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Remediado: é ser menos pobre ou ser mais rico?

Remediado: é ser menos pobre ou ser mais rico?

No Brasil, o grande fator de enriquecimento dentre a maioria das Pessoas Físicas foi obter renda do trabalho com salário de quem possui qualificação do Ensino Superior durante toda a vida profissional ativa.

Fernando Nogueira da Costa

Fonte: A Terra é Redonda
Tradução: Fernando Nogueira da Costa
Data original da publicação: 01/04/2021

Remediado é quem se remediou. Tem situação financeira não muito folgada, mas ela lhe permite atender aos seus gastos. Tem alguma coisa de seu: uma moradia, um veículo… Sou eu! Bilionários só dois eu vi, pobres muitos eu vejo – e da pobreza me afastei.

Remediado é quem se remediou. Tem situação financeira não muito folgada, mas ela lhe permite atender aos seus gastos. Tem alguma coisa de seu: uma moradia, um veículo… Sou eu! Bilionários só dois eu vi, pobres muitos eu vejo – e da pobreza me afastei.

Afinal, neste país, não é de bom-tom ninguém se apresentar como rico. No máximo, alguns bilionários obsessivos avisam: – “Bill Gates, estou chegando…” Novos-ricos ou “celebridades” se exibem como consumistas compulsivos – até o dinheiro acabar.

Individualmente, eu não posso dar remédio a quem está doente. Posso, no entanto, compor, corrigir, arranjar a vida de quem pede aconselhamento em Finanças Pessoais.

Digo logo: a maior fonte de enriquecimento não é o mercado de capitais, mas sim a renda do trabalho. Investimentos financeiros protegem o poder aquisitivo do acumulado com essa renda laboral. Apenas no ciclo final da vida financeira os rendimentos dos juros devem superar os rendimentos do trabalho, no caso, costuma de ser da aposentadoria.

Se a pessoa não impedir, evitar por si só a entrar na miséria, é difícil socorrer, auxiliar quem não se esforça via estudos. Para se prover do indispensável, a partir da infância, é necessário investir em educação até o nível superior, quiçá a pós-graduação.

Economistas denominam acumulação de capital humano o acréscimo gradativo da capacidade pessoal de ganho. É o conhecimento (e/ou habilidade) adquirido e capaz de lhe prover de renda até a morte, sem a incapacitação física ou mental com a demência.

A Doença de Alzheimer é um transtorno neurodegenerativo progressivo e fatal. Ela se manifesta pela deterioração cognitiva e da memória, comprometimento progressivo das atividades de vida diária com alterações comportamentais. Esta doença, embora seja consequente do aumento da longevidade humana, ainda não tem cura. Seria prioritária a pesquisa de seu medicamento preventivo ou um remédio para a curar.

Em situação social de pobreza, é possível socorrer-se a si próprio, procurar por si só os recursos dos quais carece?

“Seja o senhor quem for, eu sempre dependi da bondade de estranhos”. Essa frase da peça (e filme) Um bonde chamado desejo, autoria de Tennessee Williams, é confirmada no dia a dia, quando nos deparamos diante de alguém com empatia.

Ela tem a capacidade de se identificar com outra pessoa, de sentir o que ela sente, de querer o que ela quer: sair de uma situação difícil. Altruísmo é um tipo de comportamento encontrado em seres humanos com ações voluntárias em benefício de outros.

A empatia envolve aprimorar três componentes. O componente afetivo baseia-se em compartilhar ou ter compreensão de estados emocionais de outros. O componente cognitivo refere-se à capacidade de deliberar sobre os estados mentais de outras pessoas. A regulação das emoções lida com o grau das respostas empáticas.

Caso não se tenha a sorte de encontrar pessoas com essas virtudes, o caminho é recorrer às políticas públicas – educação, saúde, segurança, habitacional etc. – como o direito da cidadania. Para tanto, é necessário fazer Política, isto é, ações coletivas em busca delas.

Pobreza é indigência, penúria, carência, escassez, precisão, aperto, mingua, pauperismo, falta de recursos, curteza de meios, desamparo, necessidade, pindaíba. Este miserê leva à angústia, privação, pobreza franciscana…

O sufoco é falta de dinheiro. Ficar na dureza, em circunstâncias difíceis, é uma curteza de meios de sobrevivência. Com a bolsa vazia não se deve apelar para a mendicância, mas sim para a política social.

Cuidar-se em Postos de Saúde (SUS) é um sufoco, mas não há escapatória, quando mesmo um Plano de Saúde de “remediados” não oferece tudo quanto um de quem vive na riqueza principesca ou nababesca. Escolas, colégios e universidades públicas já foram – e ainda se encontram – com a melhor qualidade de ensino. Dou meu testemunho pessoal por sempre ter cursado nesses estabelecimentos sem jamais pagar pelo ensino.

Afinal, quem neste país é capitalista, nababo, plutocrata, (multi)milionário, miliardário, biliardário? Quantos tem a burra cheia, a bolsa repleta e pertence à aristocracia do dinheiro, plutocracia, elite, Classe A? Quais são os graúdos, os detentores das riquezas, os possuidores das fortunas colossais?

A imagem pública de ser rico é nadar em dinheiro como o Tio Patinhas, rolar em riqueza, ter a bolsa bem provida com meios para viver folgadamente. Para ser um poço de dinheiro, jorrar dinheiro pelo ladrão, ser homem de muitas posses, viver na opulência, girar com milhões, ganhar mundos e fundos, lavar a égua, é ter o destino da “sorte do berço… de ouro”?

Nem sempre, embora muitos bilionários da lista Forbes sejam herdeiros de bilionários mortos. O caminho para enriquecer, enricar, enriquentar, apotentar, opulentar, não é locupletar-se ao ganhar dinheiro ilícito. Para arranjar a vida, desempobrecer, adorar o bezerro de ouro, nem todos conseguem obter um grande dote do casamento.

