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DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

Falta de controle de horário não garante horas extras a doméstica

Falta de controle de horário não garante horas extras a doméstica

Hora extra

A própria trabalhadora, em depoimento, evidenciou autonomia na organização da prestação dos serviços, o que acarretou a decisão do colegiado.

A 5º Turma do TRT da 3ª região manteve decisão e rejeitou pedido de pagamento de horas extras de empregada doméstica. O colegiado entendeu que o fato de a ex-patroa não ter apresentado os controles de horário nos autos não foi suficiente para reconhecer a jornada alegada na inicial, tendo em vista o conteúdo do depoimento da própria profissional.

 

Após ter pedido negado em 1º grau, a funcionária recorreu da decisão. A profissional alegou que trabalhava de segunda-feira a sábado, das 8h às 17h, sem intervalo intrajornada. Sustentou, inclusive, que a empregadora não cumpriu a obrigação de registrar a jornada, nos termos do artigo 12 da lei complementar nº 150/2015.

O relator do caso, desembargador Manoel Barbosa da Silva, ao proferir o voto condutor, observou não desconhecer que o dispositivo citado, em vigor desde junho de 2015, tornou obrigatório o controle de ponto do empregado doméstico. Entretanto, explicou que a ausência de controle de horários pela empregadora não acarreta, por si só, a aplicação da jornada contida na petição inicial.

Ademais, o relator motivou sua decisão no depoimento prestado pela trabalhadora em audiência, o qual afirmou “que não havia ninguém na casa quando a depoente estava trabalhando para conferir seus horários”.

Para o relator, “é razoável concluir que a autora possuía autonomia na organização da prestação dos serviços e que sua jornada não extrapolava a 8ª hora diária e a 44ª semanal”.

Por fim, com esses fundamentos, negou provimento ao recurso. Os integrantes da Turma acompanharam o voto.

Leia o acórdão

Informações: TRT 3ª região. 

 

Por: Redação do Migalhas

Falta de controle de horário não garante horas extras a doméstica

Lula ‘Uma ofensiva conservadora tenta anestesiar o país’

O secretário de Clacso, Pablo Gentili, reconstruiu um dia que será fundamental no Brasil e região: 24 de janeiro, quando a Justiça deixou Lula perto de não poder candidatar-se à presidência. Aqui suas conversas com Lula nos momentos anteriores e depois do fracasso dos juízes de Porto Alegre

 

Reprodução

Por Pablo Gentili, para o Página/12

Lula apoia seu rosto sobre a mão esquerda. Não parece cansado, embora todos ao seu redor estejam exaustos depois de semanas de tensão e nervosismo. Faltam algumas horas para que o Tribunal Regional Federal confirme a sentença do juiz Sérgio Moro. Lula se mostra realista e assume a missão de manter o ânimo entre seus familiares, colaboradores e amigos. Sempre foi assim. Nos momentos mais difíceis de sua gestão como presidente, ele chegava ao Palácio do Planalto e quando via alguém abatido dizia: “que cara é essa? Não me diga que você está lendo os jornais”. Logo, soltava uma imensa gargalhada, contagiosa, balsâmica, reparadora. Era o Lula presidente, o que apoiava, consolava e animava todos. Continua sendo assim.

Como Lula, os que o acompanham neste 24 de janeiro no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista sabem que estão assistindo a crônica de uma sentença anunciada. Se repete a farsa jurídica iniciada pelo juiz Sérgio Moro, com quem o ex-presidente teve diálogos que envergonhariam a Kafka e seriam a inveja dos Irmãos Marx. Um juízo no qual não há nada o que provar. Tudo o que tiver que ser atribuído a Lula já está dado como certo através do artifício jurídico da convicção do juiz, do chamado “domínio do fato”, do desprezo ao devido processo e da indolente pretensão de querer transformar uma vingança num ato de justiça. Se chama lawfare: o uso do Poder Judiciário para acabar com os adversários políticos.

A equipe do ex-presidente acompanha a sessão pela televisão e observa como os juízes de apelação leem suas intermináveis sentenças, que já estavam escritas antes de escutar a própria defesa de Lula – que só teve 15 minutos para expor suas razões. Um observador privilegiado do evento foi o jurista australiano Geoffrey Robertson, presente na sala de audiências de Porto Alegre, e que logo após o resultado disse que “isto não foi uma sessão justa. Os juízes falaram durante cinco horas, lendo um roteiro que haviam escrito antes de escutar qualquer argumento. Numa corte de apelação, os juízes devem primeiro escutar as partes, antes de emitir uma sentença”.

