por NCSTPR | 10/07/25 | Ultimas Notícias
O Ministério das Relações Exteriores convocou, nesta quarta-feira (9), o encarregado de negócios dos Estados Unidos no Brasil, Gabriel Escobar, para prestar esclarecimentos sobre uma nota considerada inaceitável e intervencionista, publicada pela embaixada norte-americana em Brasília. O comunicado oficial expressa apoio explícito ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), atacando diretamente o sistema de Justiça brasileiro e classificando o processo legal contra o político de extrema direita como uma “perseguição política”.
A atitude provocou forte reação no Itamaraty e escancarou, mais uma, vez a postura historicamente intervencionista dos Estados Unidos nos assuntos internos de países da América Latina — postura essa que, no caso brasileiro, tenta minar o processo democrático em nome de interesses geopolíticos e ideológicos.
Trump e a embaixada dos EUA: coro de desinformação
A crise diplomática se agravou após a embaixada dos EUA reiterar, na manhã da mesma quarta-feira, o apoio do ex-presidente Donald Trump a Bolsonaro. A nota afirmou que a “perseguição política” contra o ex-presidente brasileiro e seus apoiadores é “vergonhosa” e “desrespeita as tradições democráticas do Brasil”.
Dias antes, Trump havia usado sua rede social, a Truth Social, para afirmar que Bolsonaro está sendo vítima de uma “caça às bruxas”, e que o único julgamento legítimo seria “pelas urnas”. Ignorando completamente as evidências de crimes investigados, a tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro e o descrédito sistemático do sistema eleitoral brasileiro, o ex-presidente norte-americano tratou o processo judicial como um ataque político. Trump também foi investigado por motivos semelhantes nos EUA.
Mais do que palavras, as declarações expõem a articulação de uma ala ultraconservadora dos EUA — liderada por Trump — que, incomodada com o fortalecimento do Brics e a crescente projeção do Brasil sob a liderança de Lula, tenta sabotar o avanço do multilateralismo global com ameaças, bravatas e ataques à soberania dos países do Sul global. Na última semana, o Brasil sediou e presidiu a cúpula do Brics, com relevantes deliberações do grupo de países.
Lula responde: o Brasil não aceita tutela
Sem citar nomes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva respondeu com firmeza à tentativa de ingerência: “A defesa da democracia no Brasil é um tema que compete aos brasileiros. Somos um país soberano. Não aceitamos interferência ou tutela de quem quer que seja.”
Lula reforçou que o país possui “instituições sólidas e independentes” e afirmou, de forma categórica, que “ninguém está acima da lei. Sobretudo, os que atentam contra a liberdade e o Estado de Direito”.
A resposta foi vista por diplomatas e analistas como necessária e pedagógica, diante de uma escalada retórica por parte de Trump e de setores alinhados com a extrema direita global, que buscam deslegitimar sistemas democráticos fora de seus territórios, especialmente quando esses contrariam seus interesses geopolíticos e comerciais.
A disputa de fundo: Brics, desdolarização e soberania global
O timing da declaração da embaixada norte-americana não passou despercebido: ela ocorreu durante a 17ª Cúpula do Brics, realizada no Rio de Janeiro. O encontro teve como pauta central o fortalecimento da cooperação entre países emergentes, a busca por novos arranjos financeiros internacionais e a ampliação do uso de moedas locais nas trocas comerciais — medidas que representam um claro desafio à hegemonia do dólar e ao domínio geoeconômico dos EUA.
Lula foi enfático: “É uma coisa que não tem volta. Isso vai acontecendo aos poucos, até ser consolidado”, disse, referindo-se à desdolarização.
A aproximação crescente entre Brasil, China, Rússia, Índia, África do Sul e novos países-membros (como Indonésia e Irã) representa um modelo alternativo de relações internacionais — baseado na soberania, na multipolaridade e na cooperação horizontal. É esse modelo que assusta Washington, e especialmente Donald Trump, que ameaçou inclusive impor tarifas punitivas de 10% a países que se alinhem ao “antiamericanismo do Brics”.
