por NCSTPR | 16/10/25 | Ultimas Notícias
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem tratado de dois temas latentes para a sociedade brasileira: uberização e pejotização. O primeiro está na pauta do presidente da Corte, ministro Edson Fachin, que busca uma saída negociada para permitir mais garantias aos trabalhadores, mas sem impor a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Já o segundo deverá ser levado ao plenário pelo ministro Gilmar Mendes, que paralisou os julgamentos sobre o tema na Justiça do Trabalho.
Os dois assuntos refletem uma situação em comum: a necessidade de maior proteção dos trabalhadores e de consenso jurídico sobre reconhecimento de vínculo empregatício. No fundo, o que se busca é um entendimento sobre como o país enxerga este mundo do trabalho que corre em paralelo à carteira assinada.
É nesse sentido que o STF irá pautar sua atuação por meio de decisões de repercussão geral, ou seja, os casos analisados servirão como base jurídica para futuros processos.
Neste aspecto, o foco está no direito do trabalho ao passo que os juízes da área têm considerado que sua atuação tem sido esvaziada.
Assim, além de observar uma decisão equilibrada entre os direitos dos trabalhadores e a atuação das empresas, os ministros terão que uniformizar o entendimento da legislação para diminuir a insegurança jurídica criada com decisões conflitantes em diferentes instâncias judiciais. Para completar, os ajustes feitos ainda devem ser realizados no sentido de fortalecer a Justiça do Trabalho, para que os casos sejam solucionados nos próprios tribunais.
Uberização
Ao tomar posse da presidência do Supremo em 1º de outubro, Fachin elegeu como uma de suas prioridades o tratamento da uberização do trabalho.
É consenso na sociedade que é preciso debater as condições oferecidas pelas plataformas de transporte e de entrega, uma vez que os trabalhadores relatam, cada vez mais, jornadas exaustivas e ganhos menores. Também pesa a falta de direitos trabalhistas, já que não têm acesso a benefícios garantidos pela legislação.
Fachin tem um histórico de votações em prol dos trabalhadores, diferente da grande maioria de seus colegas. Dessa forma, tomou uma postura corajosa em colocar para o debate público um assunto que envolve toda a sociedade, pois agrega o sustento de milhares de famílias, envolve a perspectiva dos milhões de usuários desses aplicativos, bem como a visão econômica das plataformas, entre elas Uber, Ifood, Rappi e 99.
O julgamento — que tem base na Reclamação (RCL) 64018, da plataforma Rappi, e no Recurso Extraordinário (RE 1446336), da Uber —, já contou com audições das partes e do advogado-geral da União, Jorge Messias. No entanto, o presidente do STF suspendeu a audiência e informou que a votação deve acontecer em 30 dias.
Apesar de contar com o apoio e a atenção popular, a pressão contrária à oferta de mais direitos é grande. Em outros julgamentos que chegaram ao STF, a primeira turma da Casa derrubou decisões do TST (Tribunal Superior do Trabalho) que reconheciam vínculos trabalhistas.
Nesse sentido, tem se perpetuado a falácia das plataformas de dizer que somente conectam os trabalhadores aos clientes, se imiscuindo da oferta de qualquer benefício.
Com o peso das decisões de seus colegas a favor das demandas das empresas, o entendimento de quem convive no dia a dia do Supremo é que Fachin buscará uma saída negociada.
Isso significa a busca por um meio-termo em que o vínculo formal dos trabalhadores pela CLT não necessite ser reconhecido, mas, em contrapartida, as empresas ofereçam aos entregadores e motoristas melhores condições de trabalho, de suporte técnico e uma definição criteriosa sobre a remuneração, com base em valores mínimos por deslocamento.
Pejotização
Outro assunto similar que está no STF é o da pejotização do trabalho. A denominação se refere ao tipo de contratação que as empresas fazem via pessoa jurídica (PJ) para driblar a legislação trabalhista e reduzir custos.
Este artifício tem encontrado respaldo do Judiciário sob a justificativa da terceirização do trabalho, aprovada como lei, até mesmo para atividades-fim, em 2017.
Em ocasiões passadas, o Supremo proferiu decisões contra o TST e os trabalhadores que buscaram o reconhecimento de vínculo, pois cumpriam as características de um emprego celetista (continuidade no serviço, carga horária definida, subordinação, garantia de salário, entre outros).
