por NCSTPR | 19/08/25 | Ultimas Notícias
A Justiça australiana multou a Qantas Airways em AU$ 90 milhões (cerca de R$ 316,2 milhões) nesta segunda-feira, 18, pela demissão ilegal de mais de 1.800 funcionários de solo no início da pandemia de covid-19. A multa se soma aos AU$ 120 milhões (R$ 421,5 milhões) em indenização que a maior companhia aérea da Austrália já havia concordado em pagar aos seus ex-funcionários.
O juiz Michael Lee, do Tribunal Federal Australiano, afirmou que a terceirização de 1.820 cargos de carregadores de bagagem e faxineiros em aeroportos australianos no final de 2020 foi a “maior e mais significativa violação” das leis trabalhistas australianas em seus 120 anos de história.
A Qantas concordou em dezembro do ano passado em pagar AU$ 120 milhões (R$ 421,5 milhões) em indenização a ex-funcionários, depois que sete juízes do Tribunal Superior rejeitaram por unanimidade o recurso da companhia aérea sediada em Sydney contra a decisão que considerava a terceirização de seus empregos ilegal.
O Sindicato dos Trabalhadores em Transportes, que levou a companhia aérea à Justiça, argumentou que a empresa deveria receber a maior multa disponível – AU$ 121.212.000 (R$ 425.877.028).
Questionamento
O juiz Michael Lee decidiu que a multa mínima para criar uma dissuasão deveria ser de AU$ 90 milhões, observando que os executivos da Qantas esperavam economizar AU$ 125 milhões (R$ 439,2 milhões) por ano com a terceirização dos empregos.
Lee questionou a sinceridade do pedido de desculpas da Qantas por sua conduta ilegal, observando que a companhia aérea posteriormente alegou, sem sucesso, que não devia nenhuma indenização aos seus ex-funcionários.
“Se alguma evidência adicional fosse necessária da estratégia de litígio implacável e agressiva adotada neste caso pela Qantas, ela é fornecida por este esforço direcionado a negar qualquer indenização àqueles em relação aos quais a Qantas publicamente professava arrependimento por seu infortúnio”, disse Lee. “Acredito que os responsáveis pela Qantas agora sentem um arrependimento genuíno, mas isso provavelmente reflete os danos que este caso causou à empresa, em vez de remorso pelos danos causados aos trabalhadores afetados”, acrescentou.
Empresa pediu desculpas
A presidente-executiva da Qantas, Vanessa Hudson, que era diretora financeira da companhia aérea durante as demissões, afirmou em um comunicado após a decisão de segunda-feira: “Pedimos sinceras desculpas a cada um dos 1.820 funcionários de assistência em terra e às suas famílias que sofreram com isso.”
“A decisão de terceirizar há cinco anos, especialmente em um momento tão incerto, causou dificuldades reais para muitos de nossos ex-funcionários e suas famílias”, disse ela. “Nos últimos 18 meses, trabalhamos arduamente para mudar a forma como operamos, como parte de nossos esforços para reconstruir a confiança de nossos funcionários e clientes. Esta continua sendo nossa maior prioridade enquanto trabalhamos para reconquistar a confiança que perdemos”, acrescentou.
Lee decidiu que AU$ 50 milhões (R$ 175,7 milhões) da multa seriam destinados ao sindicato, pois nenhuma agência do governo australiano demonstrou interesse em investigar ou processar a Qantas.
“Sem o sindicato…, a conduta da Qantas jamais teria sido exposta e a empresa jamais teria sido responsabilizada por sua conduta ilegal”, disse Lee. “Portanto, o sindicato trouxe à atenção do tribunal uma transgressão substancial e significativa de uma obrigação pública por parte de um empregador poderoso e importante”, acrescentou.
Uma audiência será realizada posteriormente para decidir para onde serão destinados os AU$ 40 milhões (R$ 140,5 milhões) restantes da multa.
‘Enfrentamos um gigante implacável e vencemos’
Michael Kaine, secretário nacional do sindicato que representa 60 mil membros, disse avaliar que a decisão foi justa e que encerra uma batalha judicial de cinco anos que a Qantas esperava vencer.
“É um resultado industrial significativo – o mais significativo – na história da Austrália e envia uma mensagem muito clara à Qantas e a todos os empregadores na Austrália: tratem seus funcionários ilegalmente e vocês serão responsabilizados”, disse Kaine aos repórteres. “Contra todas as probabilidades, enfrentamos um gigante que se mostrou implacável e vencemos”, acrescentou.
