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JUSTIÇA SOCIAL

Estabilidade gestante – Direito ao trabalho ou direito à indenização substitutiva

Estabilidade gestante – Direito ao trabalho ou direito à indenização substitutiva

Ricardo Luiz Cesario Junior

A estabilidade da gestante visa proteger contra demissão arbitrária. Contudo, há casos onde se busca apenas a indenização, desviando o foco da reintegração.

Com a mutabilidade das relações trabalhistas, regidas pela constante evolução da sociedade, um tema que sempre está em discussão é a estabilidade provisória da gestante.

Antes de um passo adiante, importante ressaltar a necessidade da estabilidade provisória à gestante, prevista no art. 10, II, b do ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, in verbis:

Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:

(…)

II – fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:

(…)

b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

Não é descontextualizado mencionar a grande luta das mulheres por igualdade salarial, diga-se de passagem, ainda em curso nos dias atuais, muito em razão da possibilidade de gravidez. Portanto, importantíssimo haver uma lei severa que impeça a dispensa discriminatória nesta hipótese.

Mesmo não sendo a temática central deste artigo, necessário trazermos a necessidade do cuidado com o tema, para que não seja banalizado um direito deveras importante para toda a sociedade, inclusive previsto em nossa CF/88.

A principal questão trazida à baila sobre este tema é a divergência entre direito ao trabalho em contrapartida com o direito simplesmente de uma indenização substitutiva.

Aclarando a celeuma, em muitas reclamações trabalhistas o que se almeja não é o direito de retorno ao trabalho e, sim, o pagamento pela ex-empregadora de uma verdadeira “indenização”, como se fosse um prêmio gestacional.

No intuito de exemplificar, citamos casos onde ocorre a demissão sem justa causa da obreira sem que a empregadora ou até mesmo a empregada tenha ciência do estado gravídico. Nesta seara, após a ciência da gravidez pela ex-empregada, nenhuma informação é passada à empresa, assim como há morosidade na distribuição da reclamação trabalhista, forçando a ex-empregadora a proceder com o pagamento de uma indenização substitutiva de todo período sem que a empresa possa utilizar a mão de obra da empregada.

Nesta situação hipotética a própria ex-empregada obstaculiza sua readmissão na empresa e após certo período, ingressa com uma reclamação trabalhista apenas cobrando a indenização relativa à data da dispensa até 5 meses após o parto.

Tal situação é possibilitada em razão da prescrição bienal para o ingresso da reclamação trabalhista, prevista nos arts. 7°, XXIX da CF/88 e 11° da CLT, em conjunto com o entendimento da súmula 244 do TST.

XXIX – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;

Art. 11.  A pretensão quanto a créditos resultantes das relações de trabalho prescreve em cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho.

Insta salientar que a intenção quando da edição da súmula 244 do TST foi manter em todos os 24 tribunais o direito à proteção do nascituro e da gestante, concedendo a estabilidade provisória nos termos do ADCT supracitado.

Entretanto, o que se observa em muitos casos é a utilização desse entendimento com o único desejo de receber uma indenização pecuniária pela gravidez.

Para uma análise aprofundada sobre o tema, necessário retornar ao preceito fundamental da norma, ou seja, qual foi a real intenção do legislador quando da edição da lei.

Assim, é de uma clareza solar que a intenção do legislador foi impedir a dispensa discriminatória, concedendo uma estabilidade provisória a gestante desde o início da gravidez até 5 meses após o parto e não simplesmente determinar que o empregador dê um prêmio pela gravidez.

Ao analisar os precedentes que levaram o TST a editar a súmula 244, constata-se que havia uma grande insegurança jurídica, ou seja, se em casos de dispensas sem justa causa e sem o conhecimento da gravidez também se enquadraria no art. 10, II, b do ADCT.

Desta feita, para que não houvesse uma lacuna na lei, foi ampliada a proteção da gestante por intermédio da edição da súmula n° 244 que preconiza o seguinte:

I – O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, “b” do ADCT).

II – A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade.

III – A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.

Neste ponto que chegamos em um dilema!