Uma história que se repete — e que precisa acabar
Não é a primeira vez que os EUA tentam interferir nos rumos políticos brasileiros. Do apoio velado ao golpe de 1964 à complacência diante do impeachment sem crime de responsabilidade de Dilma Rousseff em 2016, passando pelo lawfare da Lava Jato com a cooperação de procuradores brasileiros e o FBI, o histórico é extenso — e sempre favoreceu interesses norte-americanos.
O episódio atual escancara a continuidade dessa lógica imperial. Mas o Brasil de 2025 não é o mesmo. Com maior inserção internacional, apoio popular e um governo comprometido com a democracia, o país mostra que não aceitará passivamente chantagens ou tutelas.
A tentativa de Trump de transformar Jair Bolsonaro — um político inelegível, investigado por tentativa de golpe e desinformação criminosa — em mártir internacional, só reforça o caráter neocolonial dessa retórica. E encontra na soberania brasileira, e na resistência dos movimentos sociais, uma barreira cada vez mais sólida.
VERMELHO
https://vermelho.org.br/2025/07/09/itamaraty-reage-a-ataque-dos-eua-a-soberania-brasileira-ao-defender-bolsonaro/
por NCSTPR | 10/07/25 | Ultimas Notícias
A Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) manteve a demissão por justa causa de um motorista carreteiro da Trans-Zoião Terraplanagem e Transportes Ltda. que tentou abastecer seu veículo particular utilizando cartões corporativos da empresa num posto em Diadema (SP). O colegiado rejeitou o agravo de instrumento do trabalhador contra a decisão das instâncias inferiores que confirmaram a validade da justa causa.
Motorista tentou abastecer três vezes com cartão da empresa
Na ação trabalhista, o motorista alegou que a demissão foi indevida. Segundo ele, os cartões eram destinados exclusivamente ao abastecimento de veículos da frota, com diesel, e seria impossível utilizá-los para fins particulares. Solicitou, na Justiça, a conversão da dispensa para imotivada e indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil.
A empresa, por sua vez, informou que houve três tentativas frustradas de abastecimento em 3 de agosto de 2022, nos horários de 17h39, 17h41 e 17h45. Após apuração interna e registro de boletim de ocorrência, a Trans-Zoião identificou, por meio de imagens de segurança, que o motorista era o autor das tentativas. Também foi verificado que os veículos vinculados aos cartões estavam, naquele momento, estacionados em São Bernardo do Campo (SP), conforme dados de GPS.
Alegação de que motorista se confundiu não convenceu
A 6ª Vara do Trabalho de São Bernardo do Campo (SP) julgou improcedente o pedido do trabalhador. O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) manteve a sentença, destacando que a empresa comprovou a irregularidade nas tentativas de abastecimento.
Em seu depoimento, o próprio motorista admitiu que tentou usar o cartão, mas alegou ter se confundido. No entanto, essa justificativa não convenceu o TRT. O tribunal observou que o cartão da empresa era verde, enquanto os cartões pessoais do trabalhador eram vermelhos ou laranja, o que tornaria improvável a confusão.
Além disso, o TRT destacou que, se a primeira tentativa tivesse sido motivada por desatenção, seria esperado que o trabalhador averiguasse o erro em vez de insistir. “O empregado tentou não só uma, mas três vezes, e com dois cartões distintos, o que enfraquece ainda mais sua justificativa”, registrou.
Recurso ao TST foi rejeitado
O motorista tentou rediscutir o caso no TST. No entanto, a ministra Dora Maria da Costa, relatora do agravo de instrumento, ressaltou que o TRT já havia reconhecido a ocorrência de falta grave. Para acolher a tese do trabalhador seria necessário o reexame de provas, o que é vedado pela jurisprudência do TST.
A decisão foi unânime.