Vale o provérbio “onde fala o ouro, cala a razão”? Ora, é mais adequado usar a razão para escapar de estar com uma mão atrás e outra na frente, sem eira nem beira…

Outro provérbio sugere “pobreza não é vileza, apenas rareia-lhe o dinheiro no bolso”. Daí o roto, coitado, desgraçado, desvalido, despossuído (como ex-escravo), por se sentir desamparado, deve recorrer ao crédito ou à confiança no cartão recebido?

Abrir conta-corrente e ter cartões de crédito passou a ser quase universalmente acessível no mundo digital das fintechs e dos neobancos. No fim de 2011, eram 78,4 milhões de cartões de crédito e 84,9 milhões cartões de débito ativados. No fim de 2022, já eram 208,8 milhões cartões de crédito ou 2,5 vezes mais. Cartões de débito foram 172,3 milhões ativados, acima do dobro nesses onze anos.

Mas dívida é obrigação, compromisso, responsabilidade. Atraso, quando não um calote, leva em cada dois devedores de crédito rotativo, um ser inadimplente. O justo adimplente paga por esse pecador, porque bancos não podem perder o dinheiro de outros clientes. Daí os juros impagáveis… Parece usura, agiotagem, mas é obrigação.

Pesquisa do Anuário Bancário Brasileiro 2023 sobre perfil dos clientes dos bancos revela a estratificação social da população atendida: metade (53,7 milhões) tinha renda baixa, 40% (43 milhões) renda média, 9% (9,7 milhões) renda alta, o 1% mais rico era composto por 1,1 milhão pessoas. Quando considerava a massa de rendimentos, os 50% de renda baixa tinham 11,6% dela, os 40% da renda média, 23,4%, os 9% da renda alta, 17,4% e o 1% da renda superior, 47,3%. Há concentração dentro do topo!

Esses números explicam o sentimento de quem não pertence ao 1% não se apresentar como “rico”, mas sim como “remediado”. Mas aquilo é fluxo de renda recebida, outra concentração se encontra no estoque de riqueza acumulada (financeira, imobiliária, automotores, joias etc.), segundo DIRPF AC2022.

Entre os declarantes, o centil 100, sozinho, apropria 32% do total de bens e direitos. Somando os 5 centis superiores possuem 50%, ou seja, os centis de 95 a 99 possuem 18% do total.  Os 10 centis superiores concentram 59% da riqueza nacional, logo, os centis de 90 a 94 possuem 9% do total.

Aqui, ganhar acima de cinco salários-mínimos (R$ 7.000) já entra nos 10% mais ricos, acima de dez (R$ 14.000) nos 5% mais ricos e acima de trinta (R$ 42.000) no 1% do topo.

No Brasil, o grande fator de enriquecimento dentre a maioria das Pessoas Físicas foi obter renda do trabalho com salário de quem possui qualificação do Ensino Superior durante toda a vida profissional ativa. A partir do planejamento de sua vida financeira, enricou quem soube usar a política de juros reais, na renda fixa, substituta da correção monetária, para proteger seu poder aquisitivo em longo prazo.

Entre 1995 e 2000, os juros nominais mensais estiveram acima de 2%. Nas últimas décadas, houve os ciclos de 2001-2008 (16,8% de taxa de juro anual média contra 7% de taxa de inflação), 2009-2013 (9,6% contra 5,9%), 2014-2017 (12,2% contra 6,6%), 2018-2021 (4,9% contra 5,7%) e 2022-2023 (12,7% contra 5,1%).

Depois do ciclo inicial (2001-2008) de juro real médio anual de 9,2%,  o último (2022-23) foi o maior (7,2%). Superou até o do “ciclo golpista” (2014-17) de 5,2%.

Similarmente, em dezembro de 2023, os segmentos do Varejo Tradicional, Varejo de Alta Renda e Private Banking acumularam cada qual quase R$ 2,2 trilhões, somando o volume financeiro total de R$ 6,5 trilhões. Porém, eram respectivamente 143 milhões, 16 milhões e 159 mil clientes. A proporção da riqueza financeira per capita aproximava-se de R$ 13.000 no “varejão”, R$ 130.000 dos “remediados” e R$ 13.000.000 dos “ricaços”: dez vezes mais entre os primeiros, cem vezes entre os segundos, ou seja, mil vez entre os dois extremos. Ser “remediado” é ser menos pobre ou ser mais rico?

Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP).

DMT

https://www.dmtemdebate.com.br/remediado-e-ser-menos-pobre-ou-ser-mais-rico/

Remediado: é ser menos pobre ou ser mais rico?

Direito e proteção para quem trabalha mediado por plataforma: um inovador primeiro passo

Que a disjuntiva do “tudo ou nada” não nos conduza mais uma vez a novas derrotas que sempre trazem perdas irreparáveis aos trabalhadores.

Clemente Ganz Lúcio

Fonte: Blog do Clemente, com Poder 360
Data original da publicação: 07/04/2024

As Centrais Sindicais lançaram, em 2022, a Pauta da Classe Trabalhadora 2023/2026, documento no qual apresentaram diretrizes desafiadoras para o desenvolvimento do Brasil. Uma das prioridades é implementar um marco regulatório de proteção social, trabalhista, previdenciária e sindical a todas as formas de ocupação, de emprego e de relações de trabalho mediados por novas tecnologias, com destaque para trabalhadores mediados por plataformas e aplicativos.