A Qantas admitiu ter negociado ilegalmente com passageiros e funcionários em suas respostas aos desafios econômicos da pandemia.
No ano passado, a Qantas concordou em pagar AU$ 120 milhões (R$ 421,5 milhões) em indenização e multa pela venda de passagens em milhares de voos cancelados.
A Comissão Australiana de Concorrência e Consumidor, órgão de defesa do consumidor, processou a companhia aérea no Tribunal Federal, alegando que a Qantas se envolveu em conduta falsa, enganosa ou ilusória ao anunciar passagens para mais de 8 mil voos de maio de 2021 a julho de 2022 que já haviam sido cancelados. / AP
CORREIO BRAZILIENSE
https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2025/08/7229271-companhia-aerea-e-multada-em-rs-3162-milhoes-por-demissoes-durante-a-pandemia.html
por NCSTPR | 19/08/25 | Ultimas Notícias
Embora a guerra comercial de Donald Trump pareça confusa e desordenada, por trás dessa política econômica há uma estratégia, sinaliza a professora Marta Fernández, na entrevista a seguir concedida por e-mail para o Instituto Humanitas Unisinos – IHU. Segundo a internacionalista, a lógica do tarifaço serve para criar “um esvaziamento sistemático das instâncias multilaterais, substituídas pela preferência por arranjos bilaterais, nos quais os EUA buscam maior poder de barganha”. Nesse contexto, diz ela, “as tarifas deixam de ser apenas instrumentos de proteção econômica e passam a funcionar como meio de calibrar o comportamento de outros Estados, borrando a fronteira entre política comercial e sanções propriamente ditas”, acrescenta.
A aplicação de tarifas, conforme aponta a pesquisadora, destrói a ordem global estabelecida pelos Estados Unidos no pós-Guerra, mas sem a formulação de alternativas. “As tarifas, usadas como armas de coerção, reforçam a substituição de qualquer tentativa de criar arcabouços legais ou normativos que limitem a busca desenfreada pelo poder e corrijam assimetrias”, pontua.
Marta explica que os ataques da Casa Branca direcionados aos países integrantes do BRICS se dão “pelo fato de o grupo reivindicar uma ordem internacional alternativa, que aposta na multipolaridade cultural, econômica, financeira e monetária”. Já ao falar da ofensiva ao Brasil, a pesquisadora afirma que “as tarifas funcionam como mecanismos de disciplinamento político, travestidos de medidas comerciais, que buscam enquadrar o Brasil como ameaça e colocá-lo sob um regime simbólico de exceção”.
Marta Regina Fernández y Garcia é diretora do BRICS Policy Center, professora do Instituto de Relações Internacionais (IRI/PUC-Rio), onde concluiu seu doutorado em Relações Internacionais. Bolsista de produtividade do CNPq e Cientista do Nosso Estado da FAPERJ. Editora da série “Global Political Sociology” da Palgrave Macmillan, foi presidente da Associação Brasileira de Relações Internacionais (2021-2023) e diretora do IRI/PUC-Rio (2016-2020). É pesquisadora do Projeto Internacional GlobalGRACE (Global Gender and Cultures of Equality).
Confira a entrevista.
IHU – A atual Era Trump estabeleceu que tipo de lógica (se é que este termo é o mais adequado) para a ordem econômica global?
Marta Fernández – Apesar da percepção de que a política econômica da Era Trump é marcada pela imprevisibilidade, existe, sim, uma lógica que a sustenta. Trata-se de um esvaziamento sistemático das instâncias multilaterais, substituídas pela preferência por arranjos bilaterais, nos quais os EUA buscam maior poder de barganha. Nesse contexto, as tarifas deixam de ser apenas instrumentos de proteção econômica e passam a funcionar como meio de calibrar o comportamento de outros Estados, borrando a fronteira entre política comercial e sanções propriamente ditas. Além disso, essa estratégia vem acompanhada por uma ilusão nostálgica de que tais medidas seriam capazes de reconstruir o poder industrial norte-americano do pós-Segunda Guerra.