O grande contingente de contestações nessa área, que eventualmente chegavam ao STF, fez com que o ministro Gilmar Mendes suspendesse todos os julgamentos da pejotização do país em abril desse ano, o que desagradou os magistrados da área do Trabalho.
No último dia 7 de outubro, ocorreu uma audiência pública no STF que contou com mais de 40 expositores. O tema debatido tem como base o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1532603, relatado por Mendes, que analisa a validade da contratação de trabalhador autônomo ou de pessoa jurídica para a prestação de serviços, burlando a CLT.
Na oportunidade, o assessor jurídico da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Magnus Farkatt, fez duras críticas à terceirização e, consequentemente, à pejotização no Brasil, ao destacar que o país está na contramão do mundo ao diminuir o gasto com remuneração de pessoal em relação ao PIB (Produto Interno Bruto).
Ele também declarou que “todas as vezes em que um contrato de prestação de serviços for utilizado com o objetivo de mascarar a existência de um vínculo empregatício, ele deve ser declarado inconstitucional”. Farkatt relacionou o tema à uberização, ao explicar que a União Europeia recomenda que se reconheça como relação de emprego aquela estabelecida entre os trabalhadores de plataforma e as empresas que os contratam.
No final de setembro, o Senado também recebeu um debate sobre a precarização das relações de trabalho, oportunidade em que a pejotização foi amplamente criticada.
Segundo a coordenadora-Geral de Fiscalização e Promoção do Trabalho Decente do Ministério do Trabalho e Emprego, Dercylete Lisboa Loureiro, entre janeiro de 2022 e julho de 2025, 5,5 milhões de CPFs (Cadastro de Pessoa Física) tiveram os contratos de trabalho extintos e passaram a ser vinculados a um cadastro PJ, dado representado por 6 milhões de empresas vinculadas a essas pessoas – o número superior indica que muitos abriram até mesmo mais de uma empresa ou se tornaram sócios de outros negócios, para prestar diferentes serviços.
Desse total de 6 milhões de CNPJs (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica) abertos, 4,7 milhões são de MEIs (microempreendedores individuais), 954 mil são optantes do Simples Nacional (microempresas ou empresas de pequeno porte) e 347 mil estão em outros tipos empresariais.
“Podemos afirmar que nesse período [janeiro de 2022 até julho de 2025] temos 8,3 milhões de MEIs criados. Desses mais de 8 milhões, 4,7 milhões são ex-empregados. Assim, nós temos 56,67% de MEIs que são ex-empregados. Ou seja, é um total desvirtuamento do MEI. Porque, se ele foi criado com o objetivo de trazer microempreendedores para ter uma proteção social, hoje, o MEI tornou-se um instrumento de informalidade”, criticou Loureiro.
Em vista desses apontamentos, as decisões do Supremo serão acompanhadas de perto, pois têm potencial até mesmo para redefinir o mercado de trabalho brasileiro nas próximas décadas. Portanto, a forma como os ministros consolidarem os entendimentos sobre a uberização e a pejotização representa um desafio de múltiplas camadas — mas também uma oportunidade de promover mais dignidade à vida dos trabalhadores.
VERMELHO
https://vermelho.org.br/2025/10/15/stf-busca-saida-para-a-uberizacao-com-mais-garantias-mas-longe-da-clt/
por NCSTPR | 16/10/25 | Ultimas Notícias
O PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) para 2026 enviado ao Congresso Nacional prevê salário mínimo de R$ 1.631, o que representa alta nominal de 7,44% sobre o piso atual de R$ 1.518. O PLOA vai ser votado em dezembro.
O cálculo incorpora inflação projetada INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) de 4,78% e ganho real de 2,5%, conforme regra fiscal vigente.
O teto da Previdência do RGPS (Regime Geral da Previdência Social), a cargo do INSS, também terá impacto. Então, esses percentuais incidirão sobre o valor atual, que é R$ 8.157,41, maior valor pago no Regime Geral.
Impacto nos benefícios previdenciários
O reajuste do salário mínimo não altera apenas os rendimentos dos trabalhadores de menor renda, que é o piso nacional — esse repercute diretamente no valor de diversos benefícios previdenciários e assistenciais.
