por NCSTPR | 21/01/25 | Audio, Ultimas Notícias
A empresa JBS é acusada de trabalho escravo do Brasil a Europa.
Na última semana, 10 trabalhadores foram resgatados de trabalho análogo a escravo em uma empresa contratada da JBS no município gaúcho de Arvorezinha. Eles eram responsáveis pela “apanha de frangos”, atividade de captura e encaixotamento de aves na empresa terceirizada, que era responsável pela etapa de criação e engorda de frangos para a empresa brasileira.
A operação conjunta do Ministério do Trabalho, Ministério Público e Polícia Rodoviária Federal encontrou práticas de trabalho forçado, condições degradantes de moradia e alimentação, jornadas exaustivas e insalubres e servidão por dívidas. Os trabalhadores eram homens e jovens, entre 21 e 33 anos e provenientes de Pernambuco, Bahia e Maranhão.
A JBS declarou, em nota, ter suspendido o contrato com a empresa. O MPT continuará as investigações sobre a cadeia produtiva, com foco na unidade da JBS em Passo Fundo, que era abastecida pela referida empresa.
Histórico da JBS em Passo Fundo-RS
A unidade da JBS em Passo Fundo já acumula problemas relacionados à saúde e à segurança do trabalho. Em outubro de 2024, foi palco de um incêndio que se espalhou por um galpão de embalagens, mas, felizmente, não houve feridos. O Observatório de Saúde e Trabalho no Agronegócio relatou um aumento nos casos de incêndio no último ano no território nacional. Mais recentemente, a Repórter Brasil associou esses incêndios à falta de manutenção e aos cortes nos programas de prevenção de acidentes nas fábricas.
Em maio de 2020, a unidade de Passo Fundo da empresa tornou-se um centro de contágio da COVID-19, após registrar um surto da doença entre seus trabalhadores. Em junho de 2020, cerca de 20% dos funcionários de frigoríficos já haviam contraído a doença, que afetou desproporcionalmente suas famílias e comunidades.
Acordo do Mercosul com União Europeia
O resgate dos trabalhadores de Arvorezinha acontece em meio a uma série de debates sobre o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul. Na semana passada, um grupo de pesquisadores e ativistas brasileiros participou de uma audiência no Parlamento Europeu, marcando posição contra o acordo. Na ocasião, João Pedro Stédile, do MST, afirmou: “Tenham coragem de colocar freio na ganância das empresas europeias, que são os grandes produtores de agrotóxicos que estão envenenando a América Latina. Eu me refiro à Syngenta, Bayer, Basf e a DuPont”.
A denúncia de Stédile vai na esteira das pesquisas da geógrafa brasileira Larissa Bombardi, que analisou a relação entre as corporações de agrotóxicos europeias e seu impacto na exportação para o Brasil. Na Europa, os limites permitidos para o glifosato, o herbicida mais amplamente utilizado em território brasileiro, são 5.000 vezes menores do que no Brasil. O colonialismo químico permite que os fabricantes de agrotóxicos exportem para a América Latina substâncias cujo uso é proibido na União Europeia.
As consequências do acordo UE-Mercosul têm sido objeto de reflexão também na imprensa francesa. O Le Monde Francês traz uma análise de Anne-Dominique Correa sobre o impacto do acordo para a gigante da proteína animal JBS, beneficiada desde o início. De acordo com a ONG Mighty Earth, a JBS seria responsável pelo desmatamento de 118 mil hectares de floresta apenas entre fevereiro de 2022 e julho de 2024. Destacam-se, ainda, os problemas sanitários relacionados à forma de produção, que utiliza amplamente grãos transgênicos e o uso intensivo de agrotóxicos na alimentação dos animais. Esses agrotóxicos podem se bioacumular nos tecidos gordurosos de carnes e leite, causando câncer, problemas reprodutivos e más formações fetais.
Ainda há quem defenda o pacto, convencido de que ele, de alguma forma, possa proteger a agricultura familiar brasileira, uma vez que boa parte da avicultura e da suinocultura, por exemplo, conta com o trabalho de famílias de agricultores em todo o Brasil, por meio de sistemas de integração produtiva. Essas famílias ainda estão aprisionadas no paradigma do “agronegocinho”: enquanto as mega-corporações, oriundas dos programas das campeãs nacionais, colocam em prática a maior operação de concentração de capitais da história dos sistemas alimentares, famílias de criadores de frangos e porcos trabalham 18 horas por dia para atender às prescrições do agronegócio, que se tornam, a cada dia, mais inatingíveis. Trata-se de mais um típico caso brasileiro de uma fração da classe trabalhadora que pensa com o bolso do patrão, ainda que viva sob as condições de um lumpemproletariado agrário.