O protecionismo agressivo dos EUA é um desses sintomas: ao mesmo tempo que revela a perda de centralidade, mostra também a tentativa de frear, de forma coercitiva, a ascensão de novos polos de poder – Marta Fernández
IHU – Como o caso do ataque terrorista do atirador de Nova York, que invadiu um prédio em Manhattan e disparou contra os trabalhadores de um andar do edifício, é uma alegoria ou sintoma para os ataques de Trump ao comércio mundial?
Marta Fernández – Como desenvolvi em artigo para o The Conversation, o ataque em Manhattan funciona como alegoria da política comercial da Era Trump. Assim como os disparos do atirador atingem indiscriminadamente, as tarifas são aplicadas de forma arbitrária, alcançando tanto aliados quanto rivais e convertendo-se em instrumentos de intimidação. Trump tende a enxergar a violência do atirador como algo distante, alheio a si, mas é essa mesma lógica insensata que orienta sua política tarifária. No limite, trata-se de uma estratégia suicida para os próprios Estados Unidos, pois corrói a confiança internacional e fragiliza a posição norte-americana na ordem econômica global.
[As tarifas são] uma estratégia suicida para os próprios Estados Unidos, pois corrói a confiança internacional e fragiliza a posição norte-americana na ordem econômica global – Marta Fernández
IHU – Como a escalada tarifária de Donald Trump interfere na arquitetura econômica global?
Marta Fernández – A chamada arquitetura econômica global foi construída pelos Estados Unidos no pós-Segunda Guerra Mundial, dentro do que se convencionou chamar de ordem internacional liberal. O paradoxo é que, hoje, o objetivo declarado da Era Trump é justamente derrubar essa ordem, considerada obsoleta, como colocado pelo secretário Marco Rubio.
A questão central é que não há, no trumpismo, a formulação de uma alternativa ou projeto de nova ordem mundial. O que se observa é antes uma visão de caos: provocar e administrar o caos como método de ação. Nesse sentido, a escalada tarifária é exemplar, pois não busca reformar instituições nem propor novos mecanismos multilaterais, mas impor pela força relações bilaterais desiguais. As tarifas, usadas como armas de coerção, reforçam a substituição de toda tentativa de criar arcabouços legais ou normativos que limitem a busca desenfreada pelo poder e corrijam assimetrias — redes de regras e instituições que, ainda que imperfeitas, buscavam conferir estabilidade ao sistema. O resultado é um cenário em que a lógica da força suplanta a lógica das regras, fragilizando a própria ordem que os EUA um dia edificaram.
A escalada tarifária não busca reformar instituições nem propor novos mecanismos multilaterais, mas impor pela força relações bilaterais desiguais – Marta Fernández
IHU – O que explica a ofensiva trumpista contra países do BRICS, como África do Sul, Brasil, Índia e Rússia, sem contar, a China, seu grande rival global?
Marta Fernández – A ofensiva trumpista contra países do BRICS se explica pelo fato de o grupo reivindicar uma ordem internacional alternativa, que aposta na multipolaridade cultural, econômica, financeira e monetária. O BRICS vem criando consensos e avanços práticos, como o fortalecimento do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e o estímulo ao comércio em moedas locais — basta lembrar que mais de 95% do comércio bilateral entre Rússia e China já é liquidado em yuan ou rublo. Ainda que a ideia de uma moeda comum pareça distante, medidas como o anúncio de Dilma Rousseff de que 30% da carteira do NDB será em moedas locais até 2026 alimentam o imaginário de que está em curso um movimento contra-hegemônico. Para Trump, isso toca no ponto mais sensível: a hegemonia monetária do dólar.
Daí decorre uma lógica de “ataque preventivo”, em que tarifas passam a ser aplicadas como armas contra membros do BRICS, mirando sobretudo o país que preside o bloco neste ano (Brasil) e o que o presidirá no próximo (Índia). Essas ameaças se dirigem ao BRICS como conjunto, mas são operacionalizadas de forma bilateral, numa estratégia clara de dividir para dominar — como o próprio Trump afirmou, em sua “profecia”, de que o BRICS acabaria rapidamente. O caso da Índia é exemplar: foi alvo de sobretaxas por comprar petróleo russo, enquanto a China, que mantém um comércio muito mais robusto com Moscou, não sofreu sanções semelhantes.