(Lourdes Tavares/CF)
Processo: AIRR-1000284-66.2023.5.02.0466
TST JUS
https://www.tst.jus.br/en/-/mantida-justa-causa-de-motorista-que-tentou-abastecer-carro-particular-com-cart%C3%A3o-corporativo
por NCSTPR | 10/07/25 | Ultimas Notícias
Para a economista Carla Beni, professora da FGV (Fundação Getulio Vargas), a desigualdade estrutural do Brasil e manutenção de privilégios têm como motor as riquezas geradas pela herança. “No Brasil, o motor da ascensão social é a herança”, disse, em entrevista ao ICL Notícias 1ª edição desta terça-feira (8). Ela afirma que a estrutura tributária brasileira acentua desigualdades ao tributar pouco patrimônio, renda e lucros, e muito bens e serviços.
A professora explicou que nos Estados Unidos, por exemplo, o imposto por herança é uma escala: “começa com 18% e vai até 40%”, enquanto no Japão chega a 50%. “No Brasil, nosso limite máximo é 8%. São Paulo é 4%, Bahia é 6%. Nosso imposto sobre herança é menor do que o cenário internacional”, afirmou.
Segundo a economista, a carga tributária brasileira gira em torno de 33% do PIB (Produto Interno Bruto), mas o problema está na composição: “Podemos manter o tamanho da pizza, mas redistribuir melhor as fatias”, frisou.
“Essa é a origem da nossa desigualdade de oportunidades. O Estado brasileiro deixou de investir na alocação de bens e serviços públicos, e empurra investidores para o mercado financeiro com juros altos. O resultado é um sistema que perpetua privilégios e limita a mobilidade social.”
Sobre o tema da justiça tributária, o ICL (Instituto Conhecimento Liberta) lançou o manifesto Somos 99% contra privilégios de 1% da população que concentra 63% da riqueza do Brasil e de abusos de políticos fisiológicos, servidores que recebem supersalários. O movimento foi intitulado de “Somos 99 por cento”, e quem quiser aderir ao abaixo-assinado deve acessar o site 99porcento.com.br.
Ameaça de Trump ao Brics
A economista também comentou as recentes ameaças do presidente norte-americano Donald Trump de sobretaxar países do Brics. Para ela, a maneira como Trump conduz a política externa — por meio de postagens na sua própria rede social, a Truth Social — mistura interesses privados com decisões de Estado e enfraquece a credibilidade institucional dos EUA. “Estamos naturalizando um procedimento ruim para o país como um todo”, disse.
As ameaças de tarifas a países que representam 40% do PIB global e metade da população mundial ocorrem no contexto de fortalecimento do Brics frente à hegemonia norte-americana. Segundo Carla, essas medidas protecionistas já demonstraram baixa eficácia no primeiro mandato de Trump. “A sobretaxação do aço gerou o ‘efeito máquina de lavar’, com aumento dos preços dos eletrodomésticos e queda de popularidade. Ele mesmo teve que recuar”, afirmou.
Ela ressalta o descompasso temporal entre tarifas, que têm efeito imediato nos preços, e uma eventual reindustrialização, que levaria anos. “É uma estratégia de curto prazo para um problema de longo prazo.”
Desdolarização e ascensão do yuan
Outro tema que reacendeu tensões com Washington é a proposta de líderes do Brics de reduzir a dependência do dólar como moeda padrão. O presidente Lula tem defendido um sistema financeiro mais multipolar, com maior uso de moedas locais ou digitais nas trocas comerciais.
A professora da FGV destacou que o movimento já está em curso. Segundo dados do Banco Central, as reservas brasileiras em yuan (moeda chinesa) chegaram a 5%, mesmo patamar do euro — em 2018, eram zero.
“Se temos yuan como reserva, é porque empresas estão negociando nessa moeda. A grande mudança é essa”, explicou. Para ela, a substituição do dólar não significa seu desaparecimento, mas o surgimento de alternativas que podem reduzir custos operacionais e equilibrar o sistema monetário global.