- Benefícios pagos no valor do mínimo — aposentadorias, pensões etc. — serão ajustados para esse novo patamar.
- Para benefícios superiores ao piso, o reajuste é aplicado com base no INPC.
- Nos regimes próprios de previdência — RPPS (Regime Próprio de Previdência Social —, dos servidores públicos, especialmente onde há alíquotas progressivas, o novo piso ajusta as faixas contributivas, e favorece servidores cujos vencimentos não foram adequadamente corrigidos.
- Estimativas apontam que o impacto fiscal do reajuste — somando correções inflacionárias e aumentos reais em benefícios — pode ultrapassar R$ 84,1 bilhões para a Previdência.
- Ao mesmo tempo, estudos indicam que cada R$ 1 de aumento do mínimo eleva as despesas previdenciárias em aproximadamente R$ 420 milhões.
Contexto orçamentário
- A previsão de salário mínimo consta no PLN 15/25, submetido ao Congresso para análise na CMO (Comissão Mista de Orçamento).
- O governo projeta crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) de 2,44% para 2026 e trabalha com cenário de contenção fiscal que limita reajustes reais às regras aprovadas em 2023.
- Apesar de já contemplado na peça orçamentária, o valor ainda pode mudar conforme negociações no Congresso — sobretudo em razão de projeções de inflação ou ajustes de política fiscal.
DIAP
https://diap.org.br/index.php/noticias/noticias/92469-minimo-sobe-para-r-1-631-em-2026-alta-nominal-de-7-44-sobre-piso-atual
por NCSTPR | 16/10/25 | Ultimas Notícias
A 16ª edição do Boletim Desigualdade nas Metrópoles, produzido pelo Observatório das Metrópoles em parceria com a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Data Social e Rede Odsal, registrou os menores índices de desigualdade e pobreza desde 2012 nas grandes cidades brasileiras.
Entre 2021 e 2024, a desigualdade de renda caiu quase 20%, e a taxa de pobreza nas regiões metropolitanas passou de 31% para 19%. Isso significa que mais de 9,5 milhões de pessoas saíram da pobreza monetária nesse período. Outro avanço importante foi na extrema pobreza, que caiu de 6,8% em 2021 para 3,3% em 2024, o menor nível da série histórica. O dado representa a saída de mais de 2,8 milhões de pessoas dessa condição.
Segundo o professor André Ricardo Salata, da PUC-RS e um dos autores do estudo, o principal fator para essa redução foi a melhora no mercado de trabalho. “Teve um mercado de trabalho mais aquecido, uma redução da taxa de desocupação, aliado a um controle inflacionário maior. E, acima de tudo, o retorno da política de valorização real do salário mínimo”, afirmou.
Além disso, o fortalecimento do Bolsa Família e de outros programas sociais, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o microcrédito, também colaboraram para a redução. Ainda assim, a desigualdade segue elevada: em 2024, os 10% mais ricos das metrópoles receberam, em média, 15,5 vezes mais do que os 40% mais pobres.
Salata lembra que enfrentar o problema exige políticas combinadas de curto, médio e longo prazo. “Nosso sistema tributário é extremamente injusto, ele é muito regressivo. Taxa bastante, mas taxa mal. Medidas que visem torná-lo mais progressivo ajudam a arranhar esse problema, ainda que não resolvam sozinhas”, avaliou.
O boletim alerta que, mesmo com os avanços recentes, a desigualdade dentro das metrópoles brasileiras é maior do que a média nacional, realidade visível em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, que reúnem alta renda média, mas também fortes disparidades sociais.
Em 2024, o coeficiente de Gini (quanto mais próximo de 1, mais desigual) foi de 0,536 em São Paulo, 0,547 em Brasília e 0,556 em Recife, acima da média nacional metropolitana de 0,534. Na comparação de rendimentos, os 10% mais ricos ganharam 17,6 vezes mais que os 40% mais pobres em Recife, 17,1 vezes em Brasília e 15,6 vezes em São Paulo.