Todos observam as atualizações de notícias nas redes sociais, menos Lula. Um dos tuites que gera mais impacto é o do jornalista Rodrigo Vianna: “No processo mais importante da história deste país, uma mulher negra serve café a três homens brancos que vão condenar um retirante nordestino. Quem não entendeu isso não entendeu nada”.

Lula pensa sabe-se lá no que. Ninguém o molesta nem interrompe o que parece ser um íntimo ritual de introspecção deste imenso líder operário, nascido numa das regiões mais miseráveis do planeta. Abraça seus filhos um por um. Diz a eles algo no ouvido antes de começar a intervenção do último juiz, se retira e vai à casa. 

No sindicato permanecem mais de 500 personas, entre colaboradores, dirigentes, ativistas, militantes sindicais, representantes do Movimento Sem Terra (MST) e dezenas de jornalistas, de 34 países diferentes. No sindicato, que sempre foi também a casa do ex-presidente, permanece a tristeza. Também ali, há apenas alguns meses, foi velada Marisa Leticia, a esposa de Lula, que os juízes citam agora como partícipe de um delito que ninguém cometeu. No sindicato permanece a tristeza. Há exatamente um ano, no dia 24 de janeiro de 2017, Marisa Leticia sofria um derrame cerebral que lhe custou a vida. Foi o dia que a justiça brasileira escolher para golpear novamente o Lula.

Anestesia

Em sua casa, também em São Bernardo do Campo, Lula permanece acompanhado por sua família e alguns poucos amigos. Está tranquilo e tenta descansar para a longa jornada que ainda o espera. Milhares de ativistas, centenas de movimentos sociais, trabalhadores rurais, organizações sindicais, estudantis e profissionais haviam se congregado numa multitudinária jornada de protestos, no dia anterior, em Porto Alegre. As mulheres, convocadas por diversas organizações feministas e contando com a presença da presidenta Dilma Rousseff, tiveram papel de protagonistas nos atos e mobilizações que reuniram mais de 70 mil pessoas na cidade que se tornou ícone do bem sucedido “modo petista de governar”. Uma cidade heróica na memória da esquerda mundial, agora transformada no cenário de um momento trágico para a história democrática do Brasil e da América Latina.

Muitas destas organizações e líderes políticos de todo o mundo se deslocaram depois a São Paulo. Nesse dia, ao finalizar a sessão que ratificaria a condenação a Lula, milhares de pessoas começaram a se aglomerar na Praça da República, onde aconteceria, durante a noite, um ato que desafiou a prepotência oficial, no qual o PT lançaria a candidatura de Lula à Presidência da República.

No discurso, o ex-presidente voltou a mostrar seu semblante mais enérgico. São os atos e a proximidade com o povo que mantêm Lula ativo. Os abraços, os beijos, as fotos que tanto molestam alguns dirigentes, são o combustível que alimenta sua vontade, a força que o rejuvenesce e lhe dá fortaleza para enfrentar qualquer tipo de adversidade. 

Página/12: Quais desafios o PT e as forças progressistas brasileiras deverão enfrentar a partir de agora?

Lula: O desafio de evitar os retrocessos que estão ocorrendo na democracia e nos direitos dos trabalhadores. Especialmente, agora, com a proposta de reforma da Previdência impulsionada pelo governo golpista de Michel Temer. Também de garantir eleições realmente livres e democráticas em outubro deste ano. Uma ofensiva conservadora tenta anestesiar o país. Afirmavam que o problema do Brasil era o PT e o governo da Dilma. Foi assim que eles destituíram uma presidenta eleita por 54 milhões de votos, prometendo que tudo iria melhorar. Depois, disseram que o problema eram os direitos trabalhistas. E acabaram com esses direitos. Agora dizem que o problema são os aposentados e eu. Mas o povo brasileiro está despertando e descobrindo que, em vez de curar da doença como prometeram, estão roubando todos os órgãos vitais do país: nossos recursos naturais, os direitos do povo, o patrimônio público. Tudo o que temos construído com o sacrifício e o trabalho de várias gerações, eles estão vendendo a preço de banana.

