por NCSTPR | 19/08/25 | Ultimas Notícias
Na era da expansão dos algoritmos e da Inteligência Artificial (IA), qualquer previsão sobre o futuro do trabalho corre o risco de ser mais um embuste. Impulsionada pela financeirização do capital, a IA é explícita em seu objetivo: transferir para as máquinas inteligentes tudo que hoje é realizado pelo trabalho humano. Alguém poderia dizer: mas isso não é bom? Não teremos trabalhos mais qualificados, mais “criativos”, vivenciando um mundo laborativo mais humano e mais tempo de vida?
A resposta está nas atividades que se expandem nas sombras da IA, com seus microtrabalhos ultraprecarizados, especialmente (mas não só) no Sul Global. Realizando jornadas ilimitadas, excluídos de todos os direitos do trabalho, recebendo níveis de remuneração indigentes, de modo a gerar informações para a IA. E quem encontra trabalho nas startups está experimentando uma “invenção” chinesa (o S-996): jornadas das 9 da manhã às 9 da noite, 6 dias de trabalho, totalizando 72 horas semanais. Eis os novos experimentos que se expandem neste admirável mundo do trabalho na era da IA.
A síntese é límpida: eliminação de trabalho vivo, em uma gama enorme de atividades, substituídos pelo trabalho morto, como se vê na ciberindústria. Mas, atenção, há luz no fim do túnel para os descartáveis e os supérfluos: sobreviver por meio do trabalho uberizado, que se expande globalmente nas plataformas digitais. Plataformas que se utilizam do mito do “empreendedorismo” visando proletarizar ao limite, mas se recusando a reconhecer a condição de assalariamento; impondo, através do “comando invisível dos algorítmicos”, jornadas prolongadas, além de vedar peremptoriamente qualquer forma de proteção do trabalho. Tendência que defini, em O Privilégio da Servidão, como nova era de escravidão digital (Boitempo, 2020). E que os CEOs, esses novos predadores digitais, consideram como sendo “moderna”.
Um aparente paradoxo aflora, e um novo espectro se avizinha: com a expansão celerada da IA generativa, sem controle e sem regulamentação, estamos presenciando, em plena era digital, a retomada de modalidades pretéritas de trabalho, pautadas pela trípode exploração, expropriação e espoliação, vigente no início da Revolução Industrial. O crowdsourcing, hoje, é uma variante digital e algorítmica do velho outsourcing, no qual homens, mulheres e crianças trabalhavam à margem da legislação protetora do trabalho, com jornadas ilimitadas e condições de trabalho desumanas.[1]
Estamos, então, frente à IA generativa? Ou adentramos perigosamente na fase da IA degenerativa, concebida e plasmadapelo sistema de metabolismo antissocial do capital?
Sabemos que a tecnologia foi, desde sua gênese, resultado da inventividade humana, que nasceu com o primeiro microcosmo familiar. Com o advento do capitalismo, a tecnologia foi se metamorfoseando e adequando ao modus operandi do capital. Toda “inovação” é para de fato valorizar mais e, assim, acumular muito mais!
Podemos assim vaticinar o resultado em relação ao trabalho: um novo espectro ronda o mundo do trabalho, o espectro da uberização. Mas erra quem pensa que não há resistência.
6X1: 6 pontos contra e nenhum a favor
Foi durante a campanha eleitoral de 2024 que nasceu o movimento VAT/Vida Além do Trabalho, contra a jornada 6X1, contemplando dimensões centrais da vida cotidiana, que resumo a seguir: 1) a redução da jornada de trabalho se configura como uma ação central da classe trabalhadora para minimizar a lógica destrutiva do capital, uma vez que acarreta, de imediato, a redução do desemprego; 2) constituiu-se em antídoto real à exploração, tanto absoluta como relativa do trabalho, como no início da Revolução Industrial (com o ludismo); 3) opõe-se, em alguma medida, ao despotismo fabril das eras taylorista/fordista e toyotista e, hoje, ao trabalho uberizado. Vale recordar o excepcional breque dos apps, de 31 de março e 1 de abril (dia da mentira) de 2025, contra o despotismo algorítmico, mais invisível, mais interiorizado, que invade sorrateiramente nossa vida e nosso trabalho; 4) lutar contra o 6×1 possibilita também vislumbrar outro ponto crucial: uma vida desprovida de sentido no trabalho é incompatível com uma vida cheia de sentido fora do trabalho[2]; 5) o que nos leva a sonhar com o fim das barreiras entre tempo de trabalho e tempo livre e, ancorados em outra forma radicalmente distinta de IA, vislumbrar uma nova sociabilidade emancipada, autodeterminada, com indivíduos livremente associados, fora dos constrangimentos do capital;6) por fim, ao lutar pela redução da jornada, poderemos indagar: produzir o quê? E para quem?
Assim, o mundo do trabalho se entrelaça, decisivamente, com outro imperativo crucial de nosso tempo: impedir a destruição da natureza, como nossos povos originários nos ensinaram.
[1] Ver Icebergs à Deriva: o trabalho nas plataformas digitais (Antunes, R., Organizador, Boitempo, 2023) e Uberização, Trabalho Digital e Indústria 4.0 (Antunes, R., Organizador Boitempo).
[2] Ver Os Sentidos do Trabalho, edição especial de 25 anos (Boitempo, 2025), particularmente o capítulo X.