Fonte: Brasil de Fato
Texto: Adele Robichez e Larissa Bohrer
DM TEM DEBATE
https://www.dmtemdebate.com.br/desigualdade-de-renda-cai-nas-metropoles-mas-concentracao-segue-alta-aponta-estudo/
por NCSTPR | 16/10/25 | Ultimas Notícias
O presidente Lula pediu à sua equipe ministerial estudos para a implementação de uma política nacional de transporte público gratuito. O debate sobre a gratuidade é uma pauta histórica no Brasil. De 2015 para cá, o número de cidades com sistema de transporte público gratuito cresceu mais de 300%, posicionando o país como o que mais possui municípios com gratuidade no mundo. Fruto das lutas dos movimentos sociais, esse avanço marca a conquista do transporte como um direito básico, ainda não plenamente concretizado.
Agora, o país tem a oportunidade de nacionalizar a pauta e revolucionar a mobilidade urbana e o combate às desigualdades urbanas. Essa transformação, se já não fosse suficientemente impactante, pode ainda ser acompanhada de um aumento significativo da renda dos trabalhadores, especialmente os mais pobres.
O ponto central na discussão da tarifa zero é o financiamento. Falar em transporte público gratuito significa, em última instância, afirmar que o passageiro não deve mais pagar a tarifa, mas sim que a sociedade e o Estado devem colaborar com esse custo. De acordo com levantamento da Jevy Cidades, com base em dados do IBGE, quase 70% das cidades brasileiras não possuem sistema de transporte público municipal.
Além disso, mais de 90% das cidades que contam com transporte público não destinam recursos públicos para o setor, segundo a Associação Nacional das Empresas de Transporte Público (NTU), de 2024. Por isso, um eventual financiamento federal de uma política nacional de gratuidade representaria uma mudança de paradigma sem precedentes no sistema de transporte brasileiro.
Para que essa transformação ocorra, é necessário pensar em um modelo de financiamento sustentável e robusto. O exemplo mais avançado hoje no Brasil e no mundo foi debatido em Belo Horizonte. O projeto apresentado com assinaturas de 22 dos 41 vereadores previa a criação de uma contribuição mensal das grandes empresas da cidade por trabalhador registrado.
Essa contribuição substituiria o vale-transporte, isentaria mais de 80% das empresas do pagamento do benefício e aumentaria a renda dos trabalhadores, já que deixaria de incorrer no desconto de 6% previsto na lei do vale-transporte. A proposta, no entanto, foi rejeitada pelos vereadores.
O modelo de BH se inspirava no sistema existente há décadas na França e se aproxima também do modelo de Belgrado, na Sérvia, hoje a maior cidade do mundo com gratuidade no transporte. Isso coloca essas formas de financiamento na vanguarda do debate, no Brasil e no exterior. Além de viabilizar a gratuidade, a proposta – se implementada nacionalmente – pode gerar ganho direto aos trabalhadores, superior a R$ 2.000 por ano, ao eliminar o desconto de 6% aplicado atualmente sobre seus salários para o financiamento do vale-transporte.
Cabe lembrar que o governo federal tem autoridade constitucional para revisar a Lei n.418/1985, que instituiu o vale-transporte. Seguindo a lógica discutida em Belo Horizonte, um modelo que estabeleça contribuição das empresas com mais de dez funcionários, sem desconto para os empregados, permitiria que trabalhadores — especialmente os de menor renda — deixassem de arcar com os 6% de seus salários.
Para quem ganha dois salários mínimos, por exemplo, a economia anual seria superior a R$ 2.000. Assim, em um único movimento, o governo Lula poderia financiar o transporte público gratuito em todo o país e, ao mesmo tempo, ampliar a renda dos trabalhadores.
De acordo com estudo realizado pela Fundação Rosa Luxemburgo em 2021, uma contribuição mensal das empresas com mais de nove funcionários, no valor de aproximadamente R$ 230 por empregado — valor inferior ao que já é pago pelas empresas em muitas cidades —, poderia gerar mais de R$ 43 bilhões por ano.
Esse montante cobriria quase a totalidade do custo da tarifa zero em escala nacional. Se acompanhado de cofinanciamento, nos moldes do SUS, em que estados e municípios também participam do custeio, a proposta poderia viabilizar plenamente a gratuidade em todo o sistema de transporte público do país.