A direita fez o golpe, mas passou mais de um ano e não consegue ter outro candidato além de um neofascista, defensor da ditadura militar, sexista e violento, como Jair Bolsonaro. Um deputado que na sessão de destituição de Dilma Rousseff dedicou seu voto ao general que a havia torturado quando ela tinha 19 anos. Por outro lado, a candidatura de Lula cresce visivelmente, e lidera todas as pesquisas eleitorais. Apesar de todos os ataques, o PT continua sendo o partido com o maior número de militantes e maior apoio popular na sociedade brasileira. 

Página/12: Por que está ocorrendo isso?

Lula: Porque o povo está percebendo que o golpe não foi contra a Dilma, contra Lula ou contra o PT. O golpe foi contra os trabalhadores, contra a classe média, contra os que fazem um enorme esforço por sobreviver com dignidade. O golpe foi contra as conquistas democráticas que levaram o Brasil a reduzir significativamente a pobreza, a injustiça social, a fome. Inclusive, um amplo setor da classe média que apoiou o golpe está sofrendo as suas consequências. Se não reagirmos a tempo, o Brasil voltará a ser um país onde um terço da população tem direitos enquanto milhares de crianças passam fome nas ruas, como já está ocorrendo. Os índices sociais do país pioraram de forma assombrosa. O Brasil só pode ser um país grande, importante e soberano se a economia cresce de verdade.

Página/12: O que seria crescer de verdade?

Lula: Crescer incluindo os pobres. Quando os pobres podem comprar, quando podem consumir, o comércio vende mais, a indústria produz mais. Brasil crescia e incluía milhões de pessoas no orçamento público que antes não tinham direitos nem as oportunidades mais básicas. Eles estão destruindo tudo isso. O Brasil era um país com futuro. Um país de todos, não de alguns poucos. Estávamos deixando de ser o império do privilégio. Um país não pode ser um mero exportador de commodities, porque elas empregam pouco e fazem com que a economia tenha que conviver com multidões de desempregados, pobres e excluídos. 

De costas

Nas primeiras horas da tarde de 24 de janeiro, a farsa jurídica deu um novo passo adiante. Lula sofreu uma nova condenação que complica seriamente suas possibilidades de ser candidato nas eleições presidenciais de outubro deste ano. Enquanto se prepara para ir à concentração, na Praça da República, no centro de São Paulo, ele recebe ligações de apoio e de solidariedade de todo o mundo. É um ícone da democracia latino-americana e mundial, venerado em todos os continentes, não só por líderes e personalidades políticas progressistas como também por liberais e conservadores com apego ao devido processo.

O manifesto “Eleição sem Lula é fraude” reuniu, em poucos dias, mais de 215 mil assinaturas. Destacados intelectuais, políticos, artistas, juristas e dirigentes sociais progressistas de todo o mundo aderiram à declaração que já circula em 10 idiomas. Cristina Kirchner, José Pepe Mujica, José Luís Rodríguez Zapatero, Rafael Correa, Massimo D’Alema e Ernesto Samper são alguns dos ex-mandatários que o apoiam.

Lula: Estou imensamente agradecido pelo respaldo e pela solidariedade internacional, especialmente de países como Argentina, México, Uruguai, Equador, Itália, Portugal, Espanha, França, Inglaterra, Estados Unidos e Venezuela.

Página/12: O que muda no processo de integração regional após o golpe no Brasil?

Lula: Infelizmente, o Brasil voltou a dar as coisas aos seus vizinhos, a disputar com eles quem atrai melhor a atenção dos Estados Unidos. Querem saber quem ganha o privilégio de jantar com o Donald Trump, como se a solução dos nossos problemas dependesse disso, e não de uma política internacional própria. Respeitando o mundo, mas sem manter essa vergonhosa submissão. O governo de Michel Temer não tem legitimidade, e tampouco uma política exterior. Está dedicado a vender os ativos e o patrimônio do nosso país. Cada nação tem a sua história, seus governos, sua cultura. Em matéria internacional, é fundamental que exista diálogo e respeito mútuo. Tenho muito orgulho do período em que fui presidente do Brasil e pude conviver com presidentes como Néstor e Cristina Kirchner, com Pepe Mujica, Chávez, Bachelet, Evo, todos eles. 