Ricardo Antunes é professor titular de sociologia na Unicamp e autor de livros publicados em 14 países, dentre os quais estão O privilégio da servidão, Os sentidos do trabalho e Adeus ao trabalho? Foi professor visitante na Universidade Ca’ Foscari em Veneza, na Universidade de Coimbra e Visiting Research Fellow na Universidade de Sussex. Recebeu recentemente o título de Doutor Honoris Causa na Universidade Nacional de Rosário na Argentina (junho de 2025).
DM TEM DEBATE
https://www.dmtemdebate.com.br/inteligencia-artificial-degenerativa-e-jornada-6×1/
por NCSTPR | 19/08/25 | Ultimas Notícias
Leio no site Outras Palavras. Um artigo de Simon Kuper. Idéias que acho interessantes e repasso aprofundando tópicos. O tema é a compreensão da contribuição dos super-ricos para o desenvolvimento. Sua tributação e seu patrimônio são compatíveis?
Uma escola de pós-graduação fundada em 2006, a Escola de Economia de Paris. Faz estudos aprofundados sobre o tema. Criada por Esther Duflo, Prêmio Nobel de Economia em 2019, e o famoso economista Thomas Piketty. Dedica-se a entender como as desigualdades devem ser minoradas nas economias capitalistas. Não só entender, também propor alternativas.
Gabriel Zucman e sua equipe têm um objetivo bem definido. Compreender se a criação de impostos elevados para os mais abastados é possível e benéfica. Será que ela não pode levar a uma evasão desses privilegiados para países em que as taxas sejam mais convidativas?
Partem de uma constatação, evidente em todos os países capitalistas: “os super-ricos pagam menos impostos proporcionalmente ao seu patrimônio e renda do que as pessoas comuns.”
Analisando diferentes economias, mostram que não é fácil chegar à compreensão do que efetivamente os mais ricos realmente contribuem para o erário publico através de tributação.
Eles declaram “modestos” rendimentos, na medida em que seu patrimônio sempre se concentra numa muito expressiva carteira acionária, da qual não retiram os rendimentos, por não precisarem, que se avolumam, reaplicando os dividendos não tributáveis no crescimento de suas carteiras de ações. Isso só faz crescer seu patrimônio a taxas muito significativas.
Piketty e sua equipe criaram uma base estatística que pode ajudar na análise dessa realidade, a Base de Dados de Desigualdade Mundial- WID. Ela mostra grande concentração de renda em países como a África do Sul e mesmo o Brasil. Países em que o 1% mais rico chega a ter mais da metade da renda nacional.
Zucman, aluno de Piketty, prova, por exemplo, que, nos países que estudou, enquanto a alíquota média efetiva de imposto de renda era de mais de 30%, para os assalariados, a dos mais ricos ficava no entorno de 20%. Uma brutal desproporcionalidade e injustiça social.
No Brasil, mais alarmante, quase metade da arrecadação de impostos vem da tributação do consumo, o que, proporcionalmente, afeta muito mais as classes assalariadas e subempregadas que têm sua renda fortemente comprometida com este item. Bem diferente da dos super-ricos, os quais têm parcela bem reduzida nesse tópico de composição da alocação de sua renda.
Com esse quadro descrito, o artigo parte para analisar se a solução seria taxar as classes mais ricas. Reconhece a possibilidade de evasão de capitais para outros países ou paraísos fiscais, além de ter consciência de artimanhas fiscais que podem ser realizadas em detrimento da tributação normatizada, mas insistem, no que são plenamente coerentes, na justiça social que daí pode advir.
A proposta é de que deveria ser instituída uma taxação anual de 2% sobre a riqueza desses super-ricos. Descontando o que já pagam, seria cobrado o restante, em geral, valor bem significativo. Uma taxa de caráter internacional, o que evitaria o desvio advindo de guerra fiscal entre países para atração de capitais.
Há uma visão internacionalista. Para evitar evasão de investimentos, propõe-se, também, que esse tributo possa ser cobrado em qualquer país que o afortunado bilionário tiver investimentos, mesmo que não seja o país sede de sua fortuna, além de uma taxa adicional bastante elevada para a saída de capitais, em qualquer forma imaginada ou mecanismo idealizado.
Mais, para evitar a instabilidade e “passeio” dos capitais, uma taxa alta seria cobrada para saída de capitais especulativos dos países potencialmente afetados. Isso visa evitar a excessiva flutuação na esfera produtiva e incentivaria o replicar de recursos na área da produção.
Alertam que como a valorização do patrimônio dos mais abastados tem ficado sempre perto dos 7% ao ano, a taxa de 2% seria modesta e conservadora, podendo ter como resultado, inclusive, um crescimento da participação na renda dos poucos que podem se enquadrar nessa categoria de biliardários.
Evidentemente, teria que ser definido o que é ser super rico. Eles propõem que só pagariam este imposto aqueles que tivessem um crescimento do patrimônio acima de 5 milhões de euros por ano, nível bastante alto.
No Brasil, o Ministério da Fazenda tem proposto uma taxação extra para todos aqueles que tiverem uma renda média acima de 1 milhão de reais por ano, o que é bem razoável. Também, propõe, para evitar distorções daqueles que apenas entesouram os rendimentos, voltar a ter uma taxação dos dividendos que forem distribuídos por ações.
Não está no artigo, mas me atrevo a fazer algumas especulações tendo por base um relatório da OXFAM – Oxford Committee for Famine Relief.
Os 1% mais ricos do mundo detém aproximadamente 45% da riqueza global. Em uma década acumularam, apenas com o rendimento de seus investimentos e aplicações, cerca de 34 trilhões de dólares. Pegando apenas os quatro maiores , Elon Musk, Larry Ellison, Mark Zeckerberg e Jeff Bezos, em 2025, eles têm patrimônio acima de um trilhão e duzentos bilhões de dólares, quantia inimaginável. Ou seja, a riqueza está altamente concentrada nas mãos de cerca de 70 milhões de habitantes ricos, nem todos super, num mundo de mais de 8 bilhões de indivíduos.
