenção e de modelos de utilidade, ambas são regidas pela Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.729/98). A patente de invenção [6] consiste, em apertada síntese, nas criações que atendem aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Já os modelos de utilidade [7] são os objetos de uso prático, suscetíveis de aplicação industrial, que apresentam nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação.

 

Os softwares [8], por outro lado, são regidos pela Lei de Software (Lei nº 9.609/98) e consistem na expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.

 

O tema das criações intelectuais no âmbito do contrato de trabalho, até o advento da Lei de Propriedade Industrial era tratado exclusivamente pelo artigo 454 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) [9]. Momento em que os inventos pertenciam, igualmente, ao empregado e ao empregador, exceto se a essência da contratação fosse a pesquisa científica, ou seja, se o empregado tivesse sido contratado exclusivamente com a função de criar e desenvolver inventos, hipótese na qual o invento pertencia exclusivamente ao empregador, desde que efetuasse o registro da patente em seu nome em até um ano da sua criação, sob pena de perder a propriedade do invento para o empregado.

 

Apesar da disposição expressa na CLT, muitas eram as discussões relacionadas à titularidade e aproveitamento das criações intelectuais no âmbito do contrato de trabalho. Neste sentido, em 1996, a Lei de Propriedade Industrial veio para pacificar grande parte das discussões, uma vez que passou a regulamentar a questão em diferentes situações, as quais tiveram ampla aceitação pelos tribunais brasileiros.

 

Muito embora a pacificação em lei, a jurisprudência tem se comportado às vezes de maneira distinta a depender do tipo de criação intelectual e a natureza da contratação do empregado, ora concedendo os direitos de propriedade intelectual sob as obras exclusivamente ao empregador, ora ao empregado em situações que contradizem o determinado pela Lei de Propriedade Industrial.

 

A primeira hipótese reproduz o que era determinado pela CLT, ou seja, quando a criação intelectual é objeto da atividade do empregado; decorre do contrato de trabalho ou resulte da natureza dos serviços para os quais foi o empregado contratado. Neste caso, a titularidade e aproveitamento da invenção será integralmente do empregador [10].

 

Para evitar a desvirtuação desta disposição, a Lei de Propriedade Industrial determina que, salvo prova em contrário, consideram-se desenvolvidos na vigência do contrato a invenção ou o modelo de utilidade, cuja patente seja requerida pelo empregado até um ano após a extinção do vínculo empregatício [11].

 

A lei ainda possibilita que o empregador conceda ao empregado uma participação nos ganhos econômicos resultantes da exploração da patente, mediante negociação com o interessado ou conforme disposto em norma da empresa, a qual não se incorporará, a qualquer título, ao salário do empregado [12].

 

Na segunda hipótese, além de a criação intelectual estar desvinculada do contrato de trabalho, ela não poderá decorrer da utilização de recursos, meios, dados, materiais, instalações ou equipamentos do empregador. Demonstrados tais requisitos, a invenção será de titularidade exclusiva do empregado, que poderá dispor livremente do bem intelectual [13].

 

A terceira e última hipótese prevista pela Lei de Propriedade Industrial prevê a divisão igualitária da titularidade, pelo empregador e empregado, da invenção e ocorrerá quando a criação intelectual resultar da contribuição pessoal do empregado e de recursos, dados, meios, materiais, instalações ou equipamentos do empregador, ressalvada expressa disposição contratual em contrário.

 

Nesta hipótese, a lei impõe uma licença exclusiva da exploração do bem intelectual ao empregador assegurando-se ao empregado uma justa remuneração [14]. A Lei de Propriedade Industrial não dispõe o que seria justa remuneração, cabendo ao juiz determinar tal quantia de acordo com os princípios legais aplicáveis à matéria. Uma das formas mais comuns de se determinar a justa remuneração é se basear no quanto o empregado teria direito se explorasse o invento por conta própria, deduzidos os custos e encargos do empregador.

 

A remuneração poderá ser paga à vista ou de forma parcelada, durante a vigência do contrato ou após a sua extinção. Outrossim, é nula qualquer disposição contratual que determine a renúncia antecipada pelo empregado à justa remuneração por invenção que possa vir a criar durante a vigência do contrato de trabalho.

 

Por fim, quanto ao desenvolvimento de software por empregado durante a vigência do contrato de trabalho, a Lei de Software possui uma lacuna, prevendo apenas as situações em que 1) a criação intelectual é objeto da atividade do empregado ou resulta da natureza dos serviços para os quais foi o empregado contratado, sendo a titularidade e aproveitamento do empregador; e 2) a criação intelectual está desvinculada do contrato de trabalho e não decorre da utilização de recursos, meios, dados, materiais, instalações ou equipamentos do empregador, pertencendo neste caso integralmente ao empregado.