Veja a entrevista completa da economista Carla Beni no vídeo abaixo:
https://youtu.be/Niv3R3SLs8M
ICL NOTÍCIAS
https://iclnoticias.com.br/economia/privilegios-mobilidade-social/
por NCSTPR | 10/07/25 | Ultimas Notícias
A montadora foi processada pelo MPT por trabalho escravo e tráfico de pessoas em sua antiga fazenda na Amazônia. Trabalhadores relembraram o caso em audiência na Vara do Trabalho de Redenção (PA)
A reportagem é de Natália Suzuki e Matheus Faustino, publicada por Repórter Brasil.
Raul Batista de Souza descobriu que foi vendido por 12 mil cruzados ao cobrar junto com os dois irmãos o pagamento pelo serviço que havia prestado na fazenda Companhia Vale do Rio Cristalino. À época, o local era propriedade da Volkswagen. Mais de 40 anos depois, ele voltou a falar do caso, ao depor ao lado de outros três trabalhadores que alegam ter sido escravizados no local, durante uma audiência na Vara do Trabalho de Redenção (PA).
“O gato [intermediário] disse que não pagava aquilo, não, e que a gente não ia sair de lá se não pagasse a dívida. Eu perguntei qual era a dívida. Foi quando ele disse que tinha comprado cada um de nós por 12 mil cruzados”, relembrou Raul em entrevista à Repórter Brasil na véspera da audiência, ocorrida no final de maio.
A montadora foi processada pelo Ministério Público do Trabalho no ano passado por trabalho escravo e tráfico de pessoas na sua antiga fazenda de pecuária e extração de madeira na Amazônia. Volkswagen e MPT apresentaram suas razões finais à Justiça na última semana de junho. A Justiça deve apresentar a sentença nas próximas semanas.
Responsável por reunir várias denúncias de trabalho escravo no local, o padre Ricardo Rezende, que também foi ouvido pela Justiça, disse que sequer conseguiu dormir na véspera. “Eu espero isso há 40 anos.”
Em 1983, Rezende organizou uma coletiva de imprensa na CNBB para denunciar as mesmas histórias que ele repetiria em juízo quatro décadas depois. Na época, apenas o jornal O Globo deu uma pequena nota numa de suas páginas internas sobre o caso. Mas no exterior, o fato foi um escândalo.
Também pudera. À época, a Volkswagen era a maior empresa da América Latina, a maior indústria automobilística brasileira. Para além da expressividade econômica e política da empresa, a Volks ocupava o imaginário brasileiro de desenvolvimento econômico e ascensão social. Enquanto marca, ela representava um estilo de vida almejado pelas famílias brasileiras.
“Diziam para gente que tinha trabalho bom na fazenda da Volks. Perguntaram se a gente gostava de jogar futebol: ‘Vocês jogam bola? Se vocês quiserem levar calçado, no final de semana, vocês vão lá na sede, tem campo. Chegamos lá, tinha campo gramadinho, tinha tudo, mas nós passou direto, nem encostou no campo e nunca jogou”, conta Ribamar, que tinha 17 anos, quando foi aliciado no Mato Grosso.
Escravizado no período em que trabalhou na fazenda, ele lembra que nunca usou as chuteiras que levou na mala. “Os calçados que nós levou do jeito que foi, voltou”, recorda.
A fazenda, quase do tamanho do município de São Paulo, era dividida em 13 glebas. As mais próximas da entrada eram reservadas aos trabalhadores formalmente contratados – grupo que contava com as “boas condições de trabalho” propagandeadas pelos gatos.
Estes peões estavam regularizados pela empresa, com registro em carteira de trabalho. Dispunham de alojamento, escolas para os filhos e, dentre outras benfeitorias, o campo de futebol com que sonhavam os jovens Ribamar e Pedro Valdo, outro trabalhador escravizado ouvido pela Justiça em Redenção.
Eles contam que começaram a perceber a realidade quando, já no primeiro dia de trabalho, viram um peão apanhar depois de reclamar sobre a situação com um gato. “Ele passou a noite amarrado no pau”, contou Ribamar.
Os trabalhadores como Raul, Ribamar e Pedro ocupavam as glebas mais distantes, a cerca de 80 km da entrada da fazenda; eram como os fundos de uma propriedade onde ninguém via ou era visto.