Página/12: O que tinham em comum?

Lula: Entendíamos a importância de uma região sem conflitos. Entendíamos que éramos mais fortes juntos, resolvendo os problemas entre nós, sem a interferência externa, nossas diferenças. Evitávamos crises e promovíamos a cooperação comercial, educativa e social entre os nossos países. Sempre tive a convicção de que o Brasil só poderia se desenvolver de forma soberana se nossos próprios vizinhos se desenvolviam também de forma soberana. Hoje, essas ideias essa energia integradora e solidária, foi congelada ou está em retrocesso. Entretanto, a integração entre os nossos povos é uma vocação inexorável e voltará a avançar.

Página/12: Durante muito tempo, a consigna do PT foi “a esperança vence o medo”. Hoje, muitos jovens se aproximam da política porque creem na vigência daquele lema. 

Lula: Sempre digo uma coisa: abandonar, nunca, perder a esperança, jamais. O neoliberalismo, muitas vezes sustentado pelos monopólios midiáticos, promete um futuro melhor para todos mas concentra a riqueza e restringe as oportunidades em alguns poucos, os de sempre. No Brasil, nós provamos que podíamos governar fazendo exatamente o contrário: que era possível incluir os pobres no orçamento público, que podíamos investir mais em educação, mais em saúde e em moradia, acabar com a fome, construir dignidade, ampliar direitos. Eles querem apagar da memória do povo esse período de conquistas democráticas. Hoje eles me condenam, mas querem condenar também esse projeto de nosso futuro como nação livre, soberana e justa. Querem fazê-lo, mas não conseguirão.

Página/12: Há uma mensagem especial para os jovens?

Lula: Milhões de jovens chegaram pela primeira vez à universidade no Brasil. Nós fomos o último país das Américas que criou uma instituição universitária. Quando a Argentina já estava fazendo a reforma universitária nós nem tínhamos uma. Fomos os últimos em abolir a escravidão. Éramos a vanguarda do atraso. Em 12 anos de governos nossos, conseguimos ter a primeira geração de brasileiros e brasileiras que não tinham crianças passando fome. Tiramos mais de 40 milhões da pobreza sem prejudicar nenhum setor social, sem perseguir ninguém. Isso nunca havia ocorrido na história do nosso país. Foi possível utilizar a política em benefício das maiorias e através do Estado, fazer políticas públicas de inclusão e promover a justiça social. Nós mostramos que o povo sabe governar melhor que as elites. Por isso eles nos odeiam. Mas te digo uma coisa: essa reação retrógrada não vai prosperar. Nós vamos vencer.

Pablo Gentili é secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO) e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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O fracasso do golpe e o aprofundamento da injustiça

Da Ponte para o Futuro à injustiça do TRF4, Brasil só vê o prolongamento da recessão e a ruptura da democracia

Instalado desde 2016, o programa denominado Ponte para o Futuro pelo governo Temer não produziu fracasso maior, não fossem medidas de natureza bastarda do keynesianismo, contraditoriamente adotadas ad hoc pela equipe econômica neoliberal – aquela dos sonhos do mercado. A mensagem original era a do ajuste fiscal e do resgate da credibilidade para fazer com que a economia voltasse a crescer pela retomada dos investimentos privados.

Mas o que se viu foi um rotundo fracasso. Em meio ao prolongamento da recessão, o ajuste fiscal produziu mais desajuste nas contas públicas, sufocando os governos federal, estaduais e municipais e degenerando ainda mais as condições de vida da população. Os péssimos indicadores de avaliação do governo Temer apenas confirmam a realidade nacional.

No mesmo sentido, a credibilidade esperada mesmo com a falsa propaganda do novo governo austero não apareceu. E os investimentos terminaram seguindo a mesma rota de queda, o que jogou por terra toda a ladainha da economia pelo lado da oferta, cuja redução de custos (sociais e trabalhistas) e o esvaziamento do papel do Estado gerariam o melhor dos mundos. Onde?