É importante destacar que, além das tarifas excludentes, o transporte coletivo brasileiro sofre com problemas crônicos de qualidade e acesso. A maioria das cidades não possui sistema de transporte público e, nas que possuem, em geral os serviços são precários, com frotas antigas e insuficientes para atender às necessidades da população.
Por isso, o financiamento da tarifa zero deve vir acompanhado de critérios de qualidade, como idade da frota, quantidade adequada de veículos, climatização, tempo de espera reduzido e outros requisitos que tornem o transporte mais atrativo.
O Brasil tem, hoje, a oportunidade de revolucionar sua política de transporte público coletivo, com um modelo de financiamento robusto e pautado pela justiça tributária, cobrando mais de quem pode contribuir mais. Além disso, a proposta pode se converter em ferramenta de valorização da renda dos trabalhadores de menor renda.
Ainda, essa política pode ser a chave para melhorar a qualidade do transporte e expandir sua presença para cidades que ainda não o possuem, podendo ser peça central para o desenvolvimento econômico das cidades brasileiras. Como poucas vezes na história, o governo Lula tem a chance de fazer história combatendo as desigualdades e valorizando os trabalhadores ao mesmo tempo.
Giancarlo Gama é cientista político (USP) e mestre em políticas públicas (Universidade de Oxford). Especialista no financiamento da tarifa zero no Brasil
DM TEM DEBATE
https://www.dmtemdebate.com.br/tarifa-zero-nacional-pode-aumentar-renda-dos-trabalhadores-em-mais-de-r-2-000/
por NCSTPR | 16/10/25 | Ultimas Notícias
As desigualdades no Brasil não são fruto de circunstâncias ocasionais ou conjunturais, mas sim de uma herança estrutural e histórica. Desde a colonização, marcada pela escravidão, concentração fundiária e exclusão social, consolidou-se um padrão de desenvolvimento que distribui renda, riqueza e oportunidades de forma profundamente desigual. Reduzir e superá-las requer políticas públicas ativas e vontade dos governantes e agentes econômicos em transformar essa realidade.
Essa matriz histórica econômica e política explica por que, mesmo em momentos de crescimento econômico, as disparidades persistem entre regiões, gêneros, raças e classes sociais. O mais recente Relatório do Observatório Brasileiro das Desigualdades 2025 reforça esse caráter estrutural ao demonstrar que as desigualdades atravessam todas as dimensões da vida social: educação, saúde, renda, segurança alimentar, segurança pública, representação política, acesso a serviços básicos e condições urbanas.
O relatório aponta que 25 dos 43 indicadores monitorados registraram avanços no período, sobretudo no mercado de trabalho e no meio ambiente. Houve também redução da proporção de pobres em 23,4% em 2024, segundo o critério do Programa Bolsa Família.
Evolução positiva na redução das desigualdades
Apesar dessa herança, o Brasil tem apresentado avanços recentes. Os indicadores de renda, emprego e redução da pobreza mostram sinais consistentes de melhora. Em 2024, o rendimento médio real de todas as fontes atingiu R$ 3.066, um crescimento de 2,9% frente a 2023. Houve ainda redução da taxa de desocupação para 6,6%, queda de 1,2 ponto percentual em relação ao ano anterior, com destaque para as mulheres (de 9,5% para 8,1%) e para a população negra (de 9,1% para 7,6%). O mercado de trabalho foi um dos setores de maior destaque no relatório.
O melhor desempenho ocorreu entre mulheres negras, que registraram aumento de 5,2% nos rendimentos, superando a média nacional e até mesmo os homens não negros (+3%). Esse avanço, contudo, não eliminou as diferenças: o rendimento médio das mulheres negras foi de R$ 2.008, apenas 43% do rendimento dos homens não negros (R$ 4.636).
Ou seja, os indicadores apontam uma melhora generalizada, mas com desigualdades estruturais persistindo entre gênero e raça.
Ênfase no recorte de gênero
O relatório mostra que as mulheres ainda recebem, em média, apenas 73% do rendimento masculino. Embora tenham avançado em escolaridade e participação no ensino superior, as desigualdades de gênero continuam presentes em todas as esferas.