Como já destacamos antes, a cadeia de produção da JBS está carregada de problemas sociais e ambientais: trabalho infantil em frigoríficos dos EUA, desmatamento, grilagem de terras no cerrado e na Amazônia, infecções em massa por COVID-19 no Brasil e nos EUA, denúncias de trabalho degradante e precário, em geral associado a imigrantes vulneráveis, como o trabalho escravo de Arvorezinha, além de ter se tornado campeã de acidentes de trabalho no últimos anos.
Enfim, trata-se de um acordo do agronegócio brasileiro com colonialismo químico europeu, no qual as duas partes saem perdendo, já que jogamos água no moinho das piores práticas sociais brasileiras – do desmatamento da Amazônia ao trabalho escravo Made in Brazil – e das piores práticas europeias – do extrativismo que adoece ao esgotamento de solos e da biodiversidade. Estaremos mais distantes de um mundo habitável.
DM TEM DEBATE
https://www.dmtemdebate.com.br/trabalho-escravo-na-cadeia-produtiva/
por NCSTPR | 21/01/25 | Audio, Ultimas Notícias
Krys Machado Deucher
O artigo aborda a adaptação profissional às revoluções tecnológicas, destacando a regulamentação da IA no Direito do Trabalho e os direitos laborais.
1. Introdução
A IA – Inteligência Artificial e suas implicações no mundo do trabalho têm sido amplamente discutidas atualmente. Mas, afinal, como a IA funciona? A IA é uma área da ciência da computação que desenvolve sistemas capazes de executar tarefas que anteriormente demandavam inteligência humana. Para a realização dessas tarefas, a IA utiliza algoritmos e modelos matemáticos, os quais orientam as ações do software.
Mas como a IA se manifesta no cotidiano? Ela está presente em diversas situações, muitas vezes sem que as pessoas percebam. Exemplos incluem assistentes virtuais como Siri, Alexa e Google Assistant, plataformas de recomendação de filmes (streaming), filtros de redes sociais, ferramentas de edição de imagens e até robôs de supermercado.
Perceba que a IA já está integrada à vida cotidiana, frequentemente de forma invisível. Mas como ela pode ser aplicada no campo do Direito do Trabalho? Quais os desafios e impactos dessa tecnologia nas relações trabalhistas? Este artigo convida o leitor a refletir sobre o papel da IA na transformação das relações de trabalho e as implicações jurídicas que dela decorrem.
2. IA – Inteligência Artificial e a necessidade de regulamentação para mitigar os impactos nas relações de trabalho
2.1. Regulamentação jurídica da Inteligência Artificial
A IA, assim como outras tecnologias disruptivas, impõe desafios significativos para a regulamentação jurídica, que afeta diferentes áreas do Direito, como responsabilidade civil e penal (principalmente no que se refere à disseminação de fake news e criação de deep fakes). No contexto do Direito do Trabalho, o principal desafio é a segurança jurídica dos direitos dos trabalhadores, especialmente em um cenário em que muitos economistas preveem a substituição de diversos postos de trabalho pela IA.
A CF/88, em seu art. 170, estabelece que a economia brasileira é fundada na valorização do trabalho humano, com o princípio da busca pelo pleno emprego. Esse princípio demonstra o enorme desafio que a regulamentação da IA representa no Direito do Trabalho, dado que a CF/88 é a norma de maior hierarquia do país e baliza os direitos fundamentais dos cidadãos.
Além disso, o CNJ – Conselho Nacional de Justiça editou a resolução 332/20, que trata da ética, transparência e governança no uso da IA pelo Poder Judiciário, mas ainda não aborda diretamente as relações trabalhistas. Nesse cenário, a falta de uma regulamentação específica para o uso da IA no Direito do Trabalho gera insegurança jurídica, principalmente no que se refere à proteção dos direitos dos trabalhadores.
É certo que qualquer regulamentação sobre IA no contexto trabalhista deve estar em conformidade com a CF/88, especialmente no que se refere à valorização do trabalho humano. Os legisladores não podem agir em contrariedade aos princípios da Lei Maior, sob pena de vulnerar os direitos fundamentais dos trabalhadores.