Diante da recessão sem fim e o desastre, mais uma vez, das políticas neoliberais, o retorno de certa heterodoxia, de estímulo da demanda foi rapidamente acionado. Para tanto, a liberação de renda pelo Estado com o intuito de estimular o consumo foi providenciada.

Assim, a injeção de recursos através das contas inativas tanto do FGTS como do PIS/Pasep e o perdão tributário liberaram recursos adicionais ao consumo que contou ainda com a queda da inflação e da taxa nominal de juros. Dessa forma, o governo Temer conseguiu que ano de 2017 terminasse empatado, com sinais de estagnação do PIB e sem horizonte confiável de recuperação sustentável da economia.

Mas isso não seria pouca coisa frente ao desastre anunciado pela fajuta política econômica implementada. A evidente alegria do condomínio de interesses apoiadores dos golpistas vem sendo propagandeada recorrentemente pelos meios de comunicação, concomitante com todo o apelo para a aprovação da injusta reforma da previdência. 

Destaca-se que no governo Dilma, por exemplo, a variação positiva da economia – bem maior – que a produzida por Temer era denominada de pibinho. Agora, somente a inexistência de variação negativa do PIB vem sendo valorizada ao extremo.

Tudo isso, contudo, não se mostra suficiente para permitir o surgimento de candidatura pelo lado dos golpistas suficiente para indicar vitória no pleito presidencial, em condições livres e democráticas, no ano 2018. Por isso e sem alternativas, o que resta ao golpismo fracassado é a persistência no avanço da injustiça sobre a candidatura de Lula, a única que desponta, possivelmente, como vitoriosa. 

Suspender as eleições presidenciais como a ditadura militar fez em 1965 não estaria descartada, como medida de extremo desespero. Mas antes disso, há diversas possibilidades: o presidencialismo mitigado, o parlamentarismo e, sobretudo, a exclusão de Lula.

Nesta perspectiva que a decisão do TRF-4 não poderia ter causado surpresa. Simplesmente porque o golpe continua ativo e em curso. Quanto maior o seu fracasso em produzir oportunidades de continuidade, mais ampliado tende a ser o aprofundamento das injustiças no Brasil.

* Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), ambos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

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Reformas trabalhista e da Previdência são ‘combinação explosiva’ para o trabalhador

Eduardo Fagnani, professor da Unicamp, diz que propaganda oficial enganosa omite que a maioria dos pobres vai ser afetada pela PEC 287. “Há uma campanha terrorista. O governo não tem argumentos”

por Glauco Faria, para a RBA publicado 28/01/2018 14h43, última modificação 29/01/2018 14h06

São Paulo 
Esse governo tem até 2018 para implantar um programa que não foi respaldado pelas urnas, um programa liberal que se tenta implantar no Brasil há pelo menos 40 anos, e o golpe parlamentar foi essa oportunidade de implantar a chamada agenda do mercado.” É assim que o professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp) Eduardo Fagnani avalia a insistência do governo em aprovar a “reforma” da Previdência, cuja votação está agendada para 19 de fevereiro, na Câmara dos Deputados.

Em entrevista à Rádio Brasil Atual, Fagnani é taxativo ao dizer que a propaganda oficial mente ao dizer que os mais pobres não serão afetadas pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287. “É uma estratégia. Como se eles estivessem fazendo uma reforma que atinge apenas os marajás do serviço público. Isso não é verdade“, aponta, destacando as dificuldades que o trabalhador terá para conseguir acesso ao benefício. “Para ter aposentadoria integral precisa contribuir durante 44 anos, isso inviabiliza, ninguém mais vai ter aposentadoria integral no Brasil. Isso é superior ao tempo de contribuição que os países desenvolvidos adotam.”

Para o economista, a combinação dos efeitos da “reforma” trabalhista, que precariza os empregos e diminui as receitas previdenciárias, com a proposta de mudanças do governo no sistema previdenciário inviabilizam o sistema, aumentando ainda mais a desigualdade no país. “Antes da reforma trabalhista, em média, 50% do trabalho era informal, mas no Maranhão esse índice é de 75%. Essas pessoas em geral não contribuem para a Previdência e não vão conseguir ter os 15 anos (de contribuição mínima). Isso não só prejudica as camadas de menor renda mas a população que mora nas regiões Norte e Nordeste, o que vai ampliar a desigualdade regional e a desigualdade de renda no país.”