Lembrando que cerca de 4 bilhões de pessoas vivem com renda inferior a 10 dólares por dia, esses recursos gerados e concentrados nas mãos dos super-ricos, se passassem para um Fundo Mundial, um percentual pequeno da arrecadação adicional prevista, poderiam resolver os problemas de fome e exclusão de quase a totalidade dos marginalizados. Dariam dignidade de vida para toda a humanidade.
Se fosse criado esse Fundo, com esses recursos adicionais gerados com a taxação anual de parcela não excessiva do concentrado na mão dos super-ricos, ter-se-ia um mundo menos cruel para um grande contingente de pessoas que vivem como párias na nossa sociedade.
Extinguir a fome e a miséria e evitar as barreiras discriminatórias de populações afetadas, o objetivo, um Fundo com Gestão e Controle de entidade supranacional, voltando a dar significado à existência de uma estrutura como as Nações Unidas, por exemplo, hoje totalmente desacreditada. Seria a principal meta para os próximos anos, um planeta com respeito à dignidade humana.
Em sínteses, fundamental taxar os super-ricos, ter a noção de que há um problema mundial a ser resolvido, de que essa taxação deve ser gerenciada em prol dos mais desfavorecidos da humanidade, de que temos condições concretas de resolver a fome e a exclusão humana em escala mundial, deveriam ser objetivos a serem assumidos e realmente implantados por uma entidade supranacional a ser melhor estruturada.
Sonho de um mundo em que a fraternidade seria o motivo principal das políticas públicas, não os interesses mesquinhos e individuais daqueles que por ganância apenas entesouram. Pode ser até que os super-ricos consigam mais paz de espírito e apaziguem suas mentes. Será?
Abraham B. Sicsú é professor aposentado do Departamento de Engenharia de Produção da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e pesquisador aposentado da Fundaj (Fundação Joaquim Nabuco)
DM TEM DEBATE
https://www.dmtemdebate.com.br/super-ricos-e-aumento-de-sua-tributacao-questao-de-justica-social/
por NCSTPR | 19/08/25 | Ultimas Notícias
O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) suspendeu um financiamento de R$ 500 milhões à Três Tentos Agroindustrial após o resgate de 563 trabalhadores submetidos a condições análogas às de escravo no canteiro de obras de uma usina de etanol de milho da companhia, em Porto Alegre do Norte (MT). A operação deflagrada foi o maior resgate do ano.
A obra contou com o investimento do BNDES e de recursos públicos do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, o chamado Fundo Clima. Vinculado ao MMA (Ministério do Meio do Ambiente), ele foi criado para apoiar empreendimentos que promovam a redução dos efeitos das mudanças climáticas.
Após questionamento da Repórter Brasil, o banco de fomento informou que notificou a Três Tentos a prestar esclarecimentos sobre o caso e decidiu suspender os recursos “até que as informações sejam apuradas”. O MMA confirmou a suspensão. Confira as notas completas dos órgãos aqui.
A construção da usina para ampliar a capacidade de produção do biocombustível da Três Tentos estava sendo realizada pela TAO Construtora, responsabilizada pelas condições impostas à mão de obra na operação conduzida por MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), MPT (Ministério Público do Trabalho) e Polícia Federal. Os trabalhadores dormiam em alojamentos precários, sem água e energia elétrica, com banheiros sujos, quartos superlotados e sem ventilação. Queixas sobre a má qualidade da alimentação também foram registradas.
Revoltados com a situação, os trabalhadores provocaram um incêndio no canteiro de obras da usina.
Além das condições degradantes, a fiscalização apontou a existência de servidão por dívida. Também foram levantados indícios de tráfico de pessoas, com aliciamento de operários em estados das regiões Norte e Nordeste.
O Ministério Público do Trabalho informou que está negociando um TAC (Termo de Ajuste de Conduta) com a empresa.
Em nota à Repórter Brasil, a Três Tentos afirmou que está acompanhando o caso e avaliando “medidas cabíveis”. “Prezamos pela dignidade de todas as pessoas envolvidas em nossas operações, sejam elas diretas ou indiretas. Práticas que violem os direitos humanos e trabalhistas são incompatíveis com os valores da companhia”, diz a nota. Leia a manifestação completa aqui.
Após o anúncio da suspensão do financiamento pelo BNDES, a assessoria de imprensa da Três Tentos foi novamente questionada pela reportagem. Porém, até o fechamento desta matéria, não houve retorno.
Em nota, a TAO afirma que o incêndio foi criminoso e provocado por um “grupo isolado de trabalhadores”, e diz que vem colaborando com as autoridades. Assinado pela direção da empresa, o texto não comenta as condições degradantes apontadas pelas autoridades, como a falta d’água e o uso de água de rio no alojamento, mas diz ter compromisso com o direito dos trabalhadores. “A TAO Construtora repudia veementemente qualquer prática análoga à escravidão ou tráfico de pessoas”. Veja a nota na íntegra aqui.
Financiamento verde
Quando o contrato com a Três Tentos foi celebrado, em novembro de 2024, o BNDES divulgou o investimento como uma iniciativa para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, em diálogo com as políticas climáticas do governo federal.