2.2. Adaptação diante desta tecnologia revolucionária
A crescente utilização da IA é um fato. Muitos a utilizam diariamente sem perceber, seja por meio de assistentes virtuais ou plataformas de recomendação. No ambiente de trabalho, a IA está alterando a dinâmica da força de trabalho. À medida que a tecnologia avança, surgem novos desafios, como a segurança do trabalho, a aprendizagem contínua e a manutenção de empregos.
Profissionais de todas as áreas devem se adaptar às mudanças tecnológicas e desenvolver habilidades como criatividade e análise crítica, essenciais para garantir um lugar no mercado de trabalho. A IA representa uma revolução, e os profissionais que não se atualizarem ficarão à margem, enquanto aqueles que abraçarem a tecnologia se destacarão no trabalho do futuro. A adaptação não depende da IA, mas da disposição dos indivíduos em aprender e se ajustar às novas exigências do mercado.
2.3. Inteligência Artificial e o Direito do Trabalho
Como já abordado, a IA tem um grande potencial de otimizar a produtividade das empresas e do ambiente de trabalho. A IA pode revisar documentos, realizar auditorias e executar tarefas repetitivas, liberando os trabalhadores para funções mais estratégicas. Além disso, ela auxilia na tomada de decisões e na redução de erros, o que pode melhorar o desempenho organizacional.
No entanto, é essencial destacar que, apesar dos benefícios, a utilização da IA deve ser equilibrada com a proteção dos direitos dos trabalhadores, principalmente no que se refere à privacidade, segurança e à manutenção de empregos. A tomada de decisões automatizada, sem supervisão humana, pode gerar impactos negativos, como discriminação, violação de privacidade e desemprego tecnológico.
Portanto, a regulamentação da IA no Direito do Trabalho deve garantir que os avanços tecnológicos sejam compatíveis com os direitos fundamentais dos trabalhadores. A CF/88, como norma superior, estabelece a proteção ao trabalho humano, e qualquer medida legislativa ou regulatória deve caminhar nesse sentido.
É importante destacar que a IA não substitui a necessidade de intervenção humana. Por exemplo, a utilização de IA nos chamados “prompts” ou no uso do “ChatGPT” requer supervisão e compreensão por parte dos profissionais que interagem com a tecnologia. Dessa forma, embora a IA possa contribuir significativamente para a eficiência e produtividade, ela deve ser implementada de maneira ética e responsável, respeitando os direitos dos trabalhadores.
3. Considerações finais
A regulamentação da IA no Direito do Trabalho é urgente e necessária. A tecnologia tem o potencial de transformar positivamente o ambiente de trabalho, mas também impõe desafios relacionados à proteção dos direitos dos trabalhadores. A legislação brasileira, com base nos princípios da CF/88, deve criar um marco regulatório que equilibre os avanços tecnológicos com a proteção dos direitos trabalhistas, garantindo que os trabalhadores sejam beneficiados e não prejudicados pela revolução digital.
É fundamental que os profissionais, legisladores e empresas estejam atentos à evolução dessa tecnologia e busquem formas de integrar a IA de maneira ética e justa nas relações de trabalho.
Krys Machado Deucher
Advogada associada do escritório JVLN Advogados Associados. Especialista em Direito e Processo do Trabalho (Anhanguera). Especialista em Gestão de Equipes de Alta Performance (Anhanguera). Pós-graduanda em Gestão de RH com ênfase no Direito do Trabalho (CENES).
MIGALHAS | https://www.migalhas.com.br/depeso/423126/ia-e-regulamentacao-capaz-de-mitigar-impactos-nas-relacoes-de-trabalho
por NCSTPR | 21/01/25 | Audio, Ultimas Notícias
A bandeira da redução da jornada de 44 para 40 horas semanais sem redução salarial vem sendo levantada pelas centrais sindicais desde 2004.
