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UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

bilionário Elon Musk deflagrou confronto aberto, por meio da plataforma “X” (ex-Twitter), contra o Supremo Tribunal Federal e o ministro Alexandre de Moraes, acusando-o de violar a liberdade de expressão, autoritarismo em suas decisões e dizendo que não cumpriria mais suas determinações.

Os questionamentos são bem similares àqueles que tomam conta das redes sociais por aqui, faz tempo. Como o controle das informações por ali disponibilizadas é quase impossível de acontecer em tempo real, muitas pessoas passaram a compartilhar todo tipo de mensagens que estivessem em consonância com seu pensamento, independentemente de aferirem sua fidedignidade ou não. Esse fenômeno é descrito por Carlos Affonso Souza e Chiara Antonia Spadaccini de Teffe[1], destacando principalmente o engajamento gerado por manchetes sensacionalistas e conteúdo inverídico.

A troca de informações perante as redes sociais, que possibilitam uma gama de interações, compartilhamentos e visualizações, acabaram por potencializar a divulgação das informações, podendo até gerar debates, mas também facilitam a propagação de conteúdo inverídico, expandindo a circulação da informação, sendo, ao mesmo tempo, bom para o aperfeiçoamento do debate, segundo o pensamento de Mill, quanto catalizador da desinformação, conforme explicita André Faustino em sua dissertação[2].

Essa mudança comportamental veio para ficar, principalmente diante da perspectiva de que as redes sociais não obedecem ao princípio de neutralidade, potencializando a interação entre pessoas que pensam da mesma forma, uma vez que os algoritmos das redes são desenvolvidos para gerar essa interação por empatia, produzindo assim bolhas de pensamento. Nesse sentido, Eli Pariser[3], Matheus Mans e Bruno Capela[4]; Juliana Rocha Franco[5] e Letícia Duarte[6].

De outro lado, a internet não é um “espaço sem lei”, prova disso foi o surgimento na legislação pátria reguladora do setor, chamada de Marco Civil da Internet, a saber: a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, a qual, entre outras normas específicas prevê a possibilidade de responsabilização de sites e de terceiros contra a manifestação na rede mundial de computadores eivadas de ilegalidade, seja atentando contra a imagem e a honra alheias ou até mesmo difundindo informação inverídica. Mais recentemente tivemos a publicação da Lei Geral de Proteção de Dados, de outro lado, ainda não regulamos as redes, processo já realizado por diversos país do mundo, incluindo a Europa.

Como exposto inicialmente, Elon Musk quer fazer crer com seu discurso que o Poder Judiciário, mais especificamente o Supremo Tribunal Federal, estaria violando a liberdade de expressão, e que este seria um direito ilimitado. Por isso, relevante estabelecermos uma distinção entre liberdade de expressão e sua extrapolação. Isso porque, conquanto a liberdade de expressão seja um direito de todo e qualquer indivíduo manifestar seu pensamento (artigo 5º, inciso IV e IX, c/c artigo 220 da CF, que tutela a liberdade de informação e manifestação), isso não pode ser um subterfúgio para o vilipêndio à honra e imagem de qualquer pessoa, ou a difusão de desinformação (artigo 1º, III c/c 5º, inciso X, Constituição Federal cart. 1º, III, da CF/88, que tutela a privacidade, a honra e a imagem, bem como a dignidade da pessoa humana), que também possuem proteção constitucional.

Veja que o próprio artigo 5º, inciso IV da Constituição Federal, defende a liberdade de manifestação, mas veda o anonimato, justamente para proteger a possibilidade de responsabilização em caso de violação à honra, ou outros direitos da esfera privada do cidadão.

Ou seja, a honra, a imagem e mesmo a privacidade, como direitos fundamentais e direitos da personalidade, quando maculados por informações falsas disseminadas na internet, ou imputações caluniosas, injuriosas e difamatórias, e em outros meios de comunicação, devem prevalecer em relação a liberdade de expressão. Até porque, não há que se falar em liberdade de expressão quando essa extrapola os limites constitucionais e legais a ela imposta. Não há uma liberdade ilimitada, mas sim condicionada a outros valores e bens também protegidos pelo ordenamento. Dentro desse contexto, o voto do Ministro Edson Fachin, no julgamento da ADPF 572, citando precedente da Suprema Corte Americana, é esclarecedor:

Nada obstante a Primeira Emenda estabelecer que o Congresso não poderá criar lei restringindo a liberdade de expressão, a Suprema Corte decidiu em Schenk v. Estados Unidos (1919), que esse direito poderia ser limitado se a intenção do agente se dirigisse ao cometimento de práticas criminosas e representasse um “perigo claro e iminente”. Na opinião redigida por Oliver Wendell Holmes Jr., que guiou a votação por unanimidade, ficou assentada uma das mais conhecidas expressões do direito norte-americano. Expressão essa que refere, justamente, a impossibilidade de proteger uma informação deliberadamente falsa: “A mais rigorosa proteção da liberdade de expressão não protegeria um homem que, falsamente, grita “fogo” no interior de um teatro, causando pânico” (Schenck v. United States, 249 U.S. 47, 1919).

O juiz Holmes lança os fundamentos de um teste que fica conhecido, precisamente, como “perigo claro e iminente”, e se dirige a auferir as circunstâncias concretas do caso que indicam a existência de um mal substantivo.”