“A gente não tinha acesso aos alojamentos. Não tínhamos contato com os funcionários da Volks”, conta Ribamar. Além dos companheiros de trabalho, a interlocução se dava apenas com os fiscais armados, responsáveis por vigiá-los.
A área das glebas mais distante ainda era coberta por floresta nativa fechada, e o trabalho dos peões era justamente derrubá-la.
“Eu nunca tinha derrubado árvore. Na época não tinha motosserra. Tinha árvore de todo tamanho. A gente derrubava mesmo com machado os troncos desse tamanho”, conta Pedro Valdo, hoje com 60 anos, enquanto abre bem os seus braços para mostrar o diâmetro do tronco.
Uma vez desmatado, o terreno era roçado. Na região, esse serviço é conhecido como “roço da juquira”, que consiste na limpeza das raízes das árvores cortadas para a instalação de pastagem do gado. Muitas vezes, as raízes são grossas e fortemente fixadas ao chão, o que faz com que a sua retirada deva ser feita com as mãos.
Trabalhadores doentes clamavam por remédios
Na fazenda, os trabalhadores não tinham contato com a família nem com ninguém de suas cidades de origem. “Mesmo que a minha família soubesse onde estávamos, meus pais nunca teriam dinheiro para pagar a dívida”, disse Raimundo Batista Souza, hoje com 56 anos, que trabalhou pouco mais de três meses na fazenda até fugir. Ele partiu de Porto Nacional, município que hoje faz parte do Tocantins, com os dois irmãos mais velhos, Judemar e Raul. Na época, ele tinha apenas 17 anos.
“A gente pegava comida na cantina: arroz, feijão e um pouco de carne. Para o final de semana, a gente comia açaí e outras coisas da mata para não aumentar a dívida”, lembra o caçula, que foi separado dos irmãos depois que os três foram cobrar seus salários.
Depois disso, ainda veio a malária. Primeiro, Judemar adoeceu. Depois, Raimundo. “Os doentes ficavam deitados em redes na cantina tomando soro. Lá, a gente não tinha força para nada, nem para falar”, lembra.
Raimundo conta que um dia pediu para um motorista, que havia descarregado mercadoria na cantina, para levá-los a algum lugar para tomar remédio, porque já não acreditava que sobreviveria. Compadecido, o motorista os levou para um posto de saúde na cidade de Santana do Araguaia. De lá, fugiu, entrando num ônibus escondido com o irmão.
Deslocado para outra frente de trabalho, Raul também fugiu da fazenda com um companheiro de roça. Passaram nove dias na mata se orientando pelas sombras de árvores. Tinham levado consigo apenas um saco de sal. Beberam água da chuva e se alimentaram de tatu. “Ele colocou assim no espeto e cortou a carne. Ele cortou assim um filete e joguei o sal. Não sei se era a fome, mas era bom”.
Raimundo conta que deixara uma namorada na sua cidade quando partiu: “Isso me machucou muito lá no mato. Eu não falava para eles [os irmãos], porque eram de maior, e essas coisas era mais reservada. E eu pensava… e tinha noite que eu não dormia pensando: ‘E eu não volto…’ Era Marinalva o nome dela. Infelizmente quando eu voltei lá, já não encontrei ela mais. Ela já tinha caçado outro rumo. Toda a vida eu pensava assim, mesmo na situação que eu tava, feio, rupiado, magro, véio, mas eu tinha vontade de ver ela, ao menos para conversar com ela, explicar um pouco do que eu passei para ela, para ver se ela entendia, mas infelizmente não foi possível”.
‘42 anos não são 42 dias’
Enquanto os irmãos se esforçavam para fugir da fazenda, o padre Rezende viajava até o local junto a uma comissão parlamentar, em 1983, para investigar as denúncias de trabalho escravo na propriedade. Na época, Expedito Soares, então deputado estadual pelo PT, denunciara as violações na Fazenda Volkswagen na Assembleia Legislativa de São Paulo.