Ana Paula Colombi, Anderson Campos, Ariella Silva Araújo, Andréia Galvão, Dari Krein, Elaine Amorim e Patrícia Vieira Trópia [1]
Fonte: Jornal GGN
Odebate em torno do fim da escala 6X1 alcançou grande repercussão nas redes sociais, sendo a primeira bandeira em favor da defesa de direitos que as forças do trabalho conseguem emplacar desde o embate em torno da reforma trabalhista de 2017. Além de remeter a uma escala específica, de seis dias trabalhados e um dia de descanso semanal, esse debate recolocou na ordem do dia o tema da redução da jornada de trabalho sem redução de salário, já que as condições de uso do tempo de trabalho não se restringem à forma pela qual a jornada é distribuída.
A popularização da crítica à escala 6X1 começou a ganhar destaque a partir de um desabafo feito por Rick Azevedo, um jovem negro, homossexual, que foi auxiliar de serviços gerais, vendedor, frentista e, na ocasião em que publicou seu vídeo no Tik Tok, era balconista de farmácia[2]. Mas a que se deve a repercussão dessa pauta? E por que essa mobilização não foi puxada pelo movimento sindical, uma vez que a extensão da jornada laboral é um problema comum a milhares de trabalhadores(as)?
Um primeiro aspecto a ser destacado é que a trajetória laboral de Rick reflete as características preponderantes no mercado de trabalho brasileiro, pois transita entre empregos formais que exigem baixa qualificação profissional e ocupações informais, em que os baixos salários e as longas jornadas se somam à ausência de direitos. O fim da escala 6×1 expressa, por um lado, a denúncia do fato de que uma parte considerável da população ocupada, a despeito de trabalhar muito, não consegue viver de modo compatível com suas aspirações, havendo uma discrepância entre o tempo dedicado ao trabalho e a remuneração obtida. Por outro lado, constitui um clamor, especialmente por parte da juventude trabalhadora, de que a vida não pode ser reduzida ao trabalho. O sentimento de exaustão, compartilhado por trabalhadoras e trabalhadores de diferentes ocupações, fez com que essa bandeira de luta ganhasse expressão na sociedade, obtendo apoio de 70% da população[3].
Um segundo aspecto a ser mencionado é que, depois de 40 anos de hegemonia neoliberal, globalização financeira, inovações tecnológicas e reformas laborais que aprofundaram a precarização do trabalho, a insatisfação com as condições de trabalho, o desencanto com o modelo de trabalho contemporâneo, as críticas ao trabalho excessivo – que vêm levando ao adoecimento e ao burnout – têm dado origem a diversas iniciativas de resistência. Uma hipótese é que podemos estar observando a emergência de um movimento, em grande parte ainda subterrâneo, em que as pessoas avaliam que não vale a pena se engajar no trabalho, pois este tem sido mais fonte de frustração do que de realização. Algumas experiências nesse sentido são o 4 Day Week Global, o movimento “Antitrampo”, o “Quiet Quitting”, a “Great Resignation” e o Joy of Logging Off (J.O.L.O.), que priorizam a qualidade de vida, a saúde e o convívio social[4]. Ao buscar um maior equilíbrio entre a atividade remunerada e as outras dimensões da vida, essas iniciativas têm revelado capacidade de engajar pessoas e repercutir socialmente, sobretudo a partir de campanhas em redes sociais. No caso do Brasil, esse debate tem sido alavancado pelo movimento Vida além do Trabalho (VAT), que tem quase 3 milhões de seguidores.
A proposta 4X3 visa redefinir a escala para 4 dias trabalhados e 3 de descanso. Elaborada por um empresa de consultoria, está sendo vendida para as empresas como uma alternativa para melhorar o ambiente de trabalho, diminuir o absenteísmo e o adoecimento, e aumentar a produtividade e o engajamento. Algo próximo do que foi realizado por Henry Ford no começo do século XX quando, para disciplinar a força de trabalho e, assim, viabilizar a linha de montagem, propôs uma jornada de 8 horas diárias e um salário de U$5,00 ao dia. O 4 Day Week está sendo testado em alguns países centrais, a exemplo de Alemanha, França, Austrália, Canadá, EUA, Islândia, Irlanda, Japão, Países Baixos e Reino Unido, sobretudo em setores que exigem maior criatividade e usam tecnologias avançadas, a exemplo da área de comunicação.