Essa demanda foi apresentada pelas Centrais Sindicais ao Presidente Lula e ao Ministro do Trabalho, Luiz Marinho, e foi encaminhada através do Decreto Nº 11.513 (01/05/2023), que criou o Grupo de Trabalho Tripartite (trabalhadores, empresas e governo), com 15 representantes de cada bancada, com a finalidade de elaborar propostas de “regulamentação das atividades de prestação de serviços, transporte de bens, transporte de pessoas e outras atividades executadas por intermédio de plataformas tecnológicas”. Esse GT organizou inicialmente seu trabalho em dois subgrupos, um para tratar do transporte de pessoas e outro do transporte de mercadorias. As Centrais Sindicais mobilizaram dirigentes e lideranças de base desses segmentos de trabalhadores que, conjuntamente, constituíram a sua representação no Grupo Geral e nos dois subgrupos, e contaram com assessoria técnica do DIEESE e jurídica das Centrais Sindicais.

Foi longo o processo de percorrer o caminho tortuoso para inicialmente enunciar as pautas, as demandas e as reivindicações das três partes: trabalhadores, empresas e governo. Os trabalhadores construíram juntos e apresentaram sua Pauta com 11 questões: regulação tributária e trabalhista; prevalência dos acordos e convenções coletivas; direitos sindicais; negociação coletiva; flexibilidade do trabalhador para definir seus horários de trabalho; vínculo de trabalho; jornada de trabalho; seguridade social; remuneração mínima; transparência; saúde e segurança; e, exercício e processo de trabalho. As empresas também apresentaram suas propostas. As agendas estão detalhadas no documento “Síntese Especial – o acordo tripartite para regulamentação do trabalho em plataforma de transporte remunerado de passageiros”, produzido pelo DIEESE e disponível em www.dieese.org.br.

O tratamento de toda a pauta, item por item e suas relações, organizou uma agenda de debates e de embates propositivos. A mediação no processo de negociação exercida pela bancada do governo e os duros posicionamentos de cada bancada foram conformando as possibilidades ou os impasses para a construção do espaço para o acordo. No caso do transporte de pessoas, esse espaço foi identificado e materializado em um acordo. Já no caso do transporte de mercadorias, isso ainda não aconteceu.

A pauta foi explicitada com os diagnósticos dos problemas e acompanhada da demanda propositiva. A partir dos problemas foram enunciados desafios que indicavam os interesses das partes. À medida que os trabalhos avançavam, ficava clara a complexidade contida no contexto de cada âmbito problemático colocado sobre a mesa de negociação. Muitas velhas questões apareceram com novas roupagens. Inúmeras novas questões traziam desafios inéditos. Escolhas foram compartilhadas para que fossem dados alguns passos.

Cada bloco de desafios foi endereçado e tratado em âmbitos negociais específicos, como a regulação da atividade econômica das empresas, as tratativas da previdência social, os direitos trabalhistas e as relações de trabalho, a forma de representação e de contratação coletiva, as políticas de saúde e segurança no trabalho, as políticas de renovação de frota e de preservação da qualidade do serviço, entre outras dimensões destacadas. Cada tratamento específico era relacionado com os demais campos temáticos. E assim se foram processando as negociações que estruturaram uma agenda de trabalho de longo prazo, que deve ser contínua para tratar de forma progressiva e articulada toda a agenda sistematizada.

Esse breve resumo de parte do processo percorrido até o presente indica alguns dos motivos pelos quais as Centrais Sindicais defendem e investem na negociação coletiva como instrumento permanente de regulação das relações de trabalho. A autonomia dos trabalhadores se expressa na Pauta, materializa-se na negociação e no acordo. Nesse âmbito negocial, cada contexto situacional pode ser tratado na sua complexidade específica, bem como as relações mais gerais são compartilhadas. É nesse espaço de negociação coletiva, considerado como um processo permanente de regulação, que acordos definem, para um período, as regras para reger as relações de trabalho. Assim, concluído um acordo e enquanto está em vigor, inicia-se o processo de construção do próximo acordo no mesmo espaço da negociação coletiva.

Nessa longa e dura negociação, a representação da categoria, que está em processo de organização, estabeleceu com as empresas e o governo um debate propositivo de alto nível. O primeiro passo foi dado no âmbito das empresas de transporte de pessoas, para o qual foram definidas as primeiras regras para reger as relações de trabalho e definir as bases para a proteção previdenciária. Dada a natureza das normas construídas, algumas exigem mudanças legislativas, foi construído e encaminhado ao Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar 12/2024.

O acordo tripartite garante ao motorista autônomo, condição jurídica híbrida, de um trabalhador formalmente autônomo com proteção previdenciária e trabalhista, trabalho decente, direito e acesso à informação, capacidade de organização sindical, direito de representação e de contratação coletiva.

A demanda dos trabalhadores pela qualificação da condição ocupacional de autônomo, no caso de transporte de pessoas, foi devidamente caracterizada como uma relação de trabalho entre a empresa que opera o aplicativo e a pessoa que trabalha de forma autônoma. Cabe ao trabalhador decidir sobre dias, horários e períodos em que se conectará ao aplicativo, sem exigência de exclusividade, conforme assinalado na Pauta dos Trabalhadores.

O direito à organização e representação sindical com atribuições negociais para firmar acordos e convenções coletivas, outra demanda da Pauta, ficou estabelecido. Assim, as negociações coletivas continuarão e serão o instrumento para avançar nas conquistas, o que exigirá continuidade no processo de organização da representação e de expressão dos interesses.

A autonomia de cada trabalhador e a qualidade da negociação coletiva dependem do acesso à informação, outro ponto caro da Pauta sindical. Ficou acordado o direito de acesso com transparência às informações que são atualmente de domínio das plataformas (oferta de viagens, pontuação, bloqueio, suspensão e exclusão), bem como foram definidos mecanismos para questionar medidas das plataformas e estabelecidas diretrizes política para a eliminação de todas as formas de discriminação.