O financiamento foi feito na modalidade “reembolsável”. O contrato prevê a devolução do valor, a partir de condições de pagamento previamente acordadas com o banco, e tem como objetivos a implantação de uma usina geradora de energia elétrica a partir de biomassa, além da ampliação da capacidade de produção da planta da Três Tentos. De acordo com a própria divulgação do BNDES, a unidade terá capacidade para produzir 935 mil litros de etanol de milho, 587 toneladas de grãos secos de destilaria e 37 toneladas de óleo de milho por dia.
A Três Tentos estima o custo da ampliação da usina em R$ 1,16 bilhão, conforme relatórios divulgados pela empresa. A conclusão da obra está prevista para 2026. A empresa também emitiu títulos verdes no total de R$ 560,7 milhões no mercado financeiro, para serem utilizados no empreendimento.
A Três Tentos conta com 70 unidades distribuídas no Rio Grande do Sul e Mato Grosso, atua na área de insumos, grãos, indústria e soluções financeiras, dentro do setor do agronegócio.
Além do financiamento para a obra no Mato Grosso, a companhia também recebeu R$ 80,3 milhões em financiamento para os empreendimentos no Rio Grande do Sul, em oito contratos diferentes, sendo seis deles firmados em 2012 e dois em 2025, conforme dados acessados pela Repórter Brasil.
Debêntures verdes
Em 2024, a Três Tentos anunciou a venda de debêntures verdes no valor de R$ 560,7 milhões. Os recursos obtidos com a operação, segundo a companhia, também se destinam a custear a obra da usina em Porto Alegre do Norte (MT).
Os debêntures verdes, títulos privados de dívida negociados na bolsa de valores, têm como objetivo financiar projetos com benefícios ambientais, como a redução de emissão de gases de efeito estufa. Assim como em outros títulos de dívida, a empresa emissora se compromete a pagar o valor investido acrescido de juros aos investidores após um determinado período.
No documento de regulamentação dos debêntures, a Três Tentos informa que segue as diretrizes do Green Bonds Principles (GBP) definidas pela International Capital Market Association (ICMA) e seguidas por investidores no mundo todo. Entre os princípios regulamentadores do GBP estão o cumprimento de diretrizes socioambientais e o respeito aos direitos humanos.
Políticas socioambientais para financiamento público
O BNDES dispõe de uma Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática ou PRSAC. Além disso, nos documentos de regulamentação do Fundo Clima, são consideradas questões socioambientais entre os critérios de aplicação do recurso. O Plano Anual de Aplicação de Recursos 2025 e o Relatório Anual de 2024 citam especificamente a prática de trabalho escravo, inclusive como critério de exclusão de clientes e cancelamento de contratos.
O etanol de milho, classificado como ‘energia verde’, é considerado uma alternativa para a diminuição dos combustíveis poluentes. A classificação favorece a obtenção de financiamentos pelos produtores. A procura por energia sustentável tem aumentado a produção de biocombustíveis feitos com o grão. Especialistas alertam, entretanto, para os impactos socioambientais dessa produção no Brasil.
Em 12 safras, a produção de etanol de milho no Centro-Sul saltou de 37 milhões de litros para 8,19 bilhões, de acordo com dados da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica). Entre 2024 e 20025, o biocombustível representou 22% do volume total de etanol do Brasil, com a maior produção no estado do Mato Grosso.
Fonte: Repórter Brasil
Texto: Daniela Penha
DM TEM DEBATE
https://www.dmtemdebate.com.br/bndes-suspende-verba-de-obra-no-mt-com-maior-resgate-de-escravizados-do-ano/
por NCSTPR | 19/08/25 | Ultimas Notícias
A 9ª Turma do TRT da 2ª Região manteve sentença que condenou empresa especializada na fabricação de armas e munições a indenizar R$ 10 mil por assédio moral a trabalhador.
De acordo com os autos, o homem, que exercia função de técnico armeiro, estava em licença-paternidade quando recebeu telefonema do superior hierárquico lhe repreendendo por descarte irregular de material.
Em depoimento, o reclamante contou que a ligação ocorreu logo após ter conhecimento de que a filha tinha um problema no coração. Na ocasião, a bebê ainda não havia recebido alta hospitalar. Ele relatou que “ficou mal, pois era muita coisa no mesmo dia”.
Decisão de indenizar
A testemunha patronal declarou, em audiência, que o chefe havia ligado para o autor durante o período de afastamento para falar sobre a alegada falta funcional. Relatou que o assunto era “meio grave” e que a sanção aplicada atualmente para o descarte irregular de peças é advertência.
Para o juiz-relator Rui Cesar Publio Borges Correa, ficou caracterizado o abuso do poder diretivo. “A ligação durante a licença-paternidade, em momento de extrema vulnerabilidade emocional do empregado que acabara de saber da enfermidade de sua filha recém-nascida, para tratar de questão que hoje seria resolvida com mera advertência, seguida de suspensão disciplinar no primeiro dia de retorno ao trabalho, configura conduta patronal excessiva e desnecessária”, concluiu.
DM TEM DEBATE
https://www.dmtemdebate.com.br/empresa-deve-indenizar-trabalhador-por-ligacao-durante-licenca-paternidade/
por NCSTPR | 19/08/25 | Ultimas Notícias
A Justiça australiana multou a Qantas Airways em AU$ 90 milhões (cerca de R$ 316,2 milhões) nesta segunda-feira, 18, pela demissão ilegal de mais de 1.800 funcionários de solo no início da pandemia de covid-19. A multa se soma aos AU$ 120 milhões (R$ 421,5 milhões) em indenização que a maior companhia aérea da Austrália já havia concordado em pagar aos seus ex-funcionários.