No fim das contas, prevalece uma lógica pragmática em que “os grandes importam”. Trump mantém canais de diálogo abertos com atores estratégicos, como ficou evidente na reunião com Putin no Alasca, ao mesmo tempo que evita aplicar tarifas secundárias à China — maior importadora de petróleo russo. Já o Brasil, por outro lado, tem enfrentado o fechamento desses canais, tornando-se alvo privilegiado de intimidação.
Na Era Trump, as relações internacionais dos Estados Unidos deixam de ser tratadas como uma questão de Estado ancorada em racionalidade econômica, para se tornarem um instrumento político da extrema-direita transnacional – Marta Fernández
IHU – O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tinha uma agenda para negociação do tarifaço de Trump com o secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, para a quarta-feira, 13/08-2025, que foi cancelada dois dias antes da reunião. O que esse gesto sinaliza sobre a prioridade das relações internacionais dos EUA? É uma questão econômica de Estado ou parece ser uma questão política dos aliados de Trump?
Marta Fernández – O cancelamento da reunião sinaliza que, na Era Trump, as relações internacionais dos Estados Unidos deixam de ser tratadas como uma questão de Estado ancorada em racionalidade econômica, para se tornarem um instrumento político da extrema-direita transnacional. A diplomacia torna-se palco de uma disputa ideológica global, cujo propósito é corroer instituições multilaterais, fragilizar o Estado de direito e consolidar a lógica da força como princípio dominante. Essa dinâmica aparece de forma clara em dois exemplos.
No caso da África do Sul, enquanto o país recorre à Corte Internacional de Justiça para denunciar Israel pelo genocídio em Gaza, Trump inverte o sentido da pauta e difunde a narrativa de que haveria um “genocídio de fazendeiros brancos” naquele país — uma formulação que ecoa a ideologia da supremacia branca e mostra como a extrema-direita global manipula conceitos de direitos humanos para sustentar seus projetos. No caso do Brasil, um relatório oficial dos Estados Unidos acusou o país de violar direitos humanos, numa clara instrumentalização seletiva desse discurso.
O paradoxo é que as próprias tarifas impostas por Trump podem ser lidas como formas de violação de direitos humanos econômicos e sociais, na medida em que atingem indiscriminadamente trabalhadores, exportadores e setores produtivos inteiros. Mais grave ainda, essa ofensiva se estende ao sistema de justiça: ao colocar decisões do Supremo Tribunal Federal sob suspeita e apresentá-las como abuso de poder ou perseguição política, Washington não apenas aplica sanções, mas interfere diretamente na soberania brasileira. Nesse sentido, as tarifas funcionam como mecanismos de disciplinamento político, travestidos de medidas comerciais, que buscam enquadrar o Brasil como ameaça e colocá-lo sob um regime simbólico de exceção.
Essa política externa de Trump reatualiza a memória da América Latina tratada como quintal dos Estados Unidos, mas encontra no Brasil uma resposta afirmativa de soberania. O Plano Brasil Soberano, recém-lançado, destina recursos substanciais para proteger exportadores e trabalhadores das sobretaxas e, ao mesmo tempo, aposta na diversificação de mercados para reduzir a dependência em relação aos Estados Unidos. Soma-se a isso a postura do presidente Lula, que enfatiza a soberania nacional, recusa a lógica de confronto e reafirma a necessidade de negociação em bases multilaterais, deixando claro que o Brasil não aceitará pressões externas que violem sua autonomia.
Lula enfatiza a soberania nacional, recusa a lógica de confronto e reafirma a necessidade de negociação em bases multilaterais, deixando claro que o Brasil não aceitará pressões externas que violem sua autonomia – Marta Fernández
IHU – Na prática, estamos testemunhando uma renúncia ao liberalismo econômico que vige há décadas no contexto global e onde os EUA sempre foram um carro chefe. Como entender neste contexto que a China “comunista” defenda o multilateralismo econômico e os EUA capitalista defenda o protecionismo? Qual a chave para desembaralhar as cartas desse jogo político e econômico?
Marta Fernández – O que estamos vendo não é exatamente uma contradição entre uma China defendendo o multilateralismo econômico e uns Estados Unidos capitalistas praticando o protecionismo. Trata-se, antes, do reflexo do declínio da hegemonia norte-americana. Como escreveu Antonio Gramsci, “o velho está morrendo e o novo não pode nascer; nesse interregno, surgem os mais variados sintomas mórbidos”. O protecionismo agressivo dos EUA é um desses sintomas: ao mesmo tempo que revela a perda de centralidade, mostra também a tentativa de frear, de forma coercitiva, a ascensão de novos polos de poder.