Outra demanda que teve avanço foi a efetivação do direito à participação no sistema previdenciário, com os trabalhadores e trabalhadoras passando a ter o direito à aposentadoria, aos auxílios saúde e maternidade e a garantia de proteção da família. Os trabalhadores contribuirão com o regime geral da previdência social com uma alíquota de 7,5% e as empresas com uma contribuição quase três vezes maior, de 20%. Atualmente, menos de um quarto dos trabalhadores têm alguma cobertura previdenciária.

Na Pauta constava a demanda de garantia de um piso remuneratório e de cobertura de custos. O acordo chegou ao valor de R$ 32,10 por hora como piso remuneratório e de cobertura de custos, o que para uma jornada de oito horas/dia ou 176 horas/mês garante uma remuneração base de R$ 5.650,00. Destaca-se que essa remuneração é mínima, pois a renda mensal de cada trabalhador autônomo continuará sendo definida pelo preço dinâmico das corridas e as variações de tempo e distâncias continuarão sendo contabilizadas.

O acordo trata de outras questões que estão reunidas no documento acima citado, produzido pelo DIEESE. O desafio imediato de promover acordos para as relações de trabalho nas plataformas de transporte de mercadorias permanece. Propor e viabilizar políticas e programas voltados à modernização da frota, de saúde e segurança, entre outros, fazem parte da pauta para as próximas negociações.

Como em todas as milhares de negociações que há décadas o sindicalismo brasileiro realiza em todo o território nacional, também esse processo negocial não optou pela disjuntiva do “tudo ou nada”. O acordo trata e regula muitas das propostas da Pauta dos Trabalhadores. Não trata de tudo e nem responde a todos os conteúdos reivindicados. Porém, essencialmente, cria os instrumentos, demandados na Pauta, para que a luta e o processo negocial continuem para uma representação coletiva de trabalhadores/as autônomos/as.

Lembro que nas duas últimas décadas essa estratégia de tudo ou nada levou a que negociações nacionais, bem conduzidas e com propostas muito interessantes para o acordo, dessem em nada para os trabalhadores ou deixassem vazios para a destruição da possibilidade de direitos. Por exemplo, não temos hoje jornada de 40 horas porque ficamos com a demanda de 40 horas já. Como a proposta era reduzir gradativamente, em etapas, a jornada de trabalho para 40 horas, proposta que não foi aceita, permanecemos com a jornada de 44 horas semanais. E lá se vão mais de 20 anos sem a redução da jornada de trabalho! Outro exemplo: no mesmo período, uma boa proposta de regulação das relações de trabalho em empresas terceirizadas com responsabilidades das contratantes foi construída na mesa nacional de negociação. Prevaleceu no campo sindical a pauta do “fim da terceirização já” e o resultado foi a terceirização sem limite e sem regras autorizada em lei no setor privado e público. Hoje, a precarização corre solta, amparada pela lei.

Que a disjuntiva do “tudo ou nada” não nos conduza mais uma vez a novas derrotas que sempre trazem perdas irreparáveis aos trabalhadores e às trabalhadoras. Derrotas estão no horizonte se não for construído um outro caminho, que acima foi apresentado. O acordo foi construído na mesa de negociação, com a representação sindical constituída, e um processo negocial permanente foi concebido. Está aberta a oportunidade de afirmar o princípio da autonomia das partes interessadas de, por meio dos instrumentos de representação constitucionalmente definidos para a negociação e a contratação coletiva, firmar as regras que irão reger suas relações de trabalho de milhares de trabalhadoras e trabalhadores.

Clemente Ganz Lúcio  é  Sociólogo, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, membro do CDESS – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável da Presidência da República, membro do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil, consultor e ex-diretor técnico do DIEESE (2004/2020).

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Remediado: é ser menos pobre ou ser mais rico?

As virtudes ecológicas da redução da jornada de trabalho

redução da jornada de trabalho é uma reivindicação antiga dos ambientalistas, nos leva a ter mais tempo para cuidar de nós mesmos e dos outros e a nos perguntar: do que realmente temos necessidade?

A reportagem é de Héloïse Leussier, publicada por Reporterre, 10-04-2024. A tradução é do Cepat.

Uma semana “em” quatro dias, sim. Trabalhar menos? Certamente não. “Sou contra a redução da jornada de trabalho”, deixou claro o primeiro-ministro Gabriel Attal durante sua participação no canal TF1 na quarta-feira, 27 de março. Ele comentava a experiência da semana de quatro dias do funcionalismo público, anunciada pelo governo. Trata-se de uma compressão do tempo de trabalho e não de uma redução. Não é hora de vitória para os defensores das semanas mais leves, como os sindicatos CGT e Solidaires, que há anos defendem as 32 horas. Esta experiência ainda é uma oportunidade para retomar os debates sobre o tempo de trabalho assalariado.

Aumentar o tempo livre é uma condição para preservar melhor o planeta?

A redução da jornada de trabalho – também chamada de “RTT” – é, “acima de tudo, uma reivindicação do movimento operário”, lembra o historiador Willy Gianinazzi. Mas “os pioneiros da ecologia política na França”, como o filósofo André Gorz e o agrônomo e político René Dumont, também a defenderam desde a década de 1970. “Gorz defendeu a redução da jornada de trabalho na perspectiva do decrescimento”, diz Willy Gianinazzi. Trabalhar menos poderia, segundo Gorz, permitir-nos ter mais tempo para nos dedicarmos a atividades não mercantis, em harmonia com a natureza.

Tempo recuperado

A redução da jornada de trabalho sempre foi uma reivindicação dos ambientalistas na França. “Na época da reforma das 35 horas [no início dos anos 2000], os Verdes já defendiam uma semana de 32 horas”, destaca Willy Gianinazzi. E os ambientalistas continuam a reclamar isso hoje. A deputada verde Sandrine Rousseau reivindica inclusive o “direito à preguiça”. Uma referência à famosa obra homônima do ensaísta Paul Lafargue, publicada em 1880. “A vida não se resume ao trabalho”, explicou a parlamentar.