Os dados também revelam contradições preocupantes como, por exemplo, enquanto a taxa de desocupação caiu para as mulheres, as violências contra elas cresceram. Em 2024, foram registrados 1.492 feminicídios, contra 1.350 em 2020.
Já a maternidade precoce afeta mais as jovens negras: em 2023, 13,8% dos nascidos vivos eram de mães adolescentes negras, contra 7,9% das não negras.
Esse quadro confirma que políticas específicas de equidade de gênero são essenciais, tanto no campo do trabalho e da renda, quanto no enfrentamento da violência e da exclusão social.
O Brasil saiu do Mapa da Fome
O relatório mostra que houve melhora nos indicadores de segurança alimentar. Embora persistam desigualdades regionais, como no Norte, onde 17,4% da população ainda vive em insegurança alimentar grave, os avanços recentes permitiram ao país sair novamente do Mapa da Fome da ONU.
A redução da desnutrição infantil, a ampliação da renda das famílias e a reativação de políticas de segurança alimentar, como o Bolsa Família, foram fatores decisivos. Esse resultado confirma que a fome é um fenômeno político e econômico — não inevitável — e pode ser superado por meio de escolhas públicas adequadas.
O papel essencial das políticas públicas
Os avanços registrados pelo relatório não ocorreram por acaso. Eles foram resultado direto de políticas públicas estruturadas, tais como, a política de valorização do salário mínimo, com impacto na base da pirâmide salarial; o Programas de transferência de renda (Bolsa Família), responsáveis pela redução da pobreza; a expansão da educação básica e superior, com destaque para a Lei de Cotas e políticas de permanência; políticas ambientais, que reduziram o desmatamento em 41,3% entre 2022 e 2024, entre tantas outras. Sem políticas de Estado consistentes, a desigualdade tende a se perpetuar.
O papel essencial do crescimento econômico
O crescimento econômico recente foi decisivo para viabilizar esses resultados. A retomada da atividade, somada ao investimento público e privado, criou condições para a geração de empregos e aumento de renda. A combinação entre crescimento e políticas redistributivas mostra-se fundamental: crescimento sem distribuição amplia desigualdades, enquanto políticas sociais sem dinamismo econômico tornam-se insustentáveis. O equilíbrio entre essas dimensões é a chave para avançar no combate às desigualdades.
Inovação tecnológica, emergência climática e redução das desigualdades
O relatório traz informações que destacam o papel das transformações globais, como a inovação tecnológica, na medida em que a digitalização e a automação podem gerar novos empregos e ganhos de produtividade, mas também riscos de desemprego e de exclusão. O desafio, neste caso, é assegurar políticas de qualificação e inclusão digital para combater a ampliação das desigualdades.
Outro destaque é a emergência climática: embora o Brasil tenha reduzido o desmatamento e as emissões de CO₂, as populações mais pobres e vulneráveis continuam sendo as mais afetadas por enchentes, secas e desastres ambientais.
Se enfrentados com visão estratégica, esses dois fatores podem se converter em motores de desenvolvimento inclusivo: a transição ecológica e digital pode ser aliada de uma nova trajetória de redução das desigualdades sociais e regionais.
Conclusão
O Brasil segue marcado por desigualdades estruturais, históricas e persistentes. Contudo, o Relatório do Observatório Brasileiro das Desigualdades 2025 demonstra que é possível avançar: a redução da desocupação, o aumento da renda, a melhora para mulheres negras no mercado de trabalho, a saída do Mapa da Fome e a redução da pobreza comprovam que políticas públicas combinadas com crescimento econômico podem alterar o quadro de exclusão.
O futuro, no entanto, dependerá da capacidade do país de manter políticas de Estado consistentes, a sustentação de médio e longo prazo do crescimento com inclusão e da transformação dos desafios tecnológicos e climáticos em oportunidades de desenvolvimento socioambiental.
O combate às desigualdades é, portanto, não apenas uma questão de justiça social, mas o eixo estruturante para a construção de um Brasil próspero, democrático e sustentável.
Clemente Ganz Lúcio é sociólogo, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, membro do CDESS – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável da Presidência da República, membro do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil, Enviado Especial para COP-30 sobre Trabalho, consultor e ex-diretor técnico do DIEESE (2004/2020)
DM TEM DEBATE
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