O juiz Michael Lee, do Tribunal Federal Australiano, afirmou que a terceirização de 1.820 cargos de carregadores de bagagem e faxineiros em aeroportos australianos no final de 2020 foi a “maior e mais significativa violação” das leis trabalhistas australianas em seus 120 anos de história.
A Qantas concordou em dezembro do ano passado em pagar AU$ 120 milhões (R$ 421,5 milhões) em indenização a ex-funcionários, depois que sete juízes do Tribunal Superior rejeitaram por unanimidade o recurso da companhia aérea sediada em Sydney contra a decisão que considerava a terceirização de seus empregos ilegal.
O Sindicato dos Trabalhadores em Transportes, que levou a companhia aérea à Justiça, argumentou que a empresa deveria receber a maior multa disponível – AU$ 121.212.000 (R$ 425.877.028).
Questionamento
O juiz Michael Lee decidiu que a multa mínima para criar uma dissuasão deveria ser de AU$ 90 milhões, observando que os executivos da Qantas esperavam economizar AU$ 125 milhões (R$ 439,2 milhões) por ano com a terceirização dos empregos.
Lee questionou a sinceridade do pedido de desculpas da Qantas por sua conduta ilegal, observando que a companhia aérea posteriormente alegou, sem sucesso, que não devia nenhuma indenização aos seus ex-funcionários.
“Se alguma evidência adicional fosse necessária da estratégia de litígio implacável e agressiva adotada neste caso pela Qantas, ela é fornecida por este esforço direcionado a negar qualquer indenização àqueles em relação aos quais a Qantas publicamente professava arrependimento por seu infortúnio”, disse Lee. “Acredito que os responsáveis pela Qantas agora sentem um arrependimento genuíno, mas isso provavelmente reflete os danos que este caso causou à empresa, em vez de remorso pelos danos causados aos trabalhadores afetados”, acrescentou.
Empresa pediu desculpas
A presidente-executiva da Qantas, Vanessa Hudson, que era diretora financeira da companhia aérea durante as demissões, afirmou em um comunicado após a decisão de segunda-feira: “Pedimos sinceras desculpas a cada um dos 1.820 funcionários de assistência em terra e às suas famílias que sofreram com isso.”
“A decisão de terceirizar há cinco anos, especialmente em um momento tão incerto, causou dificuldades reais para muitos de nossos ex-funcionários e suas famílias”, disse ela. “Nos últimos 18 meses, trabalhamos arduamente para mudar a forma como operamos, como parte de nossos esforços para reconstruir a confiança de nossos funcionários e clientes. Esta continua sendo nossa maior prioridade enquanto trabalhamos para reconquistar a confiança que perdemos”, acrescentou.
Lee decidiu que AU$ 50 milhões (R$ 175,7 milhões) da multa seriam destinados ao sindicato, pois nenhuma agência do governo australiano demonstrou interesse em investigar ou processar a Qantas.
“Sem o sindicato…, a conduta da Qantas jamais teria sido exposta e a empresa jamais teria sido responsabilizada por sua conduta ilegal”, disse Lee. “Portanto, o sindicato trouxe à atenção do tribunal uma transgressão substancial e significativa de uma obrigação pública por parte de um empregador poderoso e importante”, acrescentou.
Uma audiência será realizada posteriormente para decidir para onde serão destinados os AU$ 40 milhões (R$ 140,5 milhões) restantes da multa.
‘Enfrentamos um gigante implacável e vencemos’
Michael Kaine, secretário nacional do sindicato que representa 60 mil membros, disse avaliar que a decisão foi justa e que encerra uma batalha judicial de cinco anos que a Qantas esperava vencer.
“É um resultado industrial significativo – o mais significativo – na história da Austrália e envia uma mensagem muito clara à Qantas e a todos os empregadores na Austrália: tratem seus funcionários ilegalmente e vocês serão responsabilizados”, disse Kaine aos repórteres. “Contra todas as probabilidades, enfrentamos um gigante que se mostrou implacável e vencemos”, acrescentou.
A Qantas admitiu ter negociado ilegalmente com passageiros e funcionários em suas respostas aos desafios econômicos da pandemia.
No ano passado, a Qantas concordou em pagar AU$ 120 milhões (R$ 421,5 milhões) em indenização e multa pela venda de passagens em milhares de voos cancelados.
A Comissão Australiana de Concorrência e Consumidor, órgão de defesa do consumidor, processou a companhia aérea no Tribunal Federal, alegando que a Qantas se envolveu em conduta falsa, enganosa ou ilusória ao anunciar passagens para mais de 8 mil voos de maio de 2021 a julho de 2022 que já haviam sido cancelados. / AP
CORREIO BRAZILIENSE
https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2025/08/7229271-companhia-aerea-e-multada-em-rs-3162-milhoes-por-demissoes-durante-a-pandemia.html
por NCSTPR | 19/08/25 | Ultimas Notícias
Embora a guerra comercial de Donald Trump pareça confusa e desordenada, por trás dessa política econômica há uma estratégia, sinaliza a professora Marta Fernández, na entrevista a seguir concedida por e-mail para o Instituto Humanitas Unisinos – IHU. Segundo a internacionalista, a lógica do tarifaço serve para criar “um esvaziamento sistemático das instâncias multilaterais, substituídas pela preferência por arranjos bilaterais, nos quais os EUA buscam maior poder de barganha”. Nesse contexto, diz ela, “as tarifas deixam de ser apenas instrumentos de proteção econômica e passam a funcionar como meio de calibrar o comportamento de outros Estados, borrando a fronteira entre política comercial e sanções propriamente ditas”, acrescenta.