Mesmo na teoria de John Stuart Mill a liberdade de expressão não é absoluta, havendo limites. Segundo ele essa limitação poderia ocorrer quando o argumento ou pensamento possa provocar dano a outro. Mill se apresenta totalmente intolerante com a distorção dos fatos, não confunda com a liberdade defendida aos argumentos, e que O’Rourke[7] assim fundamenta: “Distorcer ou ocultar fatos não é algo que Mill tolera. Ele considera os interesses da verdade e da justiça como necessários para o bem-estar geral da discussão, enquanto a fraude, a traição e a força como contrários ao interesse coletivo.”

Sobre a possibilidade de limitação da liberdade de expressão há também a teoria clássica de Karl Popper[8], conhecida como o paradoxo da tolerância, onde a tolerância ilimitada com os intolerantes (aqueles que são traiçoeiros, mentem, professam o ódio, são dissimulados e etc…), pode levar ao desaparecimento da tolerância, motivo pelo qual a tolerância deve ser limitada, para justamente não levar ao seu fim.

Elder Maia Goltzman no livro Liberdade de expressão e desinformação em contextos eleitorais: parâmetros de enfrentamento com base nas sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos[9] desenvolve argumentos relevantes a respeitos de alguns parâmetros limitadores da liberdade de expressão, principalmente diante do dilema das redes sociais. Suas lições sobre a possibilidade de limitação da liberdade de expressão no cyberespaço, encontra plena convergência com a amplitude com que tal direito restou consagrado tanto no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, quanto na Convenção Interamericana de Direitos Humanos.

De fato, a par da cláusula de restrição mencionada pelo autor (art. 19, 3, a e b do PIDCP), as duas Cartas Internacionais de Direitos preveem hipóteses expressas de limitação da livre manifestação do pensamento quando esta for manejada para materializar discurso de ódio. Em realidade, nestas circunstâncias as Cartas consagram verdadeiros mandatos de proibição, como consta no art. 13, 5 da Convenção Americana dos Direitos Humanos (CADH) e no art. 20, 1 e 2 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP)

Diante desse cenário, do potencial danoso que as notícias falsas podem provocar, dos ataques sofridos pelo STF por parte de um dono de rede social, é imprescindível e urgente a regulamentação das redes, conforme exposto pelo Ministro da AGU, Jorge Messias[10].

Enquanto isso, a Justiça não pode deixar de responder corretamente à função que lhe foi confiada pelo ordenamento jurídico, como guardiã maior da democracia, sobretudo porque, como previsto nos arts. 139, IV, 497, parágrafo único, 297, 536 e 537, todos do NCPC, houve uma clara aposta nos juízes, dados os poderes que lhes foram conferidos para efetivar os direitos.

[1] SOUZA, Carlos Affonso; TEFFÉ, Chiara Antonia Spadaccini de. Fake News e eleições : identificando e combatendo a desordem informacional. In: ABBOUD, Georges; JR, Nelson Nery; RICARDO, Campos (Eds.). Fake news e Regulação. São Paulo: Thomson Reuters, 2018. p. 177–190.

[2] FAUSTINO, André. Fake news e a liberdade de expressão nas redes sociais na Sociedade da Informação. Dissertação. Mestrado em Direito. 140 fl. Faculdades Metropolitanas Unidas. São Paulo: 2018.

[3] PARISER, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

[4] CAPELA, Bruno e Mans, Matheus. Saiba como os algoritmos das redes sociais podem mudar a política. Cultura Digital. Estadão. 10 de novembro de 2016. Disponível em:  <https://www.estadao.com.br/link/cultura-digital/redes-sociais-formam-bolhas-politicas/> Acesso em: 10/05/2023.

[5] FRANCO, Juliana Rocha. Algoritmos da internet favorecem criação de bolhas sociais. Disponível em:  < https://www.uai.com.br/app/noticia/pensar/2017/07/28/noticias-pensar,210591/algoritmos-da-internet-favorecem-criacao-de-bolhas-sociais.shtml> Acesso em: 10/05/2023.

[6] DUARTE, Letícia. Como as redes sociais formam bolhas de radicalização e intolerância. Política. GZH. 18 de novembro de 2016. Disponível em:  < https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/noticia/2016/11/como-as-redes-sociais-formam-bolhas-de-radicalizacao-e-intolerancia-8377226.html> Acesso em: 10/05/2023.

[7] O’ROURKE, K. C. John Stuart Mill and freedom of expression.: the genesis of theory. London and New York: Routledge, 2001.

[8] POPPER, Karl. The Open Society and Its Enemies. Routledge, United Kingdom, Princeton University Press, 1971, v.1.

[9] GOLTZMAN, Elder Maia. Liberdade de expressão e desinformação em contextos eleitorais: parâmetros de enfrentamento com base nas sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Belo Horizonte: Fórum, 2022.

[10] “É urgente regulamentar as redes sociais. Não podemos conviver em uma sociedade em que bilionários com domicílio no exterior tenham controle de redes sociais e se coloquem em condições de violar o Estado de Direito, descumprindo ordens judiciais e ameaçando nossas autoridades. A Paz Social é inegociável”… – Veja mais em https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2024/04/07/agu-defende-regulamentacao-de-redes-sociais-apos-elon-musk-desafiar-decisoes-de-moraes.htm?cmpid=copiaecola