O liberalismo pregado por Washington nunca foi universal: valeu como disciplina para os outros, mas não como regra para si mesmo – Marta Fernández
Vale lembrar que os Estados Unidos moldaram as instituições multilaterais em um contexto no qual boa parte do chamado Sul Global nem sequer havia conquistado independência. À medida que esses países passaram a ter soberania, começaram a reivindicar, dentro desses espaços, uma ordem mais justa e equitativa — das resoluções da Assembleia Geral da ONU sobre uma Nova Ordem Econômica Internacional, nos anos 1970, às vitórias concretas no sistema multilateral de comércio. O Brasil, por exemplo, derrotou os EUA em disputas na OMC sobre o algodão e o suco de laranja, deixando evidente que o liberalismo pregado por Washington nunca foi universal: valeu como disciplina para os outros, mas não como regra para si mesmo.
A China, por sua vez, não busca reproduzir uma hegemonia liberal à moda norte-americana. Sua defesa do multilateralismo — seja na OMC, seja no BRICS ou no Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura — está associada a uma visão de mundo mais descentralizada, na qual múltiplos polos de poder podem coexistir.
IHU – Qual tem sido a postura dos países do Sul Global em relação às chantagens de Trump? Qual a força desses países para resistir às investidas autoritárias de um país como os EUA, que ainda têm papel muito relevante na economia mundial?
Marta Fernández – Os países do Sul Global têm adotado uma postura estratégica diante das chantagens de Trump, evitando confrontos diretos e preferindo agir pelas frestas do sistema internacional. Trata-se de um aprendizado histórico: conscientes da assimetria de poder, esses países desenvolveram a habilidade de se mover de forma pragmática, explorando brechas e diversificando parcerias em vez de bater de frente com a potência hegemônica.
As tarifas impostas pelos Estados Unidos evidenciaram os riscos da dependência excessiva de poucos mercados, estimulando países emergentes a buscar novas rotas comerciais e ampliar sua autonomia em setores estratégicos – Marta Fernández
No caso brasileiro, essa lógica aparece no Plano Brasil Soberano, que prevê mais de R$ 30 bilhões para proteger exportadores e trabalhadores das sobretaxas norte-americanas, mas também para reforçar a resiliência interna diante das turbulências do comércio global. Ao mesmo tempo, o Brasil tem apostado na estratégia da diversificação comercial, articulando-se com outros países do Sul Global — por exemplo, via BRICS — para recentrar instâncias multilaterais como a OMC e a ONU.
Cresce também a preocupação com o redesenho das cadeias produtivas globais. As tarifas impostas pelos Estados Unidos evidenciaram os riscos da dependência excessiva de poucos mercados, estimulando países emergentes a buscar novas rotas comerciais e ampliar sua autonomia em setores estratégicos.
Esse conjunto de movimentos mostra que a resposta do Sul Global às pressões norte-americanas não se dá pelo enfrentamento aberto, mas por uma diplomacia que combina defesa interna, diversificação comercial e valorização do multilateralismo. Trata-se, em última instância, de ampliar margens de manobra em um sistema internacional em transição, no qual o poder está mais disperso e as estratégias de adaptação tornam-se decisivas.
A resposta dos países do BRICS à ofensiva protecionista norte-americana não se dá pelo confronto direto, mas por meio de uma diplomacia de diversificação, de fortalecimento do multilateralismo e de construção de instrumentos que ampliam margens de manobra – Marta Fernández
IHU – Pode explicar o que é a “Declaração do Rio de Janeiro”, adotada pelo BRICS em julho de 2025? Que saídas o documento aponta contra a ofensiva autoritária de Trump no comércio global?
Marta Fernández – Na Declaração do Rio de Janeiro de 2025, os países do BRICS reforçam o compromisso com um sistema multilateral de comércio aberto, previsível e inclusivo, contrapondo-se às medidas unilaterais e desleais que caracterizam a política tarifária de Trump. O documento enfatiza a necessidade de restaurar a credibilidade da OMC e, ao mesmo tempo, aponta para caminhos práticos que buscam ampliar a autonomia dos países do grupo. Entre eles, destaca-se o incentivo ao comércio intra-BRICS e à facilitação do comércio e dos investimentos, reduzindo barreiras logísticas e regulatórias. Esse esforço se articula com a ampliação do uso de moedas locais, que não significa a criação de uma moeda única, mas sim uma estratégia para reduzir a dependência do dólar, cuja centralidade no sistema internacional remonta ao pós-Segunda Guerra.