A aplicação de tarifas, conforme aponta a pesquisadora, destrói a ordem global estabelecida pelos Estados Unidos no pós-Guerra, mas sem a formulação de alternativas. “As tarifas, usadas como armas de coerção, reforçam a substituição de qualquer tentativa de criar arcabouços legais ou normativos que limitem a busca desenfreada pelo poder e corrijam assimetrias”, pontua.
Marta explica que os ataques da Casa Branca direcionados aos países integrantes do BRICS se dão “pelo fato de o grupo reivindicar uma ordem internacional alternativa, que aposta na multipolaridade cultural, econômica, financeira e monetária”. Já ao falar da ofensiva ao Brasil, a pesquisadora afirma que “as tarifas funcionam como mecanismos de disciplinamento político, travestidos de medidas comerciais, que buscam enquadrar o Brasil como ameaça e colocá-lo sob um regime simbólico de exceção”.
Marta Regina Fernández y Garcia é diretora do BRICS Policy Center, professora do Instituto de Relações Internacionais (IRI/PUC-Rio), onde concluiu seu doutorado em Relações Internacionais. Bolsista de produtividade do CNPq e Cientista do Nosso Estado da FAPERJ. Editora da série “Global Political Sociology” da Palgrave Macmillan, foi presidente da Associação Brasileira de Relações Internacionais (2021-2023) e diretora do IRI/PUC-Rio (2016-2020). É pesquisadora do Projeto Internacional GlobalGRACE (Global Gender and Cultures of Equality).
Confira a entrevista.
IHU – A atual Era Trump estabeleceu que tipo de lógica (se é que este termo é o mais adequado) para a ordem econômica global?
Marta Fernández – Apesar da percepção de que a política econômica da Era Trump é marcada pela imprevisibilidade, existe, sim, uma lógica que a sustenta. Trata-se de um esvaziamento sistemático das instâncias multilaterais, substituídas pela preferência por arranjos bilaterais, nos quais os EUA buscam maior poder de barganha. Nesse contexto, as tarifas deixam de ser apenas instrumentos de proteção econômica e passam a funcionar como meio de calibrar o comportamento de outros Estados, borrando a fronteira entre política comercial e sanções propriamente ditas. Além disso, essa estratégia vem acompanhada por uma ilusão nostálgica de que tais medidas seriam capazes de reconstruir o poder industrial norte-americano do pós-Segunda Guerra.
O protecionismo agressivo dos EUA é um desses sintomas: ao mesmo tempo que revela a perda de centralidade, mostra também a tentativa de frear, de forma coercitiva, a ascensão de novos polos de poder – Marta Fernández
IHU – Como o caso do ataque terrorista do atirador de Nova York, que invadiu um prédio em Manhattan e disparou contra os trabalhadores de um andar do edifício, é uma alegoria ou sintoma para os ataques de Trump ao comércio mundial?
Marta Fernández – Como desenvolvi em artigo para o The Conversation, o ataque em Manhattan funciona como alegoria da política comercial da Era Trump. Assim como os disparos do atirador atingem indiscriminadamente, as tarifas são aplicadas de forma arbitrária, alcançando tanto aliados quanto rivais e convertendo-se em instrumentos de intimidação. Trump tende a enxergar a violência do atirador como algo distante, alheio a si, mas é essa mesma lógica insensata que orienta sua política tarifária. No limite, trata-se de uma estratégia suicida para os próprios Estados Unidos, pois corrói a confiança internacional e fragiliza a posição norte-americana na ordem econômica global.
[As tarifas são] uma estratégia suicida para os próprios Estados Unidos, pois corrói a confiança internacional e fragiliza a posição norte-americana na ordem econômica global – Marta Fernández
IHU – Como a escalada tarifária de Donald Trump interfere na arquitetura econômica global?
Marta Fernández – A chamada arquitetura econômica global foi construída pelos Estados Unidos no pós-Segunda Guerra Mundial, dentro do que se convencionou chamar de ordem internacional liberal. O paradoxo é que, hoje, o objetivo declarado da Era Trump é justamente derrubar essa ordem, considerada obsoleta, como colocado pelo secretário Marco Rubio.
A questão central é que não há, no trumpismo, a formulação de uma alternativa ou projeto de nova ordem mundial. O que se observa é antes uma visão de caos: provocar e administrar o caos como método de ação. Nesse sentido, a escalada tarifária é exemplar, pois não busca reformar instituições nem propor novos mecanismos multilaterais, mas impor pela força relações bilaterais desiguais. As tarifas, usadas como armas de coerção, reforçam a substituição de toda tentativa de criar arcabouços legais ou normativos que limitem a busca desenfreada pelo poder e corrijam assimetrias — redes de regras e instituições que, ainda que imperfeitas, buscavam conferir estabilidade ao sistema. O resultado é um cenário em que a lógica da força suplanta a lógica das regras, fragilizando a própria ordem que os EUA um dia edificaram.
A escalada tarifária não busca reformar instituições nem propor novos mecanismos multilaterais, mas impor pela força relações bilaterais desiguais – Marta Fernández
IHU – O que explica a ofensiva trumpista contra países do BRICS, como África do Sul, Brasil, Índia e Rússia, sem contar, a China, seu grande rival global?