Confira abaixo a íntegra da entrevista.


A propaganda do governo diz que os mais pobres não serão afetados pela reforma da Previdência, mas, pela sua análise, mesmo com as mudanças feitas a partir da proposta original eles continuam sendo os mais afetados pela PEC 287. É isso mesmo?

Sim. A reforma também atinge os trabalhadores de menor renda, do chamado regime geral da Previdência Social. Esses trabalhadores, quase 100% dos rurais, por exemplo, recebem o piso do salário mínimo; mais de 80% dos aposentados do INSS urbano também recebem o piso. No regime geral, a média do benefício é em torno dos 1,5 a 1,6 mil reais.

O governo diz que esse pessoal não vai ser afetado. Mentira. Quem são os privilegiados para o governo? É o servidor público, e a propaganda enganosa do governo dá a entender que a reforma só vai atingir esse segmento, e não é verdade. A ideia do combate ao privilégio, que teria como alvo o servidor público federal, esconde o fato de que a maioria da população pobre, de baixa renda, vai ser afetada pela reforma.

E nem dá para dizer que o servidor público é exatamente um privilegiado. Existem poucas carreiras em que se ganha muito, mas a média da remuneração em geral é pouco maior que a do trabalhador da iniciativa privada…

Exatamente. A média do servidor público está em torno de quatro, cinco mil reais. Existem algumas categorias, em especial do Judiciário e do Legislativo, que têm salários acima de 30 mil reais, além de auxílio-alimentação e outros itens que transformam essa remuneração em valores altíssimos. Para restringir esses salários é muito simples, basta que se cumpra a Constituição. E o que ela diz? Nenhum salário deve ser maior que o salário do presidente da República. É muito mais fácil exercer a Constituição do que fazer uma reforma desse tipo.

E outra coisa importante, que pouca gente sabe, é que existem várias situações diferentes entre os servidores públicos. Você acha que o gasto da Previdência com o setor público em 2040, 2050, vai aumentar? Não vai, vai cair. Foram mais de 20 anos para aprovar uma legislação constitucional complementar em 2013 que cria o teto, qualquer servidor público que entrar no serviço público a partir de 2012 tem o teto igual ao do INSS. É outra mentira que o governo diz, porque a situação de longo prazo já foi equacionada.

Nessa campanha publicitária do governo, o servidor público entra como bode expiatório para desviar a atenção de outros pontos da reforma da Previdência que afetam a população.

É uma estratégia. Como se eles estivessem fazendo uma reforma que atinge apenas os marajás do serviço público. Isso não é verdade. Essa reforma, insisto, pega o trabalhador rural, de baixa renda, que se aposenta pelo INSS com muita dificuldade e tem uma contribuição equivalente a um salário mínimo.

Sobre os efeitos dessa reforma, o valor médio da aposentadoria tende a cair e vai ficar muito mais difícil para o trabalhador conseguir a aposentadoria integral?

Aposentadoria integral acabou. Para conseguir a aposentadoria integral, que na prática é o teto de 5,5 mil reais tanto para o setor público quanto para o privado, isso vai ser impossível. Para ter aposentadoria integral precisa contribuir durante 44 anos, isso inviabiliza, ninguém mais vai ter aposentadoria integral no Brasil. Isso é superior ao tempo de contribuição que os países desenvolvidos adotam.

E que tem expectativa de vida maior que a do Brasil…

Tem tudo mais que o Brasil, expectativa de vida, renda per capita, IDH… Fizemos um documento com mais de 30 indicadores que mostram que é impossível fazer uma reforma no Brasil se inspirando no padrão dos países europeus, desenvolvidos, mas mesmo eles não exigem 44 anos de contribuição.

Aposentadoria integral, esquece, o que você pode ter é uma parcial. O governo queria inicialmente, para a parcial, exigir contribuição de 25 anos junto com o limite de idade, 65 anos para homens e 62 para mulheres. A sociedade gritou, eles recuaram, se tivesse 25 anos para a aposentadoria parcial, menos de 80% da população conseguiria comprovar 24 anos, excluiria todo esse segmento. Depois, baixaram para 15 anos e você pode dizer “poxa, agora está tudo bem”. Não está, e por duas razões. A primeira: com 15 anos de contribuição você tem 60% da aposentadoria. Segunda razão, antes da reforma trabalhista, já era difícil uma pessoa de baixa renda comprovar 15 anos de contribuição e quem não consegue vai para o benefício assistencial. Com a reforma trabalhista, o que vai acontecer? Vai se tornar quase impossível porque vai haver uma tendência de redução dos empregos com carteira assinada, que contribuem para a Previdência, e vão aumentar os empregos temporários.