A declaração também menciona a importância de fortalecer sistemas de pagamento regionais e de avançar na construção de uma rede de segurança financeira entre os países membros, reforçando sua resiliência coletiva. Além disso, traz iniciativas concretas, como o projeto de uma Bolsa de Grãos do BRICS, que visa reduzir vulnerabilidades no comércio agrícola e garantir maior segurança alimentar. Em conjunto, essas medidas mostram que a resposta do BRICS à ofensiva protecionista norte-americana não se dá pelo confronto direto, mas por meio de uma diplomacia de diversificação, de fortalecimento do multilateralismo e de construção de instrumentos que ampliam margens de manobra e preparam o grupo para um sistema internacional em transformação.
IHU – UNISINOS
https://www.ihu.unisinos.br/655943-a-guerra-comercial-serve-como-metafora-para-explicar-a-politica-economica-da-era-trump-entrevista-especial-com-marta-fernandez
por NCSTPR | 19/08/25 | Ultimas Notícias
Tribunal reconhece vício de consentimento e dispensa discriminatória de idoso analfabeto funcional, que foi levado a assinar pedido de demissão sem entender o conteúdo.
Da Redação
Por unanimidade, a 4ª turma do TRT da 4ª região anulou o pedido de demissão de operário celetista de um município. Idoso, analfabeto funcional e diagnosticado com doença grave, o trabalhador foi induzido a assinar documentos sem compreender o conteúdo. Para o colegiado, houve vício de consentimento e ausência de justificativa plausível para a dispensa, considerada discriminatória.
O município foi condenado ao pagamento de R$ 20 mil por danos morais, além das verbas rescisórias e demais parcelas devidas.
TRT-4 condena município a indenizar idoso analfatebo induzido a assinar pedido de demissão.(Imagem: Freepik)
Entenda o caso
O trabalhador, idoso, analfabeto funcional e com mais de 38 anos de serviço público, foi afastado em dezembro de 2022, pouco após ser diagnosticado com insuficiência renal crônica e iniciar tratamento de hemodiálise.
Segundo relatado no processo, ele foi convocado a uma reunião pela chefia e informado de que não era mais possível continuar no cargo. Em seguida, foi induzido a assinar documentos cujo conteúdo não compreendia, acreditando tratar-se de um desligamento por iniciativa do empregador.
O autor alegou que não tinha plena capacidade de leitura e que foi coagido a assinar um formulário-padrão previamente preenchido, o que configuraria vício de vontade. Também sustentou que a despedida teve motivação discriminatória, com base na súmula 443 do TST, uma vez que sua condição de saúde era grave, estigmatizante e de conhecimento da administração.
O município negou qualquer prática discriminatória e defendeu a validade do ato, afirmando que o trabalhador teria pedido exoneração de forma voluntária, com o recebimento das verbas rescisórias.
O juízo de primeiro grau julgou improcedente o pedido, ao entender que o trabalhador estava ciente do que assinava e não havia indícios de coação. Diante da decisão, ele recorreu ao TRT da 4ª região.
Vício de consentimento e discriminação
Ao analisar o recurso, a relatora, desembargadora Ana Luiza Heineck Kruse, concluiu que houve vício de consentimento na manifestação de vontade do trabalhador ao assinar o pedido de demissão.
Segundo a desembargadora, o trabalhador é hipossuficiente, especialmente em razão de seu estado de saúde e de sua condição de analfabeto funcional. Além disso, ressaltou que não houve orientações claras por parte da administração pública, o que comprometeu a compreensão do conteúdo dos documentos assinados.
“A ausência de esclarecimentos adequados e o estado de hipossuficiência do trabalhador retiram a espontaneidade exigida para validade do ato.”
A relatora também reconheceu o caráter discriminatório da dispensa, com fundamento na lei 9.029/95, que proíbe práticas discriminatórias nas relações de trabalho, em razão de estado de saúde, deficiência ou outra condição pessoal.