O mercado de trabalho brasileiro é fortemente marcado pela informalidade e precariedade. As longas jornadas, a ausência de descanso e até mesmo de férias, os baixos salários e a desproteção social constituem a realidade de um amplo contingente de trabalhadores(as), com consequências adversas para sua saúde e sociabilidade. Ao mesmo tempo, a carência de serviços sociais adequados e os problemas no transporte público, principalmente nas grandes cidades, agravam o quadro. Além das melhorias no bem-estar e na qualidade de vida no trabalho, a limitação da jornada pode reduzir o adoecimento. Os estudos no campo da saúde ocupacional mostram que a intensificação e a extensão da jornada são os principais fatores que causam doenças, afastamentos, mutilações e mortes. A redução da jornada de trabalho sem redução salarial tem, ainda, um potencial de geração de emprego, podendo, também, melhorar a qualidade do emprego e inclusive aumentar a produtividade do trabalho, com redução da informalidade. Essa medida pode, ainda, incentivar o aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho e a promoção de uma melhor distribuição do tempo entre trabalho remunerado e não remunerado entre todos os membros da família.
Esses argumentos embasaram várias propostas de emenda constitucional apresentadas ao Parlamento, como as de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS) e do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), entre outras, que propõem a redução gradativa da jornada para 36 horas, sem redução de salário. A elas veio se somar a proposta defendida pela deputada Érica Hilton (PSOL-SP) que, ao encampar a luta contra a escala 6X1, propõe a adoção da escala 4×3 e, ainda, a redução imediata da jornada para 36 horas[5].
Como o movimento sindical pode contribuir para o avanço desta pauta?
A luta pela redução da jornada de trabalho faz parte da história do movimento sindical[6]. Na conjuntura brasileira recente, a bandeira da redução da jornada de 44 para 40 horas semanais sem redução salarial vem sendo levantada pelas centrais sindicais desde 2004. Mas por que os sindicatos não conseguiram mobilizar sua base em torno dessa pauta, enquanto o VAT conquistou tamanha audiência[7]?
Uma primeira hipótese é que o movimento VAT incorpora aspectos mais abrangentes do que redução da jornada e que vão além de uma mudança na legislação, exigindo mudanças culturais. Uma segunda hipótese é que o movimento sindical se restringe aos assalariados formais, tendo pouca representatividade e legitimidade perante amplos setores da classe trabalhadora, ao passo que o VAT tem sido capaz de interpelar também os(as) trabalhadores(as) informais, constituindo-se em uma expressão política da luta contra as condições precárias de trabalho.
O VAT apela para a necessidade de tempo livre, defendendo uma vida com um nível de exploração e expropriação menos brutal. Ao fazê-lo, coloca em evidência as disputas no capitalismo contemporâneo em torno do tempo de trabalho e de não trabalho, isto é, do tempo destinado ao descanso, aos estudos, ao lazer, à convivência com a família e os amigos. A liberação de tempo de trabalho permite conciliar as atividades da produção com as da reprodução social, mas essa demanda não tem as mesmas implicações sobre homens e mulheres, brancos e negros, tampouco para a população LGBTQIAPN+. Nesse sentido, essa pauta indica ser possível associar a luta coletiva em prol de uma reivindicação universal à defesa das diferenças, afinal, nem todos são iguais e são diferentes as formas pelas quais as pessoas são afetadas pelo uso do tempo. Isso permite, ainda, articular o tema do trabalho a diferentes movimentos sociais, fortalecendo-os mutuamente.
Essas diferenças também dizem respeito aos tipos de vínculo ocupacionais, quer dizer, às formas de inserção no mercado de trabalho, e às categorias profissionais a que cada trabalhador(a) pertence. Reconhecer essas diferenças e, ao mesmo tempo, buscar superar as desigualdades a elas associadas, buscando construir pontes e unificar trabalhadores(as) de diversas categorias, constitui um desafio significativo para o movimento sindical. Isso nos convida a refletir sobre os limites da estrutura sindical. Como balconista de farmácia, Rick seria representado pelo Sindicato dos Práticos, Técnicos e Auxiliares de Farmácia e Empregados no Comércio de Drogas, Medicamentos e Produtos Farmacêuticos do Rio de Janeiro, mas foi no Sindicato dos Comerciários que encontrou apoio para levar adiante sua demanda. É forçoso reconhecer que muitos(as) trabalhadores(as), não se sentem representados(as) pelo sindicato de sua categoria. Apesar disso, e muito embora o fim da escala 6X1 não tenha sido alavancado pelo movimento sindical, isso não significa que os sindicatos não possam e não devam encampar essa luta!