Como já está acontecendo.

Trabalho por hora, o trabalho intermitente… A tendência de contratação de pessoas jurídicas, cujas alíquotas são 50% do que paga o trabalhador com carteira assinada. A reforma trabalhista vai tornar o legal o trabalho precário. O Dieese diz que antes da reforma trabalhista uma pessoa em média, durante 12 meses, conseguia contribuir apenas nove meses por conta da rotatividade e da informalidade. Com a reforma trabalhista, vai reduzir esse período em que ele consegue contribuir. Isso também afeta os pobres, ao contrário do que eles dizem, não é uma proposta para acabar com os privilégios, mas para acabar com o direito à aposentadoria no Brasil, inclusive nas camadas de baixa renda.

Até porque a precarização do trabalho é maior nas camadas de mais baixa renda, e mesmo quando existe nas de alta, é possível a pessoa acessar outras alternativas, ao contrário dos mais pobres.

Não só nas camadas de mais baixa renda, como você falou corretamente, mas nas regiões mais pobres do país. Por exemplo, antes da reforma trabalhista, em média, 50% do trabalho era informal, mas no Maranhão esse índice é de 75%. Essas pessoas em geral não contribuem para a Previdência e não vão conseguir ter os 15 anos. Isso não só prejudica as camadas de menor renda mas a população que mora nas regiões Norte e Nordeste, o que vai ampliar a desigualdade regional e a desigualdade de renda no país.

O governo fala que essa reforma é para salvar a Previdência Social e que garantiria que o aposentado recebesse seu benefício no futuro. Mas, na prática, a combinação da reforma trabalhista com a da Previdência inviabiliza o sistema no curto e médio prazo com a queda da arrecadação.

Muito bem colocado. É uma combinação explosiva, já escrevemos isso, vários colegas, há um ano atrás. Isso vai quebrar a Previdência. Só a reforma da Previdência já tem um potencial enorme de reduzir as receitas do sistema previdenciário. O trabalhador rural não vai conseguir pagar e não vai contribuir. Por que pagar se não vai poder usar? Os jovens veem e pensam: “escuta, vou ter que contribuir 44 anos sem faltar um mês para ter aposentadoria? Dane-se, não vou contribuir”.

As camadas de maior renda vão para a previdência privada, que cresce 30% ao ano desde 2015. Só a reforma da Previdência tem o potencial de quebrar o sistema. Mas, juntando com a reforma trabalhista, esse potencial aumenta enormemente. As pessoas, ao invés da carteira assinada, vão estar no emprego temporário, de curta duração, com contribuição durante um período muito curto. Ou vão estar em um trabalho precário, que agora passou a ser legalizado, e não vão contribuir.

Esse é o projeto. Vai chegar daqui a quatro, cinco anos e não vão ver a redução da receita que vai acontecer, só vão dizer “o déficit aumentou”. Eles não querem saber que o déficit aumentou por conta da redução da receita, da recessão da economia, da reforma trabalhista que eles fizeram. O déficit aumentou, então vão tentar fazer a reforma que querem fazer, que simplesmente extingue a possibilidade de a pessoa ter direito à proteção à velhice.

E o governo ao mesmo tempo que investe contra o trabalhador com retirada de direitos e dificuldade de acesso à aposentadoria não demonstra se importar com ingresso de receitas por meio de cobrança de débitos bilionários. É um Robin Hood às avessas.

Há uma campanha terrorista. O governo não tem argumentos, não quer debate. a única maneira de fazer isso é pelo terrorismo e um deles é esse: sem a reforma da Previdência, o Brasil quebra. Mas o governo quer economizar com essa reforma, 500 bilhões em 10 anos. Hoje, a dívida das empresas com o governo é de 500 bilhões. Se cobrasse essa dívida, já faria a economia de 10 anos.