Com base nesses fundamentos, o colegiado condenou o ente público ao pagamento de R$ 20 mil por danos morais, além de verbas rescisórias, remuneração em dobro entre a dispensa e o julgamento, aviso prévio proporcional, férias proporcionais, 13º salário proporcional e multa de 40% sobre o FGTS, com liberação dos valores.
O valor provisório da condenação foi fixado em R$ 120 mil.
Informações: TRT da 4ª região.
MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/quentes/437003/trt-4-idoso-induzido-a-assinar-pedido-de-demissao-sera-indenizado
por NCSTPR | 19/08/25 | Ultimas Notícias
Em manifestação, a a Advocacia-geral argumenta que a decisão é crucial para assegurar a segurança jurídica e combater as desigualdades remuneratórias entre homens e mulheres.
Da Redação
A AGU formalizou um pedido ao STF para que seja dada prioridade na inclusão em pauta das ações que versam sobre a lei de igualdade salarial entre homens e mulheres (lei 14.611/23).
Em manifestação encaminhada ao STF na sexta-feira, 15 de agosto, a AGU argumenta que a apreciação do tema pelo tribunal é de suma importância para assegurar a segurança jurídica da política pública que visa mitigar as disparidades salariais.
“Considerando a relevância social e econômica da controvérsia, que envolve a efetividade do direito fundamental à igualdade salarial entre mulheres e homens e a conformidade de políticas públicas com compromissos constitucionais e internacionais assumidos pelo Brasil, requer-se a priorização da inclusão dos feitos na pauta de julgamentos”, consta no documento da AGU.
A manifestação prossegue, afirmando que “a definição célere da matéria é essencial para garantir segurança jurídica, orientar a atuação dos entes públicos e privados e garantir o avanço de política pública que busca evitar a perpetuação de desigualdades remuneratórias historicamente verificadas no mercado de trabalho”.
A lei 14.611/23, conhecida como lei de igualdade salarial, estabelece a obrigatoriedade de igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres que exerçam funções equivalentes.
A lei também prevê que empresas com 100 ou mais funcionários devem fornecer relatórios semestrais de transparência salarial e de critérios remuneratórios, que permitam comparar de forma objetiva a remuneração de homens e mulheres.
O STF analisará duas ações que questionam dispositivos da lei, bem como o decreto e a portaria do Ministério do Trabalho e Emprego que a regulamentaram (Decreto 11.795/23 e Portaria 3.714/23), e uma terceira ação que defende a constitucionalidade da legislação.
As ADIns 7.612 e 7.631 foram apresentadas pela CNI, Confederação Nacional do Comércio, Bens, Serviços e Turismo e pelo Partido Novo, respectivamente.
Já a ADC 92 foi apresentada pela CUT, Confederação Nacional dos Metalúrgicos e Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias Têxtil, Couro, Calçados e Vestuário da Central Única dos Trabalhadores.
A AGU defende a constitucionalidade da lei, argumentando que a legislação é fundamental para combater a persistente desigualdade salarial de gênero no Brasil, além de estar em consonância com as normas constitucionais e os compromissos internacionais assumidos pelo país, como a Convenção da OIT – Organização Internacional do Trabalho sobre igualdade de remuneração, a CEDAW – Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher e os ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU relacionados à igualdade de gênero e ao trabalho decente.
Dados estatísticos apresentados na manifestação da Advocacia-Geral demonstram que a desigualdade salarial de gênero é um problema persistente no Brasil.
De acordo com o Dieese – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, no 4º trimestre de 2023, as mulheres recebiam 22,3% a menos que os homens. Em contrapartida, mulheres em cargos de diretoria ou gerência ganhavam, em média, 29,5% a menos que seus colegas homens.
Em âmbito global, o Relatório Global de Desigualdade de Gênero 2023, do Fórum Econômico Mundial, que acompanha a igualdade de gênero em 102 países desde 2006, revelou uma disparidade de 68,6% na remuneração entre os gêneros.
O relatório também apontou que, no ritmo atual de progresso, seriam necessários 131 anos para alcançar a paridade entre homens e mulheres em todo o mundo.
As barreiras salariais enfrentadas pelas mulheres, conforme os estudos mencionados, incluem discriminação no ambiente de trabalho, assédio, dificuldades em conciliar trabalho e responsabilidades domésticas, e desafios relacionados à disponibilidade de creches.