“Os parlamentares, alguns ligados [politicamente] à Volks, dispuseram dois aviões para mostrar que a situação não era bem assim”, contou na audiência.
A comissão visitou apenas as primeiras glebas da fazenda, onde estavam concentrados os trabalhadores contratados formalmente pela empresa. Mesmo assim, dois incidentes indicaram que havia muito mais ali para ser averiguado.
“Um homem se aproximou do grupo e perguntou: ‘Tem um padre aqui?’. Eu disse que sim, que era eu. ‘O senhor precisa me salvar. Estou aqui há nove meses, estou com malária e não consigo sair’”, rememorou o padre na audiência.
Em outro momento, Expedito contou que a comissão encontrou um trabalhador amarrado na caçamba de uma camionete. Ele havia acabado de ser “capturado”. “Um dos gatos da fazenda, o Abilão, disse que ele havia fugido e tiveram que trazer de volta assim”. O ex-deputado lembra que o gato tentou justificar que esse era o tipo de tratamento necessário contra os empregados que não queriam trabalhar.
Dessa visita, a única promessa feita à comissão parlamentar foi a demissão de dois gatos, Abilão e Chicô. A promessa nunca foi cumprida.
Na audiência, Soares e Rezende foram convocados como testemunhas, mas os advogados da Volkswagen alegaram que eram partes interessadas e solicitaram a sua dispensa. O juiz acatou a argumentação, por isso acabaram depondo como informantes do MPT.
Ribamar espera que o caso se encerre logo: “Que o juiz tenha bom senso, que resolva isso logo, porque já tá com muito tempo. 42 anos não é 42 dias. Tem gente que tá aqui que não é nem nascida”.
Para Pedro Valdo, o desfecho do caso precisa servir de exemplo para que a história não se repita: “Que acabe com isso, chega de trabalho escravo. Nós não merece isso. Porque pode ser os nossos filhos a passar por isso. (…) Quem tá tocando ainda hoje isso, precisa ser punido. Não pode ficar impune, porque o ser humano não merece mais isso. Chega de ser escravo dos rico”, diz Pedro Valdo.
“Será que o dono da Volks não se sentiu culpado? Como eles se sentiram de ver tanto filho alheio morto, sofrendo naquela situação, e eles de boa aí, usando o dinheiro do sangue derramado dos peão. Eles derramando sangue e usufruindo do dinheiro. Será que não comove eles de ver os filhos dos pobres sofrendo? Eles têm condições de não usar o suor da gente para sobreviver porque a gente trabalhou e não ganhou dinheiro”, continua.
Pedro Valdo contou que voltara com alguma frequência para a região do Sul do Pará antes da audiência. Não retornou para trabalhar em fazenda, mas pôde de alguma forma realizar o sonho de jogar futebol por lá. Hoje, trabalha como coordenador de esporte e é técnico do time feminino da sua cidade. “Aqui em Redenção vim jogar duas vezes. Já jogamos em Santana [do Araguaia], Marabá, Jacundá. Vim como passeio”, conta.
A posição da Volkswagen
Na audiência, mais uma vez a Volkswagen negou ciência sobre essas condições, eximindo-se da responsabilidade sobre as violações em sua propriedade. Em seu depoimento, o representante da empresa tentou separar a empresa do empreendimento na Amazônia. Alegou que se tratavam de pessoas jurídicas distintas e que a Volkswagen teria apenas 10% de participação na companhia, por isso a direção da empresa não teria conhecimento das práticas cotidianas do local.
Contudo, segundo documentos anexados pelo MPT ao processo, a empresa sempre foi a sócia majoritária, com mais de 70% do capital da empresa.
Outra linha de argumentação sustentada pela empresa era de que as condições a que eram submetidos os trabalhadores eram comuns na região. A todos os trabalhadores, o advogado da firma questionou se haviam trabalhado em outras fazendas e se o tratamento recebido era semelhante.