Os desafios, entretanto, não são triviais. Como sabemos, a resistência do patronato e a divisão no interior do próprio movimento sindical fragilizaram a proposta de redução da jornada de trabalho de 48 para 40 horas na Assembleia Nacional Constituinte, levando ao estabelecimento de 44 horas atualmente vigente. Quais as chances do fim da escala 6×1 e da redução da jornada para 36 horas, tal como proposto pelas PECs acima mencionadas, obterem sucesso hoje? De um lado, a atual composição do Congresso Nacional é desencorajadora, pois compreende uma maioria de parlamentares que não tem compromisso com a pauta dos direitos trabalhistas e o STF tem sistematicamente julgado de forma contrária a essa pauta. De outro, a proposta vem ganhando popularidade e, inclusive, adesão de parlamentares de diferentes espectros políticos.
Ainda assim, alguns sindicalistas e militantes argumentam que uma eventual derrota no Congresso Nacional pode enfraquecer o governo. No entanto, o apoio do movimento sindical à pauta, inclusive pressionando o governo, jogaria todo o ônus político de uma eventual derrota no colo do Congresso Nacional. Neste sentido, considera-se fundamental não apenas o envolvimento de distintas organizações trabalhistas, movimentos sociais e de partidos políticos comprometidos com a luta por direitos, mas também a unidade do movimento sindical em torno desta bandeira, fazendo a disputa nos locais de trabalho e demais espaços sociais. Do mesmo modo, é fundamental apoiar a causa sem subordiná-la às condições de manutenção da governabilidade, pois apenas com mobilização social haverá pressão sobre os parlamentares.
A bandeira do fim da escala 6×1 e a redução da jornada de trabalho constituem uma oportunidade política para as forças do trabalho e, especialmente, para o movimento sindical, se reconectar com uma classe trabalhadora cada vez mais heterogênea. Estará o sindicalismo à altura desse desafio? Em outras palavras, será capaz de se somar a uma campanha que emerge a partir de outras formas de organização, participando das manifestações convocadas pelo VAT, em nome da unidade na luta em torno da igualdade social? A história mostra que, com unidade e coragem, é possível transformar indignação em conquistas. O tempo é agora!
Notas
[1] Grupo de pesquisa sobre sindicalismo ligado à Rede de Estudos e Monitoramento Interdisciplinar das Reconfigurações do Trabalho (Remir) e ao projeto Fundo Brasil. As pesquisadoras e pesquisadores são institucionalmente vinculados à Unicamp e às Universidade Federal de Uberlândia e do Espirito Santo.
[2] O vídeo, que viralizou nas redes sociais, dizia o seguinte: “Eu estou querendo saber quando é que nós, da classe trabalhadora, iremos fazer uma revolução nesse país em relação a essa escala 6×1” […] “não tenho filho, não tenho marido, sou sozinho e não consigo fazer as coisas, imagina quem tem tudo isso e casa para cuidar?”
[3] Pesquisa do Projeto Brief, em parceria com a plataforma Swayable (N= 3.122), mostra que o fim da escala 6×1 é apoiado por 70% da população e tem adesão tanto entre quem se diz de esquerda (81,3%) quanto entre quem se define como de direita (59,4%). Cf. https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2024/12/fim-da-escala-6×1-tem-apoio-de-70-da-populacao-e-agrada-a-esquerda-e-a-direita-segundo-pesquisa.shtml
[4] Enquanto 4 Day Week Global é uma plataforma que oferece suporte a empresas, organizações e governos interessados na implementação de uma semana de 4 dias de trabalho e na melhoria da produtividade, a insatisfação com as relações e condições de trabalho é expressa pelas iniciativas: “Antitrampo” – um fórum do Reddit, criado em 2021, que se coloca como “um espaço seguro para reclamar do patrão”; atualmente conta com 125 mil membros e apoia o fim da jornada 6×1; “Quiet Quitting” – movimento que rejeita o estilo de vida “viver para o trabalho” e busca estabelecer limites entre trabalho e vida pessoal; “Great Resignation” – refere-se à onda de demissões surgida em 2021, nos Estados Unidos, quando trabalhadores deixaram os seus empregos devido ao excesso de pressão, falta de reconhecimento profissional, ambiente tóxico, etc. Já o movimento “Joy of Logging Off” (J.O.L.O) propõe uma nova relação com as telas e o cuidado da saúde mental a partir do “prazer de se desconectar”.