Em Paresse pour tous (Le Tripode, 2021) e La Vie est à nous (Le Tripode, 2023), o escritor com o pseudônimo de Hadrien Klent descreve uma França em que as pessoas trabalham apenas três horas por dia. “A preguiça não é vacância, nem indolência, nem depressão. A preguiça é algo completamente diferente: é construir a própria vida, o seu ritmo, a sua relação com o tempo – não mais estar submetido a ele. A preguiça no século XXI significa ter tempo para cuidar de si, dos outros e do planeta”, escreve.

A preguiça significa ter tempo para cuidar de si, dos outros e do planeta – Hadrien Klent

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Tempo livre para cuidar do planeta significa, por exemplo, reservar um tempo para consertar em vez de comprar coisas novas, cozinhar ou fazer seus próprios produtos de limpeza, participar de iniciativas como a Associação para a Manutenção da Agricultura Camponesa (Amap), andar de bicicleta ou de trem em vez de carro, etc.

Em todo o caso, os estudos mostram que os usos do tempo liberado por um terceiro dia livre na semana “são mais usos de sobriedade do que de consumo”, explica o sociólogo Jean-Yves Boulin, especialista em trabalho e emprego, entrevistado pelo jornal Ouest France. “As pessoas aproveitam este tempo para estar com a família, para fazer jardinagem, para cozinhar… Desta forma, não é algo que vai no sentido do aumento do consumo de carbono”.

Por outro lado, longas jornadas de trabalho seriam sinônimo de maior degradação ambiental. De acordo com um estudo dos economistas François-Xavier Devetter e Sandrine Rousseau, pessoas que trabalham muito e têm salários altos consomem mais bens e energia. A correlação entre o número de horas trabalhadas e o consumo é particularmente significativa no que diz respeito aos gastos com habitação, hospedagem e restaurantes e transporte, sobretudo nos setores poluentes.

As pessoas que trabalham muito usam menos o transporte público. Comem fora com mais frequência e mais frequentemente produtos congelados ou prontos. Fazem atividades mais voltadas ao consumo, que marcam posição na sociedade e requerem pouco tempo.

Trabalhar menos e produzir menos

Hoje, 10.000 trabalhadores na França trabalham quatro dias por semana – na maioria das vezes 35 horas. “A ecologia não é o aspecto mais destacado por empregadores e empregados”, explica Pauline Grimaud, socióloga pós-doutoranda do Centre d’Études de l’Emploi et du Travail (CEET-Cnam), que estuda atualmente as empresas que implementaram a semana de quatro dias. Suas principais motivações declaradas são “a articulação dos tempos sociais, o bem-estar e a produtividade”, explica ela. “Isso ajuda a manter os trabalhadores”.

Mas sobretudo, as empresas que acompanham a semana de quatro dias com uma redução da jornada de trabalho também são “marginais”, segundo Pauline Grimaud. A mais conhecida é a empresa de informática LDLC, que passou para uma semana de 32 horas, por impulso do seu chefe de comunicação social, Laurent de la Clergerie. Em entrevista ao jornal Sud Ouest, este último está satisfeito por ter colaboradores “que trabalham de forma mais eficiente e muito menos estressados”. Numa reportagem da France Culture sobre um escritório da LDLC perto de Nantes, Antony diz que o seu dia livre lhe permite ter mais tempo para os seus trabalhos e para passar mais tempo com o filho.

Temos que nos perguntar pelo porquê do trabalho. O que produzimos? Para quê? Para quem? – Jean-Marie Harribey

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Mais produtividade, em todo caso, não é o que defendem os partidários da redução da jornada de trabalho na versão ecológica. Pelo contrário, deve ser uma oportunidade para questionar a finalidade do trabalho. “Temos que nos perguntar pelo porquê do trabalho. O que produzimos? Para quê? Para quem?”, observa o economista Jean-Marie Harribey, fervoroso defensor da RTT há várias décadas. “O capitalismo global está esgotando os recursos naturais. Devemos direcionar as capacidades humanas para algo diferente de produzir cada vez mais”, afirma. “É preciso sair do círculo vicioso do trabalho-produção-consumo, cada vez mais devastador para o planeta”, afirma, por sua vez, o filósofo Arnaud François, autor do livro Le travail et la vie (Hermann, 2022). Tanto para preservar os seres vivos como para reduzir o sofrimento social, Arnaud François acredita que devemos “nos perguntar o que é realmente necessário a nível global” e “produzir e trabalhar em conformidade”.

Quais são as nossas necessidades?

Resta pôr-se de acordo sobre o que é realmente “necessidade”. O debate está apenas começando. E também chegar a um acordo sobre como financiar a redução da jornada de trabalho. Neste ponto as propostas divergem. “Precisamos, ao mesmo tempo, reduzir as desigualdades de renda em benefício dos mais pobres. E para evitar um efeito rebote muito grande, ou seja, um aumento do consumo, devemos drenar os salários altos para melhorar os serviços públicos”, estima Jean-Marie Harribey. Em Paresse pour tous (Le Tripode, 2021), o fictício “candidato à preguiça” nas eleições presidenciais Émilien Long acredita que é “economicamente viável ter jornadas de trabalho de três horas” se tributarmos as horas extras, as rendas do capital e das multinacionais digitais, e limitando as disparidades salariais a uma razão de 1 para 4.

Em Travailler moins, travailler autrement ou ne pas travailler du tout (Rivages, 2021), o teórico do decrescimento Serge Latouche escreve que, para ser eficaz, a redução da jornada de trabalho deve “ser massiva” e, claro, acompanhada de todas as outras mudanças implicadas pelo decrescimento. Ele imagina uma fase de transição, “enquanto espera poder abolir a economia”, em que o protecionismo e a inflação deixariam de ser “tabu”, para se afastar da lógica neoliberal.