Segundo o Dieese, no Brasil, os homens dedicam, em média, 11 horas semanais a tarefas domésticas, enquanto as mulheres dedicam quase 17 horas.
MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/quentes/437053/agu-pede-que-stf-priorize-analise-de-lei-da-igualdade-salarial
por NCSTPR | 19/08/25 | Ultimas Notícias
Medida de Trump impacta empresas brasileiras, que recorrem às férias coletivas para enfrentar os efeitos do tarifaço sobre exportações.
Da Redação
Empresas de diversos setores econômicos do país decidiram conceder férias coletivas aos trabalhadores motivadas pela tarifa de 50% sobre a importação de produtos brasileiros anunciada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
A decisão dos empresários reacendeu o debate sobre essa modalidade de descanso utilizada como alternativa para reduzir os eventuais impactos das taxas norte-americanas.
As férias coletivas são períodos de descanso concedidos simultaneamente a todos os funcionários da empresa ou a um setor específico. Estão previstas no artigo 139 da CLT e diferem das férias individuais.
O período concedido é descontado do total de férias anuais do empregado e o pagamento segue as mesmas regras das férias individuais: Acréscimo de 1/3 constitucional, quitado até dois dias antes do início.
Especialistas destacam que as empresas adotam as férias coletivas como um período de folga aos seus colaboradores, de maneira simultânea, em épocas estratégicas. A legislação trabalhista determina que as coletivas podem ser fracionadas em até duas vezes em um mesmo ano, desde que cada período não seja inferior a 10 dias corridos, e devem abranger todos os funcionários da empresa ou de um mesmo setor.
“Conforme dispõe o artigo 139 da CLT, o empregador pode optar por conceder férias coletivas aos seus empregados. Contudo, é necessário o cumprimento de providências formais, como a comunicação ao sindicato da categoria e ao órgão do Ministério do Trabalho competente, além da fixação de avisos aos empregados”, orienta a advogada Cíntia Fernandes, especialista em Direito do Trabalho e sócia do Mauro Menezes & Advogados.
“Ademais, a CLT determina que as férias coletivas podem ser concedidas em até dois períodos anuais, desde que nenhum deles seja inferior a dez dias corridos”, completa.
A especialista destaca também que a reforma trabalhista de 2017 liberou o fracionamento de férias para menores de 18 anos e maiores de 50 anos. “As férias coletivas antecipadas consideram-se concedidas em época própria. É importante destacar que os dias das férias coletivas serão descontados das férias individuais do empregado”.
Conforme dispõe o artigo 136 da CLT, a época da concessão das férias será a que melhor consulte os interesses do empregador. “Uma vez concedidas as férias coletivas, eventuais dias restantes estão condicionados à concessão das férias individuais, devendo ser observados os períodos aquisitivos e eventuais dias ainda disponíveis, com a dedução dos períodos já gozados por conta das férias coletivas”, destaca o advogado trabalhista Ruslan Stuchi.
Lariane Del Vechio, advogada especialista em Direito do Trabalho, alerta que, se a empresa decidir conceder as férias coletivas, elas devem ser aplicadas a todos os empregados da empresa ou a setores inteiros. “Vale lembrar que é necessária a comunicação com 15 dias de antecedência e a todos os funcionários, devendo ser afixados avisos no local de trabalho”, pontua.
Os trabalhadores devem se atentar às regras das férias coletivas para exigir o cumprimento dos seus direitos. Além da comunicação prévia e do limite de fracionamento, outra questão importante é o cálculo da remuneração durante o período.
“Durante as férias coletivas, o trabalhador tem direito à remuneração integral. Contudo, o pagamento é proporcional ao número de dias de descanso, obedecendo sempre à proporção de meses trabalhados no período de um ano, acrescidos de 1/3 do valor da remuneração do empregado”, complementa Stuchi.
Caso o funcionário não esteja contratado há pelo menos um ano na empresa, o pagamento do período de descanso coletivo será proporcional ao tempo de serviço a que tem direito.
“Mesmo os empregados que não completaram o período aquisitivo de férias (12 meses) deverão gozar das suas férias proporcionais (conforme os meses trabalhados na fração de 1/12), iniciando-se um novo período aquisitivo contado da data do início das férias em questão”, explica o advogado.
Mauro Menezes & Advogados
MIGALHAS
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