[5] A PEC foi apoiada por 231 deputados, de diferentes partidos políticos. Cf. https://www.brasildefato.com.br/2024/11/18/proposta-contra-jornada-6×1-buscara-mais-assinaturas-antes-de-ser-protocolada-ate-o-momento-sao-231
[6] Nos Estados Unidos, a luta pela jornada de oito horas se iniciou em 1886, tendo sido conquistada em 1938 (Fair Labor Standards Act); no Reino Unido, a campanha da jornada de oito horas começou em 1874, alcançando a vitória legislativa em 1919.
[7] A ponto de Rick, um de seus fundadores, ter sido eleito o vereador mais votado do PSOL do Rio de Janeiro nas eleições de 2024.
DM TEM DEBATE
https://www.dmtemdebate.com.br/qual-o-papel-dos-sindicatos-na-luta-pelo-fim-da-escala-6×1/
por NCSTPR | 17/01/25 | Audio, Ultimas Notícias
Opinião
Nas últimas décadas, tornou-se corriqueiro se falar em reformas. A mídia, os partidos políticos e os governantes estão frequentemente falando sobre elas. É reforma da previdência, tributária, eleitoral, administrativa, trabalhista e por aí vai. Na acepção literal da palavra, reformar significa promover alterações em alguma coisa para melhorá-la. Quando alguém reforma a casa ou apartamento, opera mudanças para torná-los melhor, mais amplo, mais confortável, mais ventilado etc. Entretanto, há reformas que tornam as coisas piores do que eram antes.
Até o advento da reforma trabalhista, instituída pela Lei nº 13.467/17, a jornada de trabalho de 12 horas por 36 de descanso não tinha previsão legal. No âmbito das relações de emprego, algumas categorias profissionais, principalmente da área médica, já trabalhavam nesse regime e aos poucos outros profissionais passaram a adotá-la por meio de convenções coletivas de trabalho.
Diante do comando constitucional da jornada normal de trabalho ser de oito horas diárias (artigo 7º, XIII) e sua possível prorrogação em até duas horas, perfazendo dez horas diárias, via-se com certo assombro o labor durante 12 horas seguidas. É importante destacar que, salvo algumas categorias profissionais regidas por leis específicas, a duração do trabalho dos empregados em geral tem na Consolidação das Leis do Trabalho capítulo próprio (artigos 57 a 75), que disciplina as disposições constitucionais sobre duração do trabalho insculpidas no artigo 7º da Constituição.
Nos hospitais e nos serviços de vigilância e segurança, a jornada de 12 x 36 foi instituída de forma consuetudinária e aos poucos foi sendo formalizada em convenções coletivas de outras categorias profissionais. Em decorrência, começaram a surgir questionamentos pertinentes a vários aspectos. São exemplos: a folga de 36 horas cobria o descanso dominical e o trabalho em dia de feriado? Qual o intervalo para repouso e alimentação (descanso intrajornada)? O trabalho noturno, nos casos em que a jornada ultrapassava as 5 horas da manhã, é devido? Horas extras são devidas, em face do limitador constitucional da jornada diária em oito horas?
Intervalo para repouso e alimentação
A primeira questão relevante a ser abordada diz respeito ao intervalo para repouso e alimentação, coisa elementar em qualquer trabalho, haja vista que até as máquinas precisam de pausas. A história é farta ao demonstrar as precárias condições de trabalho ao longo dos anos. Diante desse quadro, a sociedade evoluiu, criou leis para limitar o labor diário em algumas horas e um tempo mínimo para descanso, de forma a propiciar ao trabalhador a recuperação de suas energias.
Assim, no Brasil, foi estabelecido o descanso intrajornada de trabalho para repouso e alimentação (mínimo de uma hora e máximo de duas horas; artigo 71 da CLT); o descanso interjornada de trabalho (11 horas consecutivas; artigo 66 da CLT); o descanso semanal remunerado (artigo 7º, XV da CF; artigo 67 da CLT e Lei 605/49) e descanso anual (Férias; artigo 7º, XVII da CF; artigos 129 a 149 da CLT). Na contramão destas históricas conquistas, o legislador da reforma trabalhista abriu a possibilidade do intervalo mínimo de uma hora para repouso e alimentação ser reduzido para 30 minutos nas jornadas acima de seis horas mediante convenção ou acordo coletivo, segundo o artigo 611-‘A’ da CLT, com redação dada pela Lei nº 13.467/17. Como sói acontecer hodiernamente, o discurso é o da modernização das leis trabalhistas e de que as partes são livres para negociar.