A questão da redução da jornada de trabalho não pode ser pensada sem se estudar a palavra trabalho em todas as suas acepções – Héloïse Leussier

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A questão da redução da jornada de trabalho não pode ser pensada sem se estudar a palavra trabalho em todas as suas acepções. Porque o trabalho não é apenas o trabalho assalariado ou sujeito à remuneração financeira. “Ouvimos frequentemente que numa sociedade sustentável consumiríamos menos e, portanto, trabalharíamos menos”, disse o filósofo Aurélien Berlan para Reporterre. No entanto, “se consumíssemos menos energia (especialmente combustíveis fósseis), haveria maior necessidade de utilizar trabalho físico e, portanto, energia muscular, nas nossas atividades diárias – o que envolve deslocamentos, construção de casas ou a fabricação de ferramentas. Em vez do direito à preguiça, devemos preparar-nos para pôr mãos à obra se quisermos falar seriamente sobre a sobriedade”.

Aurélien Berlan defende a “recuperação do controle das nossas condições de vida, tentando nós mesmos satisfazer as nossas necessidades”, na linha das feministas da subsistência. Mas devemos garantir, poderíamos acrescentar, que estas tarefas sejam partilhadas. O trabalho doméstico, ou, mais genericamente, o trabalho de cuidado, é hoje em grande parte realizado pelas mulheres e por pessoas racializadas ou migrantes – gratuitamente ou a custos mais baixos. Para usar as palavras da socióloga ecofeminista Geneviève Pruvost, precisamos lutar contra “uma longa invisibilização que vai do trabalho de subsistência, no contato primário com os materiais, ao trabalho doméstico nas nossas cozinhas”.

IHU-UNISINOS

https://www.ihu.unisinos.br/638402-as-virtudes-ecologicas-da-reducao-da-jornada-de-trabalho

Remediado: é ser menos pobre ou ser mais rico?

A responsabilidade civil do empregador diante da Síndrome de Burnout

Laura Thaís Silva Carvalho

Responsabilidade civil implica reparação por atos ilícitos. Burnout, reconhecido como doença ocupacional, pode gerar responsabilidade do empregador por danos.

A responsabilidade civil surge da premissa de que qualquer indivíduo que viole uma norma e cometa um ato ilícito, resultando em danos a terceiros, está obrigado a repará-los. Esta é a maneira pela qual o Estado busca restituir ao ofendido o bem que lhe foi retirado, diminuído ou prejudicado. Tem um caráter tanto punitivo quanto educativo, funcionando como uma forma de reforçar o cumprimento das normas estabelecidas.

A Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional, identificada pelo CID-11 (Classificação Estática Internacional de Doenças e Problemas Relacionados a Saúde) integra o rol de doenças ocupacionais do MTE – Ministério de Trabalho e Emprego, é um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações desgastante, proveniente de um local de trabalho que não foi gerenciado com sucesso.

O termo BURNOUT foi criado pelo psicanalista alemão Herbert Freudenberg em 1974, em inglês significa “queimar por completo”. Essa expressão tem sido utilizada com frequência para descrever um estado de esgotamento mental que é justificado pelo excesso de trabalho, assim definido o nexo de causalidade entre a síndrome e o trabalho surge para o empregador a responsabilidade de reparar os danos ocasionados conforme dispõe o Código Civil:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Por estar intrinsecamente ligada a elementos do ambiente de trabalho, pode ser equiparada a um acidente de trabalho, colocando assim a responsabilidade pela reparação dos danos causados sobre o empregador. Com as evoluções na legislação, a responsabilidade civil adotou o princípio da responsabilidade objetiva, o que implica que, para reivindicar o direito à reparação, é necessário apenas comprovar a ação humana, o nexo de causalidade e o dano.

É importante salientar que um ambiente de trabalho onde há desordem, relações tensas e falta de recursos estruturais, pode gerar no empregado sintomas emocionais negativos como: insatisfação, sentimento de insuficiência, incapacidade para a prática do trabalho, desequilíbrio emocional, irritabilidade dentre outros. Cabe ao empregador a responsabilidade de garantir um ambiente de trabalho salubre e digno com base em princípios fundamentais e sociais.

Neste sentido, Sebastião Geraldo de Oliveira expressa:

“O meio ambiente do trabalho está inserido no meio ambiente geral (art. 200, VIII, da Constituição da República), de modo que é impossível alcançar qualidade de vida, sem ter qualidade de trabalho, nem se pode atingir meio ambiente equilibrado e sustentável ignorando o meio ambiente do trabalho. Dentro desse espírito a CF/88 estabeleceu expressamente que a ordem econômica deve observar o princípio de defesa do meio ambiente (art. 170, VI)”.

Estabelecido o nexo de causalidade entre a síndrome e a atividade desempenhada pelo trabalhador, surge para o empregador a responsabilidade de reparar danos. Dado que se trata de uma doença diretamente relacionada ao ambiente laboral, essa responsabilidade é de natureza objetiva. Carlos Henrique Bezerra Leite descreve a responsabilidade objetiva como:

“A responsabilidade objetiva ocorre quando o causador de determinado dano (moral ou material) tem o dever de indenizar, independentemente da comprovação de que tenha agido com dolo ou culpa, sendo suficiente, portanto, que fique configurado o nexo causal entre a atividade desenvolvida e o dano sofrido pela vítima.”

Caso seja constatado mediante laudo médico a ocorrência do quadro clínico da Síndrome que impeça a continuidade da atividade desempenhada pelo trabalhador, haverá afastamento do trabalho até que ele se recupere. Os direitos assegurados para o trabalhador serão os mesmos direitos previstos àqueles que sofreram acidentes de trabalho.