Rezende rememorou no seu depoimento que o gerente da fazenda, Friedrich Brügger, trouxera a mesma justificativa há 40 anos: “Me diga o nome de uma fazenda que faça diferente do que fazemos”, disse-lhe o encarregado da Volks. À época, o padre respondera que não conseguiria indicar uma propriedade, mas que independentemente disso, o tratamento dado aos trabalhadores na Fazenda da Volks era injustificado: “Está errado”.
Ao final, o advogado da empresa questionou Rezende se o trabalho escravo ainda existe na atualidade, tentando indicar que o problema é inerente e permanente na região até hoje: “A partir de 1995, a situação mudou por causa da política pública e das fiscalizações. O trabalho escravo mudou quantitativa e qualitativamente na região”, replicou.
Por décadas, a região sul do Pará concentrou a maior quantidade de casos de trabalho escravo e de trabalhadores resgatados de todo o Brasil. Os casos eram registrados principalmente no Arco do Desmatamento, área da Amazônia onde a fronteira agropecuária avança sobre a floresta nativa.
Nessa região, os trabalhadores resgatados, em sua maioria, eram empregados em atividades de desmatamento ilegal, roço da juquira e cercamento de pastos. Essa condição colocou o Pará como o estado líder de trabalho escravo no ranking nacional na série histórica. Entre 1995 e 2024, 13.557 escravizados foram resgatados em 685 casos. Contudo, na última década, o estado cede a liderança para o estado de Minas Gerais.
Apesar de o reconhecimento da existência do trabalho escravo no Brasil pelo Estado ter ocorrido apenas em 1995, já havia marco legal que proibia as práticas perpetradas na fazenda da Volkswagen entre as décadas de 1970 e 1980.
“As condições de trabalho escravo, em especial a servidão por dívida, assim já eram caracterizadas pelo nosso marco legal desde o início do século 20. O artigo 149 [do Código Penal] sempre contemplou servidão por dívida como uma modalidade do trabalho escravo contemporâneo. O fato de não ser combatido não significa que era permitido”, argumenta Rafael Garcia, procurador do Ministério Público do Trabalho.
A implementação da política de combate ao trabalho escravo do Estado brasileiro colaborou para que as condições de extrema violência contra os trabalhadores arrefecessem. Os resgates realizados pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel, responsável por fiscalizar as denúncias em locais de difícil acesso, e as sanções administrativas e judiciais colaboraram para reduzir as práticas mais hediondas contra os trabalhadores. O trabalho escravo ainda é um problema alarmante na região, mas a vigilância ostensiva, agressões físicas e as execuções são mais raras. Permanecem ainda as condições degradantes — em geral, referente a alojamentos, instalações sanitárias e falta de água potável — e a servidão por dívida.
Garcia avalia que a falta de investigação e punição, na época, era decorrente do contexto autoritário e repressivo da ditadura militar, contra lideranças e trabalhadores rurais que denunciavam as violações de direitos humanos.
Quatro décadas depois, os relatos do padre Rezende e dos quatros trabalhadores são provas de que as violações nunca foram esquecidas. Permanece viva também a esperança deles em encontrar Justiça. “Os direitos humanos são para os resistentes”, diz Rezende.
IHU – UNISINOS
https://www.ihu.unisinos.br/654234-eles-nunca-esqueceram-os-trabalhadores-que-acusam-a-volkswagen-de-escraviza-los
por NCSTPR | 10/07/25 | Ultimas Notícias
“A elite teme que o aumento do IOF seja o primeiro passo para uma reforma tributária mais progressiva, que tribute patrimônio, lucros e dividendos. Em um país tão desigual quanto o Brasil, qualquer proposta nesse sentido é vista como ameaça aos privilégios dos mais ricos.”
Frei Betto é escritor, autor do romance sobre ditadura e indígenas “Tom vermelho do verde” (Rocco), entre outros livros.
Eis o artigo.
Ao completar dois anos e meio de mandato, o presidente Lula enfrenta forte tensão no Congresso Nacional. A base ampla e diversa que o elegeu com margem apertada começa a se desintegrar diante de disputas orçamentárias e da antecipação do calendário eleitoral. Em meio à pressão por responsabilidade fiscal, o governo propôs a elevação do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), voltado para o topo da pirâmide econômica, mas viu o Congresso rejeitar a medida.