De um lado a ex-empregada que de fato não sabia de seu estado gravídico no momento da dispensa sem justa e assim que descobre avisa imediatamente sua ex-empregadora e/ou ingressa rapidamente com a reclamação trabalhista requerendo sua readmissão e de outro lado a ex-empregada que após a ciência do seu estado gravídico prefere aguardar alguns meses e somente após ingressa com a reclamação trabalhista cobrando indenização substitutiva de todo o período.

O TST em recente julgamento sobre o tema, manteve o entendimento do direito ao pagamento da indenização substitutiva mesmo com a morosidade da reclamante em ajuizar a ação, conforme ementa abaixo do recurso de revista 0000008-46.2021.5.12.0045 de relatoria do ministro Luiz José Dezena da Silva julgado em 6/11/24, in verbis:

RECURSO DE REVISTA. LEI N.º 13.467/2017. EMPREGADA GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. GESTAÇÃO ANTERIOR À RESCISÃO CONTRATUAL. DESCONHECIMENTO DO ESTADO GRAVÍDICO NO MOMENTO DA DISPENSA IMOTIVADA. GARANTIA DE EMPREGO PREVISTA NO ART. 10, II, B, DA ADCT. INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA DEVIDA. OBSERVÂNCIA DO ITEM I DA SÚMULA N.º 244 DO TST . TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. Esta Corte tem entendido que a estabilidade provisória da gestante apenas tem como requisitos a concepção no curso da contratualidade e a dispensa imotivada, conforme art. 10, II, b, do ADCT e diretriz consubstanciada nos itens I e II da Súmula n.º 244 do TST. Dessa forma, o desconhecimento da gestação no momento da dispensa pelo empregador não tem o condão de afastar o direito à estabilidade da empregada gestante, como também o fato de a trabalhadora ajuizar a Reclamação Trabalhista após o transcurso do período de estabilidade não afasta o direito à estabilidade da gestante. Decisão regional reformada para reconhecer o direito à estabilidade provisória da gestante e condenar a reclamada ao pagamento da indenização substitutiva à garantia provisória de emprego. Recurso de Revista conhecido e provido.

(TST – RR: 00000084620215120045, Relator: Luiz Jose Dezena Da Silva, Data de Julgamento: 06/11/2024, 1ª Turma, Data de Publicação: 08/11/2024)

Com a constante evolução do Direito do Trabalho, necessário que uma nova discussão seja criada sobre esse tema, haja vista que o ADCT é do ano de 1988, assim como a súmula 244 do TST é do ano de 2012, ou seja, se passaram muito anos, havendo drásticas e significativas mudanças neste período.

Por mais que seja necessária a atuação do judiciário para modular os efeitos da lei, esta atuação não pode alterar significativamente o sentido e principalmente, a intenção do legislador ao editá-la.

Para o Direito atual não há espaço para que sobre um direito legítimo tenhamos verdadeiros pedidos de cunho exclusivamente econômico, causando um verdadeiro enriquecimento ilícito.

Diante do quanto explicitado neste artigo, cabe aos advogados combaterem a súmula, não para que seja revogada, muito pelo contrário, para que seja adequada e evite situações de enriquecimento ilícito.

Para tanto bastaria criar algumas regras, ou seja, tempo máximo para ingresso da reclamação trabalhista e/ou aviso a ex-empregadora demitida sem justa causa do estado gravídico, quando do ingresso da reclamação trabalhista necessariamente haja pedido de tutela de urgência de reintegração ao trabalho.

Apenas com a adaptação de um direito deveras importante para toda a sociedade, certamente haverá mais justiça, que é exatamente o que se busca ao judicializar uma demanda.

Ricardo Luiz Cesario Junior
Advogado – Parada Advogados

MIGALHAS

 https://www.migalhas.com.br/depeso/424507/estabilidade-gestante–direito-trabalho-ou-indenizacao-substitutiva

Estabilidade gestante – Direito ao trabalho ou direito à indenização substitutiva

“É evidente que o ‘capitalismo de finitude’ não precisa da democracia.” Entrevista com Arnaud Orain

Arnaud Orain publicou Le Monde confisqué. Neste livro, o historiador decifra a racionalidade das estratégias violentas e rentistas empregadas pelas elites econômicas e políticas, que voluntariamente confabulam para se apossar de “um bolo que não pode crescer”. É um livro que dá sentido à brutalidade de Trump, às ofensivas dos gigantes digitais, à apropriação de terras agricultáveis em todo o planeta e ao investimento sem precedentes da China na sua marinha. Com a publicação de Le Monde confisqué. Essai sur le capitalisme de la finitude (XVIᵉ-XXIᵉ siècle) [O mundo confiscado. Ensaio sobre o capitalismo da finitude (séculos XVI-XXI)], editado pela Flammarion), o historiador Arnaud Orain ousa propor uma leitura global dos acontecimentos que chocam e marcam uma mudança de época.