Marta Fernández – A ofensiva trumpista contra países do BRICS se explica pelo fato de o grupo reivindicar uma ordem internacional alternativa, que aposta na multipolaridade cultural, econômica, financeira e monetária. O BRICS vem criando consensos e avanços práticos, como o fortalecimento do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e o estímulo ao comércio em moedas locais — basta lembrar que mais de 95% do comércio bilateral entre Rússia e China já é liquidado em yuan ou rublo. Ainda que a ideia de uma moeda comum pareça distante, medidas como o anúncio de Dilma Rousseff de que 30% da carteira do NDB será em moedas locais até 2026 alimentam o imaginário de que está em curso um movimento contra-hegemônico. Para Trump, isso toca no ponto mais sensível: a hegemonia monetária do dólar.
Daí decorre uma lógica de “ataque preventivo”, em que tarifas passam a ser aplicadas como armas contra membros do BRICS, mirando sobretudo o país que preside o bloco neste ano (Brasil) e o que o presidirá no próximo (Índia). Essas ameaças se dirigem ao BRICS como conjunto, mas são operacionalizadas de forma bilateral, numa estratégia clara de dividir para dominar — como o próprio Trump afirmou, em sua “profecia”, de que o BRICS acabaria rapidamente. O caso da Índia é exemplar: foi alvo de sobretaxas por comprar petróleo russo, enquanto a China, que mantém um comércio muito mais robusto com Moscou, não sofreu sanções semelhantes.
No fim das contas, prevalece uma lógica pragmática em que “os grandes importam”. Trump mantém canais de diálogo abertos com atores estratégicos, como ficou evidente na reunião com Putin no Alasca, ao mesmo tempo que evita aplicar tarifas secundárias à China — maior importadora de petróleo russo. Já o Brasil, por outro lado, tem enfrentado o fechamento desses canais, tornando-se alvo privilegiado de intimidação.
Na Era Trump, as relações internacionais dos Estados Unidos deixam de ser tratadas como uma questão de Estado ancorada em racionalidade econômica, para se tornarem um instrumento político da extrema-direita transnacional – Marta Fernández
IHU – O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tinha uma agenda para negociação do tarifaço de Trump com o secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, para a quarta-feira, 13/08-2025, que foi cancelada dois dias antes da reunião. O que esse gesto sinaliza sobre a prioridade das relações internacionais dos EUA? É uma questão econômica de Estado ou parece ser uma questão política dos aliados de Trump?
Marta Fernández – O cancelamento da reunião sinaliza que, na Era Trump, as relações internacionais dos Estados Unidos deixam de ser tratadas como uma questão de Estado ancorada em racionalidade econômica, para se tornarem um instrumento político da extrema-direita transnacional. A diplomacia torna-se palco de uma disputa ideológica global, cujo propósito é corroer instituições multilaterais, fragilizar o Estado de direito e consolidar a lógica da força como princípio dominante. Essa dinâmica aparece de forma clara em dois exemplos.
No caso da África do Sul, enquanto o país recorre à Corte Internacional de Justiça para denunciar Israel pelo genocídio em Gaza, Trump inverte o sentido da pauta e difunde a narrativa de que haveria um “genocídio de fazendeiros brancos” naquele país — uma formulação que ecoa a ideologia da supremacia branca e mostra como a extrema-direita global manipula conceitos de direitos humanos para sustentar seus projetos. No caso do Brasil, um relatório oficial dos Estados Unidos acusou o país de violar direitos humanos, numa clara instrumentalização seletiva desse discurso.
O paradoxo é que as próprias tarifas impostas por Trump podem ser lidas como formas de violação de direitos humanos econômicos e sociais, na medida em que atingem indiscriminadamente trabalhadores, exportadores e setores produtivos inteiros. Mais grave ainda, essa ofensiva se estende ao sistema de justiça: ao colocar decisões do Supremo Tribunal Federal sob suspeita e apresentá-las como abuso de poder ou perseguição política, Washington não apenas aplica sanções, mas interfere diretamente na soberania brasileira. Nesse sentido, as tarifas funcionam como mecanismos de disciplinamento político, travestidos de medidas comerciais, que buscam enquadrar o Brasil como ameaça e colocá-lo sob um regime simbólico de exceção.
Essa política externa de Trump reatualiza a memória da América Latina tratada como quintal dos Estados Unidos, mas encontra no Brasil uma resposta afirmativa de soberania. O Plano Brasil Soberano, recém-lançado, destina recursos substanciais para proteger exportadores e trabalhadores das sobretaxas e, ao mesmo tempo, aposta na diversificação de mercados para reduzir a dependência em relação aos Estados Unidos. Soma-se a isso a postura do presidente Lula, que enfatiza a soberania nacional, recusa a lógica de confronto e reafirma a necessidade de negociação em bases multilaterais, deixando claro que o Brasil não aceitará pressões externas que violem sua autonomia.
Lula enfatiza a soberania nacional, recusa a lógica de confronto e reafirma a necessidade de negociação em bases multilaterais, deixando claro que o Brasil não aceitará pressões externas que violem sua autonomia – Marta Fernández
IHU – Na prática, estamos testemunhando uma renúncia ao liberalismo econômico que vige há décadas no contexto global e onde os EUA sempre foram um carro chefe. Como entender neste contexto que a China “comunista” defenda o multilateralismo econômico e os EUA capitalista defenda o protecionismo? Qual a chave para desembaralhar as cartas desse jogo político e econômico?
Marta Fernández – O que estamos vendo não é exatamente uma contradição entre uma China defendendo o multilateralismo econômico e uns Estados Unidos capitalistas praticando o protecionismo. Trata-se, antes, do reflexo do declínio da hegemonia norte-americana. Como escreveu Antonio Gramsci, “o velho está morrendo e o novo não pode nascer; nesse interregno, surgem os mais variados sintomas mórbidos”. O protecionismo agressivo dos EUA é um desses sintomas: ao mesmo tempo que revela a perda de centralidade, mostra também a tentativa de frear, de forma coercitiva, a ascensão de novos polos de poder.