 

Portanto, a Lei de Software não dispõe da possibilidade de criações intelectuais desvinculadas do contrato de trabalho, mas em que há utilização de recursos, meios, dados, materiais, instalações ou equipamentos do empregador. Neste caso, considerando a ausência de disposição legal, devemos nos recorrer das decisões judiciais (jurisprudência) para definir a melhor forma de solução de eventuais conflitos.

 

Neste sentido, na mesma direção das criações intelectuais com aplicação industrial, em casos em que o desenvolvimento do software não é escopo do contrato de trabalho, mas a criação ocorre com a utilização de recursos do empregador, buscando um equilíbrio da relação, a jurisprudência vem concedendo ao empregado o direito à uma justa remuneração pelo trabalho realizado.

 

Diante deste panorama, resta evidente a importância de se delimitar com clareza no contrato de trabalho as atividades do empregado, especialmente quando existe alguma relação com criações intelectuais, deixando explícita a atividade inventiva do empregado, inclusive implementar políticas internas nas empresas, no intuito de evitar conflitos futuros relacionados com a titularidade de bens de propriedade intelectual.


[1] O conceito de inovação é extremamente diversificado, sobretudo em relação ao viés analisado (econômico, jurista e afins). Para efeitos deste artigo nos pautamos no artigo publicado no site da Harvard Business Review (HBR) em que há 4 tipos de inovação, quais sejam: 1) incremental; 2) disruptiva; 3) radical; e 4) arquitetural. Artigo “You need an Innovation strategy” do autor Gary P. Pisano, disponível no site: https://hbr.org/2015/06/you-need-an-innovation-strategy.

[3] O IGI mede o desempenho dos ecossistemas da inovação de 132 economias e identifica as tendências globais mais recentes em matéria de inovação. Link de acesso ao IGI 2022: https://static.portaldaindustria.com.br/media/filer_public/ab/e8/abe8987f-2468-4192-b6f4-fa80496e98fa/gii_2022_pt-exsum_web.pdf.

[5] Artigo 7º da Lei nº 9.610/98; Junior, João Ibaixe e Silva, Adriano R. de Souza, Mini Cartilha de Direitos Autorais para escritores da Comissão de Direitos Culturais e Economia Criativa; pg. 1.

[6] Artigo 8º da Lei nº 9.279/96 Bastos, Aurélio Wander. Dicionário de Propriedade industrial e assuntos conexos, 1997. Ed lúmen júris. Pg 209.

[7] Artigo 9º da Lei nº 9.279/96; Requião, Rubens; Curso de direito comercial, volume I, 2010, pág. 346.

[8] Artigo 1º da Lei 9.609/98; Barbosa, Denis Borges; A Proteção de Software. 2011. Pgs. 7 e 8.

[9] “Artigo 454. CLT. – Na vigência do contrato de trabalho, as invenções do empregado, quando decorrentes de sua contribuição pessoal e da instalação ou equipamento fornecidos pelo empregador, serão de propriedade comum, em partes iguais, salvo se o contrato de trabalho tiver por objeto, implícita ou explicitamente, pesquisa científica.

Parágrafo único. Ao empregador caberá a exploração do invento, ficando obrigado a promovê-la no prazo de um ano da data da concessão da patente, sob pena de reverter em favor do empregado da plena propriedade desse invento”.

[10] Cf. artigo 88, caput, da Lei 9279/1996.

[11] Cf. artigo 88, §2º da Lei 9279/1996.

[12] Cf. artigo 89 da Lei 9279/1996.

[13] Cf. artigo 90 da Lei 9279/1996.

[14] Cf. artigo 91, §2º, da Lei 9279/1996.


 é sócio no escritório Inglez, Werneck, Ramos, Cury e Françolin Advogados, especializado nas áreas de Direito Trabalhista e Previdenciário, com ênfase nas áreas consultiva e contenciosa.

 é advogada formada pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (2009), pós-graduada em contratos empresariais e em propriedade intelectual e novos negócios GV-Law, coordenadora da área de contratos, propriedade intelectual e legal marketing do IWRCF, conselheira da Abral, Membra do Núcleo de Estudos de Direitos Autorais, Entretenimento e Publicidade da Diretoria Cultural da Aspi, coautora do livro Atividade Publicitária no Brasil: Aspectos Jurídicos (Editora Almedina, 2021).

 é advogado, pós-graduado em Propriedade Intelectual e Novos Negócios pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-Law) e atuante no escritório de advocacia IWRCF – Inglez, Werneck, Ramos, Cury e Françolin.

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2023-mar-24/opiniao-criacoes-intelectuais-ambito-contrato-trabalho