O IOF incide sobre operações como câmbio, crédito, seguros e investimentos. O ajuste sugerido pelo governo era modesto: elevar, por exemplo, de 3,38% para 3,5% a taxa sobre compras internacionais com cartão de crédito. Em 2019, no governo Bolsonaro, este percentual era de 6,38%. O aumento também afetaria a compra de moeda estrangeira em espécie (de 1,1% para 3,5%) e transferências de dinheiro para o exterior. A previsão era arrecadar R$ 10 bilhões em 2025 e R$ 61,5 bilhões até 2026 — recursos que iriam para áreas como saúde e educação.
No entanto, em 25 de junho, a maioria do Congresso votou contra a proposta. Dos 513 deputados, 383 votaram a favor da manutenção de benefícios para cerca de 430 mil milionários brasileiros, em detrimento de uma população de 213 milhões. Apenas 98 deputados votaram a favor do governo.
Diante desse revés, Lula ensaia uma reaproximação com os movimentos sociais. Talvez seja tarde demais para reorganizar essa base de apoio. O gesto sinaliza uma tentativa de resgatar a governabilidade não pelo centrão, mas pela mobilização popular.
Boa parte da elite econômica brasileira adota um discurso liberal que defende menos Estado e mais privatizações. Para esse grupo, qualquer imposto que incida sobre patrimônio ou renda — como o IOF ou o proposto Imposto sobre Grandes Fortunas — é visto como ameaça à “liberdade do mercado”. Ao mesmo tempo, raramente se opõem ao aumento de tributos indiretos como ICMS ou PIS/Cofins, que pesam muito mais no bolso dos mais pobres.
O aumento do IOF afeta diretamente quem realiza operações financeiras de grande porte, como remessas internacionais, aplicações no exterior e viagens com altos gastos. O imposto, com forte caráter regulatório, é visto como intervencionista e barreira para estratégias de proteção de patrimônio em paraísos fiscais — prática comum entre os super-ricos.
Segundo nota técnica do Dieese, o sistema tributário brasileiro é altamente regressivo: 40,2% da arrecadação vêm de tributos indiretos (como ICMS e ISS), enquanto apenas 27,4% de impostos sobre renda. Isso significa que quem ganha menos paga proporcionalmente mais.
Um dado alarmante: os 10% mais pobres destinam 23,4% da renda aos tributos indiretos, enquanto os 10% mais ricos comprometem apenas 8,6% com esse tipo de imposto. Nos tributos diretos, como o IPTU, a distorção se repete: representa 41% dos tributos pagos pelos mais pobres e apenas 9% pelos mais ricos.
Apesar de a carga tributária brasileira representar 33% do PIB — abaixo da média da OCDE, de 35% —, sua distribuição é extremamente desigual.
A elite teme que o aumento do IOF seja o primeiro passo para uma reforma tributária mais progressiva, que tribute patrimônio, lucros e dividendos. Em um país tão desigual quanto o Brasil, qualquer proposta nesse sentido é vista como ameaça aos privilégios dos mais ricos.
Ainda assim, o governo Lula segue tentando avançar. Entre as medidas propostas está a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês e alíquotas reduzidas para quem recebe até R$ 7 mil. A contrapartida seria o aumento da carga sobre quem ganha R$ 50 mil mensais ou mais — um ajuste considerado justo, mas que enfrenta resistências no Congresso.
Em um parlamento dominado por interesses das elites econômicas, essas mudanças só serão aprovadas com ampla mobilização social. Por isso, é fundamental que a população se engaje em iniciativas como o Plebiscito Popular da Reforma Tributária. Acesse aqui. Participe. Um sistema tributário mais justo depende de sua atuação.
IHU – UNISINOS
https://www.ihu.unisinos.br/654224-o-impasse-tributario-do-governo-lula-iof-congresso-e-a-elite