Tem várias alternativas para resolver essa questão, e passam pelo crescimento da economia e fazer com que não só os pobres e os trabalhadores paguem a conta. Há uma série de mecanismos de transferência de renda pra os ricos que se mantêm intocável. Esse estoque de transferência resolve facilmente o problema da Previdência.

Quais são essas alternativas?

O governo quer fazer uma reforma para economizar 50 bilhões de reais anualmente em um período de 10 anos. Ele poderia rever, por exemplo, as isenções tributárias que concede a grandes grupos econômicos que, por ano, representam 300 bilhões. O governo deixa de arrecadar todo ano 20% da receita por conta de isenções do andar de cima.

Segunda alternativa: o Banco Mundial diz que o Brasil só perde para a Rússia em termos de sonegação, algo em torno de 10% do PIB. O governo não só não está interessado em investir no sistema de fiscalização como dá uma licença para sonegar com o perdão da dívida. Agora, acabou de refinanciar 1 trilhão e 500 bilhões de refinanciamento por 20 anos.

É um escândalo. Estão cortando o dinheiro da aposentadoria rural e estão fazendo um Refis para o agronegócio, para os grandes produtores rurais. nós pagamos de juros por ano, 400, 500 bilhões. Recentemente, o governo e o Congresso Nacional, o mesmo que está muito preocupado com a Previdência, isentaram as petroleiras internacionais de impostos que se estima que representem 1 trilhão em 25 anos.

Só essa suposta economia que haveria com a reforma da Previdência vai por água abaixo com essa isenção às petroleiras.

E vai beneficiar o que? Petroleiras, à custa de penalizar 110 milhões de pessoas? Só agora, o governo, nesse rolo compressor que está fazendo para aprovar a reforma da Previdência em fevereiro, está gastando, segundo os jornais, 30 bilhões de reais. Quase o primeiro ano de economia já foi embora.

Sem falar na questão crucial que é o crescimento econômico. Você não pode combater só o aumento da despesa, existe a alternativa de melhorar as receitas, o que acontece com o crescimento econômico. Pela Constituição, mais de dois terços das fontes de financiamento da Previdência são contribuição do empregado e do empregador sobre a folha de salário. Se a economia cresce, aumenta o emprego, aumenta o salário, aumenta a receita. Essa é a maneira mais inteligente, vamos dizer assim, de enfrentar a questão da Previdência. Como nós vimos no passado recente. A previdência urbana foi superavitária em mais de 40 bilhões durante vários anos no período recente quando a economia cresceu.

Existem alternativas, mas a ideia não é essa. Esse governo tem até 2018 para implantar um programa que não foi respaldado pelas urnas, um programa liberal que se tenta implantar no Brasil há pelo menos 40 anos e o golpe parlamentar foi essa oportunidade de implantar a chamada agenda do mercado. O que está em jogo é isso, porque um programa como esse não passa pelas urnas, não tem o voto popular. Para fazer isso, não há argumentos técnicos, não se quer o debate público, plural de ideias. Tem que se fazer o que? Terrorismo. Terrorismo econômico, terrorismo financeiro, terrorismo demográfico. Nenhum dos argumentos do governos e sustenta à luz dos dados, das informações.

Qual a importância da resistência e da mobilização popular para barra essa reforma da Previdência agendada para ser votada em fevereiro.

É fundamental. Entendo que há uma certo cansaço da política, uma descrença, mas está na hora de acordar. Na Argentina, houve uma mobilização extraordinária. Sabe qual era a reforma previdenciária na Argentina? Era só mudar o indexador, a correção do benefício, e veja que comoção, que pressão que teve. No Brasil, eles querem acabar com o direito de proteção à velhice dos pobres.

A mobilização popular é importante e não precisa ser em Brasília, tem que se dar nos municípios, porque 2018 é um ano eleitoral. Daqui a pouco, os deputados federais, os candidatos a senador e governador vão pedir votos. Então, faça pressão agora, na base eleitoral, nos municípios. Chame assembleias e questione “deputado, o senhor quer votar a reforma da Previdência, que história é essa?”. Porque no momento seguinte ele vai pedir votos. Esse é um momento importante para que a gente tenha uma tomada de consciência da gravidade do que está sendo votado no país e que as pessoas se mobilizem para impedir esse retrocesso.