Inúmeros julgados dos tribunais especializados em direito do trabalho foram consolidados pela mais alta corte trabalhista do Brasil (TST) no sentido de que, na jornada de trabalho de 12 x 36, alguns direitos permaneceriam incólumes. Entretanto, contrariando tudo que os estudiosos do direito do trabalho conhecem até então acerca da necessidade do trabalhador descansar, o legislador inovou e precarizou um importante direito, quando permitiu no final da redação do artigo 59-A da CLT, a indenização do descanso.
Ora, desde quando dinheiro recupera energias gastas no desempenho do trabalho? Tal permissão vai na contramão da concessão obrigatória de um descanso mínimo de uma hora nas jornadas acima de 6 horas e de 15 (minutos) na jornada entre quatro e seis horas. Fico a me perguntar como se sentiria um motorista profissional depois de dirigir durante 12 horas seguidas sem descanso, no caso de ser indenizado ou até mesmo se tiver, apenas, 30 minutos de descanso. Quais as consequências físicas, biológicas, mentais e até de risco de acidente para um trabalhador desse? Com base neste dispositivo legal, muitos empregadores estão a pagar o descanso, ao invés de concedê-lo.
Outro ponto de suma importância a ser abordado diz respeito ao descanso semanal aos domingos e em dia de feriado. Havia questionamentos se a folga de 36 horas compensaria ou não o trabalho nesses dias, em face do comando do artigo 7º, XV da Constituição e da Lei nº 605/49, respectivamente. A jurisprudência consolidada pela Súmula 444 do TST assegurava a remuneração em dobro dos feriados trabalhados. O artigo 9º da Lei nº 605/49 prevê o pagamento em dobro ou a compensação com outro dia de folga.
E aí, mais uma vez, o legislador reformista trabalhista inovou, contrariou e retirou um direito já consagrado pela jurisprudência trabalhista, ao estatuir no parágrafo único do artigo 59-A da CLT que a remuneração mensal pactuada pelo horário previsto no caput abrange os pagamentos devidos pelo descanso semanal remunerado e, também, pelo descanso em feriados. Assim, a Súmula 444 do TST e o artigo 9º da Lei nº 605 passam para o arquivo morto da penosa história do trabalho humano.
Até aqui, vimos dois retrocessos relativamente à jornada de 12×36 com a reforma trabalhista. Um foi a possível redução do intervalo para repouso e alimentação para 30 minutos ou sua indenização, o outro, o não pagamento ou a compensação dos feriados trabalhados.
Trabalho noturno
A jurisprudência trabalhista consolidada na Súmula 60 do TST já tinha, também, firmado o entendimento que a prorrogação do horário noturno além das 5 horas da manhã é considerada horário noturno. Portanto, se o empregado trabalhasse no horário das 19:00h às 07:00h do dia seguinte, ele teria direito a duas horas e quinze minutos noturnas, em face da hora ser reduzida, por força do artigo 73 § 1º da CLT.
A redação, in fine, do acima citado artigo 59-A diz que, além dos feriados, serão considerados compensadas as prorrogações de trabalho noturno. Ou seja, a partir da reforma trabalhista o empregado não tem mais esse direito. Portanto, em apenas um só parágrafo foram retirados dois direitos dos empregados que laboram na jornada de 12×36 já consagrados pela jurisprudência trabalhista. Desta forma, a Súmula 60 do TST também vai para o arquivo morto.
Para concluir, dessume-se que o legislador da reforma trabalhista desconsiderou aspectos históricos, legais e da jurisprudência especializada em direito do trabalho, que garantiam aos empregados uma melhor retribuição pelo esforço do seu trabalho nesta extenuante jornada.
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é auditor fiscal do trabalho, especialista em Direito do Trabalho, graduado em Administração de Empresas, pós-graduado em Administração Geral e autor dos livros: Empregado Doméstico, LTR 2001; Trabalho portuário avulso antes e depois da lei de modernização dos portos, LTR 2005; Abordagem prática do trabalho portuário e avulso, LTR 2011.
CONJUR | https://www.conjur.com.br/2025-jan-17/reforma-trabalhista-supressao-de-direitos-na-jornada-de-trabalho-12×36/