Nos casos de Síndrome de Burnout relacionada ao ambiente laboral, a Justiça do Trabalho é clara ao considerar o empregador responsável e ao condená-lo a indenizar o empregado por danos morais. Conforme jurisprudências abaixo:

DOENÇA OCUPACIONAL – SÍNDROME DE BURNOUT – INDENIZAÇÃO. Agredidos os direitos da personalidade do trabalhador, submetido habitualmente ao comando de prepostos despreparados, que o levaram a quadro de adoecimento compatível com a Síndrome de Burnout (síndrome do “esgotamento profissional”), o empregador responsabiliza-se pelas indenizações de cunho moral, nos termos dos arts. 186 e 927 do CCB e art. 5º, incisos V e X da Constituição Federal. (TRT-3 – RO: 0011486-43.2015.5.03.0132, relator: Denise Alves Horta, 4ª turma).

REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. SÍNDROME DE BURNOUT. DOENÇA OCUPACIONAL EQUIPARADA A ACIDENTE DE TRABALHO. VALOR ARBITRADO À CONDENAÇÃO. R$ 30.000,00, A TÍTULO DE DANOS MORAIS, REDUZIDO PARA R$ 10.000,00 PELO TRIBUNAL REGIONAL. STRESS OCUPACIONAL E QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO. MAJORAÇÃO DEVIDA. R$ 60.000,00. Dallegrave Neto define o burnout como “um esgotamento profissional provocado por constante tensão emocional no ambiente de trabalho”, ocasionado por um sistema de gestão competitivo, com sujeição do empregado às agressivas políticas mercantilistas da empresa. Segundo Michael P. Leiter e Christina Maslach “a carga de trabalho é a área da vida profissional que está mais diretamente associada à exaustão. Exigências excessivas de trabalho provenientes da qualidade de trabalho, da intensidade dos prazos ou da complexidade do trabalho exaurem a energia pessoal”. Os autores também identificam que, do ponto de vista organizacional, a doença está associada ao absenteísmo (faltas ao trabalho), maior rotatividade, má qualidade dos serviços prestados e maior vulnerabilidade de acidentes no local de trabalho. A síndrome de burnout integra o rol de doenças ocupacionais do MTE. Está inserida no Anexo II do regulamento da Previdência Social. O mencionado Anexo identifica os agentes patogênicos causadores de doenças profissionais ou do trabalho, conforme previsão do art. 20 da lei 8.213/91. Entre os transtornos mentais e de comportamento relacionados ao trabalho (Grupo V da CID-10) consta, no item XII, a síndrome de burnout – “Sensação de Estar Acabado (Síndrome de Burnout, Síndrome do Esgotamento profissional)” , que na CID-10 é identificado pelo número Z73.0. No caso específico dos autos, a gravidade do distúrbio psicológico que acometeu a reclamante é constatada pelas informações de natureza fática registradas no acórdão regional: longo período de afastamento do trabalho, com a concessão de benefício acidentário pelo INSS e o consumo de medicamentos antidepressivos, além de dois laudos periciais reconhecendo que a incapacidade laboral da autora é total, a doença é crônica e não há certeza sobre a possibilidade de cura. Por oportuno, este Relator já teve a oportunidade de se manifestar em matéria semelhante, em que se reconhece como passível de reparação por dano moral a exigência excessiva de metas de produtividade, isso porque o sentimento de inutilidade e fracasso causado pela pressão psicológica extrema do empregador não gera apenas desconforto, é potencial desencadeador de psicopatologias, como a síndrome de burnout e a depressão, o que representa prejuízo moral de difícil reversão ou até mesmo irreversível, mesmo com tratamento psiquiátrico adequado. Atenta-se ao fato de que, além da observância ao meio ambiente de trabalho seguro e saudável, conforme assegura a CF/88, imprescindível considerar, ainda, que cada indivíduo deve ser respeitado em sua singularidade, daí a necessidade de se ajustar o contexto ocupacional à capacidade, necessidade e expectativas razoáveis de cada trabalhador. O Tribunal Regional de origem, ao fixar o valor da reparação por danos morais em R$ 10.000,00, não atentou para as circunstâncias que geraram a psicopatologia que acarretou a invalidez da reclamante, oriunda exclusivamente das condições de trabalho experimentadas no Banco reclamado, período em que sempre trabalhou sob a imposição de pressão ofensiva e desmesurada, com o objetivo de que a trabalhadora cumprisse as metas que lhe eram impostas. Portanto, cabível a majoração do valor da indenização por dano moral para R$ 60.000,00. Recurso de revista conhecido e provido. (TST – RR: 9593320115090026, relator: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 29/4/15, 2ª turma, Data de Publicação: DEJT 8/5/15)

Todavia, a prevenção é o melhor remédio para ambos os lados. É essencial promover um esforço colaborativo entre profissionais e partes interessadas para garantir um ambiente de trabalho saudável, priorizando a proteção da saúde mental e à física. A síndrome de Burnout pode ser tratada através da psicoterapia, mas também a casos que podem envolver medicamentos como antidepressivos. Ademais, é crucial implementar mudanças nos hábitos, estilo de vida e, sobretudo, nas condições de trabalho para reduzir os sintomas e promover a recuperação.

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OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador. 6ªed. São Paulo: LTr, 2010.

Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm

FREUDENBERGER, J. Herbet; RICHELSON, Geraldine. Burnout the hight cost of hight achievement. Doubleday, 1980.

Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/s/sindrome-de-burnout#:~:text=S%C3%ADndrome%20de%20Burnout%20ou%20S%C3%ADndrome,demandam%20muita%20competitividade%20ou%20responsabilidade.

FERNANDEZ, Alexandre Cortez. Direito civil – responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Educs, 2013.