O liberalismo pregado por Washington nunca foi universal: valeu como disciplina para os outros, mas não como regra para si mesmo – Marta Fernández
Vale lembrar que os Estados Unidos moldaram as instituições multilaterais em um contexto no qual boa parte do chamado Sul Global nem sequer havia conquistado independência. À medida que esses países passaram a ter soberania, começaram a reivindicar, dentro desses espaços, uma ordem mais justa e equitativa — das resoluções da Assembleia Geral da ONU sobre uma Nova Ordem Econômica Internacional, nos anos 1970, às vitórias concretas no sistema multilateral de comércio. O Brasil, por exemplo, derrotou os EUA em disputas na OMC sobre o algodão e o suco de laranja, deixando evidente que o liberalismo pregado por Washington nunca foi universal: valeu como disciplina para os outros, mas não como regra para si mesmo.
A China, por sua vez, não busca reproduzir uma hegemonia liberal à moda norte-americana. Sua defesa do multilateralismo — seja na OMC, seja no BRICS ou no Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura — está associada a uma visão de mundo mais descentralizada, na qual múltiplos polos de poder podem coexistir.
IHU – Qual tem sido a postura dos países do Sul Global em relação às chantagens de Trump? Qual a força desses países para resistir às investidas autoritárias de um país como os EUA, que ainda têm papel muito relevante na economia mundial?
Marta Fernández – Os países do Sul Global têm adotado uma postura estratégica diante das chantagens de Trump, evitando confrontos diretos e preferindo agir pelas frestas do sistema internacional. Trata-se de um aprendizado histórico: conscientes da assimetria de poder, esses países desenvolveram a habilidade de se mover de forma pragmática, explorando brechas e diversificando parcerias em vez de bater de frente com a potência hegemônica.
As tarifas impostas pelos Estados Unidos evidenciaram os riscos da dependência excessiva de poucos mercados, estimulando países emergentes a buscar novas rotas comerciais e ampliar sua autonomia em setores estratégicos – Marta Fernández
No caso brasileiro, essa lógica aparece no Plano Brasil Soberano, que prevê mais de R$ 30 bilhões para proteger exportadores e trabalhadores das sobretaxas norte-americanas, mas também para reforçar a resiliência interna diante das turbulências do comércio global. Ao mesmo tempo, o Brasil tem apostado na estratégia da diversificação comercial, articulando-se com outros países do Sul Global — por exemplo, via BRICS — para recentrar instâncias multilaterais como a OMC e a ONU.
Cresce também a preocupação com o redesenho das cadeias produtivas globais. As tarifas impostas pelos Estados Unidos evidenciaram os riscos da dependência excessiva de poucos mercados, estimulando países emergentes a buscar novas rotas comerciais e ampliar sua autonomia em setores estratégicos.
Esse conjunto de movimentos mostra que a resposta do Sul Global às pressões norte-americanas não se dá pelo enfrentamento aberto, mas por uma diplomacia que combina defesa interna, diversificação comercial e valorização do multilateralismo. Trata-se, em última instância, de ampliar margens de manobra em um sistema internacional em transição, no qual o poder está mais disperso e as estratégias de adaptação tornam-se decisivas.
A resposta dos países do BRICS à ofensiva protecionista norte-americana não se dá pelo confronto direto, mas por meio de uma diplomacia de diversificação, de fortalecimento do multilateralismo e de construção de instrumentos que ampliam margens de manobra – Marta Fernández
IHU – Pode explicar o que é a “Declaração do Rio de Janeiro”, adotada pelo BRICS em julho de 2025? Que saídas o documento aponta contra a ofensiva autoritária de Trump no comércio global?
Marta Fernández – Na Declaração do Rio de Janeiro de 2025, os países do BRICS reforçam o compromisso com um sistema multilateral de comércio aberto, previsível e inclusivo, contrapondo-se às medidas unilaterais e desleais que caracterizam a política tarifária de Trump. O documento enfatiza a necessidade de restaurar a credibilidade da OMC e, ao mesmo tempo, aponta para caminhos práticos que buscam ampliar a autonomia dos países do grupo. Entre eles, destaca-se o incentivo ao comércio intra-BRICS e à facilitação do comércio e dos investimentos, reduzindo barreiras logísticas e regulatórias. Esse esforço se articula com a ampliação do uso de moedas locais, que não significa a criação de uma moeda única, mas sim uma estratégia para reduzir a dependência do dólar, cuja centralidade no sistema internacional remonta ao pós-Segunda Guerra.
A declaração também menciona a importância de fortalecer sistemas de pagamento regionais e de avançar na construção de uma rede de segurança financeira entre os países membros, reforçando sua resiliência coletiva. Além disso, traz iniciativas concretas, como o projeto de uma Bolsa de Grãos do BRICS, que visa reduzir vulnerabilidades no comércio agrícola e garantir maior segurança alimentar. Em conjunto, essas medidas mostram que a resposta do BRICS à ofensiva protecionista norte-americana não se dá pelo confronto direto, mas por meio de uma diplomacia de diversificação, de fortalecimento do multilateralismo e de construção de instrumentos que ampliam margens de manobra e preparam o grupo para um sistema internacional em transformação.
IHU – UNISINOS
https://www.ihu.unisinos.br/655943-a-guerra-comercial-serve-como-metafora-para-explicar-a-politica-economica-da-era-trump-entrevista-especial-com-marta-fernandez