BEZERRA, Carlos Henrique Leite. Curso de Direito do Trabalho. 15ª ed. São Paulo: SARAIVAJUR, 2023

Laura Thaís Silva Carvalho
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário UDF. Colaboradora na área de licitações da Barrreto Dolabella – Advogados.

Barreto Dolabella – Advogados

Migalhas: https://www.migalhas.com.br/depeso/405007/a-responsabilidade-civil-do-empregador-diante-da-sindrome-de-burnout

Remediado: é ser menos pobre ou ser mais rico?

Julgados do TST que espelham os limites da negociação coletiva

Paulo Sergio João

Reforma trabalhista de 2017 ampliou liberdade das negociações coletivas, mas Justiça do Trabalho limita abusos, mantendo equilíbrio nos direitos dos trabalhadores.

As negociações coletivas receberam pela reforma trabalhista, em 2017, maior liberdade em fixar os conteúdos das normas que seriam observadas pelas empresas do setor econômico e que deveriam ser aplicadas aos empregados das respectivas categorias profissionais.

Entretanto, a permissão legal deve encontrar limites que, aos poucos, a Justiça do Trabalho, quase sempre por iniciativa do Ministério Público do Trabalho, vem balizando os abusos nelas previstos.

As negociações coletivas dizem respeito à consolidação de normas aplicáveis ao conteúdo específico das relações de trabalho e dos direitos dos trabalhadores na relação contratual de trabalho.

Então elas devem observar os limites do contrato de trabalho e jamais ampliar seu campo de aplicação para aquelas disposições consideradas de política de estado com objetivos sociais e que apenas ao estado cumpre sua atuação tutelar.

Limites

Existem duas situações recentes julgadas pelo TST que espelham de modo claro tais limites.

Assim, o primeiro, refere-se à negociação com objetivo de flexibilizar a base de cálculo de cotas legais, de aprendizes e trabalhadores com deficiência e o segundo refere-se à possibilidade de fixar por norma coletiva o desconto de banco de horas negativo por ocasião da rescisão contratual.

Para o primeiro caso, quanto a flexibilização das cotas, pretenderam os sindicatos negociadores que somente os trabalhadores administrativos fossem considerados para os fins de cálculo das cotas previstas nos art. 428 e seguintes da CLT e no art. 93, da lei 8213/91.

O site do TST publicou a notícia em 3/4/24, da SDI-2 – Subseção II Especializada em Dissídios Individuais que restabeleceu decisão que havia proibido sindicatos dos setores de asseio e conservação e de segurança privada de Santa Catarina de fazer instrumentos coletivos que flexibilizam a base de cálculo das cotas legais de aprendizagem e de pessoas com deficiências (Processo ROT-549-88.2019.5.12.0000).

O fundamento refere-se ao art. 611-B da CLT que considera ilícito e, portanto, impõe limites à negociação coletiva que proíbe a prática de discriminação e de medidas de proteção legal de crianças e adolescentes e que, no caso, os sindicatos teriam mitigado as cotas legais, contrariando a proibição legal cujo escopo é de proteger os destinatários e não estabelecer discriminação no cumprimento de cotas.

Trata-se de exemplo de cláusula abusiva que exorbita o campo de aplicação das negociações coletivas cujo debate de aprovação em assembleia de trabalhadores gera suspeição, inclusive.

O ministro Dezena da Silva, relator do caso, observa que não se trataria de anulação de cláusula, “mas de caráter inibitório, isto é, de impor aos entes sindicais a obrigação de não mitigar a base de cálculo das cotas legais por meio da negociação coletiva”.

Já o segundo caso, que trata da permissão de desconto salarial de banco de horas negativo, o TST publicou em seu site, no dia 1º de abril, em decisão da 2ª turma, manteve a norma coletiva que permite o desconto de banco de horas negativo ao final de cada período de 12 meses ou nas verbas rescisórias em caso de pedido de demissão ou rescisão por justa causa por não se tratar de direito indisponível assegurado pela Constituição (RR-116-23.2015.5.09.0513).

O voto da relatora, ministra Maria Helena Mallmann, observou que a jurisprudência do STF e aplicou o Tema 1.046 que se refere a limitação de direitos absolutamente indisponíveis previstos na Constituição.

Acentuou a relatora que “A instituição de “banco de horas” com a possibilidade de desconto do tempo injustificadamente não trabalhado ao final de cada período de 12 meses ou nas verbas rescisórias em casos de pedido de demissão ou dispensa por justa causa não é incompatível com a Constituição, tratado internacional ou norma de medicina e segurança do trabalho.

Aliás, ao menos em regra, a norma autônoma em questão oferece ao trabalhador a chance de compensar no período de 12 meses as faltas e atrasos antes do desconto em folha de pagamento, regime mais benéfico do que aquele estabelecido no art. 58, §1º, da CLT.

Frise-se que não há registro de qualquer comportamento malicioso do empregador no sentido de surpreender seus empregados ocultando-lhes o saldo negativo do “banco de horas” ou impedindo-lhes dolosamente a compensação do débito.”

Portanto, duas intervenções do TST em matéria de negociações coletivas de conteúdo diverso, sendo uma de caráter proibitivo na sua flexibilização por se tratar de matéria atinente a obrigação do estado na proteção de trabalhadores menores aprendizes e com deficiência e outra norma de caráter interno das relações trabalhistas, demonstrando que as negociações coletivas enfrentam limites no campo de sua aplicação.

Paulo Sergio João
Advogado, especialista em Direito do Trabalho e Relações Coletivas do Trabalho e sócio fundador do escritório Paulo Sergio João Advogados. Professor dos cursos de Pós-Graduação da PUCSP

Paulo Sergio João Advogados

Migalhas: https://www.migalhas.com.br/depeso/405079/julgados-do-tst-que-espelham-os-limites-da-negociacao-coletiva