A entrevista é de Fabien Escalona e Romaric Godin, publicada originalmente em Mediapart, e reproduzida por Sin Permiso, 06-02-2025. A tradução é do Cepat.

Orain afirma que as nossas sociedades vivem um “capitalismo da finitude”, cujos avatares já existiam em séculos anteriores. Abertamente “predatório, violento e rentista”, prospera com a promessa de prosperidade universal, possibilitada pelo mercado e regulamentada pela lei. “O neoliberalismo acabou”, afirma o autor, diferenciando-se neste ponto de outros pensadores da época, como Quinn Slobodian e seu Capitalismo destrutivo. Os radicais do mercado e a ameaça de um mundo sem democracia (Objetiva, 2024).

Em declarações ao Mediapart, Arnaud Orain desenvolve os principais argumentos da sua tese e explica a sua periodização alternativa da trajetória do capitalismo. Destaca a linha que deve ser encontrada entre o risco de subjugação, face à nova onda imperialista do século XXI, e o risco de afundar numa corrida antidemocrática, desigualitária e ecocida.

Eis a entrevista.

Para explicar as turbulências do nosso tempo (ameaças de guerra, recuo democrático, protecionismo, etc.), você propõe a noção de um “capitalismo de finitude”. Quais são suas principais características?

A ideia era sair da habitual dicotomia entre períodos de triunfo do liberalismo e períodos de forte intervenção do Estado. Nunca esqueci o que nos diziam aqueles professores que estudavam o sistema soviético no departamento de economia: liberalismo e capitalismo são duas coisas muito diferentes.

Prefiro identificar dois tipos de capitalismo. Existe um capitalismo que é compatível com o liberalismo. Baseia-se na concorrência, na redução ou mesmo ausência de direitos alfandegários, na liberdade dos mares e numa utopia de aumento da riqueza individual e coletiva, numa dinâmica que beneficiaria a todos. É a época que muitos de nós vivemos, dos anos trinta aos setenta do século passado.

E depois existe o capitalismo, por vezes chamado de capitalismo “mercantilista”, que chamo de capitalismo “finito”. Refere-se a um mundo em que as elites acreditam que o bolo não pode crescer mais. A partir daí, a única forma de preservar ou melhorar a sua posição, na ausência de um sistema alternativo, passa a ser a expropriação. Esta é a era em que acredito que estamos entrando.

Você escreve que o capitalismo já passou por fases desse tipo nos séculos anteriores. Que períodos são esses?

A trajetória do capitalismo pode ser descrita da seguinte forma. Do século XVI ao XVIII: trata-se de uma fase em que foram criadas potências imperiais que criaram grandes empresas com monopólios, comércio exclusivo com as suas colônias e guerras de natureza estritamente econômica. Foi o primeiro período do capitalismo de finitude. Seguiu-se uma fase de liberalização, após as Guerras Napoleônicas, vencidas pelos britânicos.

Alguns acreditam que esta Pax Britannica continuou até 1914, mas ignoram a segunda grande onda de colonização que começou na década de 1880. Nesta época, voltaram as tarifas, os armazéns imperiais, os cartéis e as conquistas territoriais em busca de “recursos”, tendências que se acentuaram na década de 1930, como consequência da Grande Depressão, e culminaram na Segunda Guerra Mundial.

Em 1945 começou uma nova fase liberal. Baseou-se numa promessa de abundância sem precedentes, inicialmente para o mundo ocidental e depois estendida a todo o mundo a partir da década de 1990. Assim como é “centrado no Ocidente” pensar na ruptura com o passado em 1914, também o é acreditar que a era neoliberal mudou tudo. O verdadeiro momento em que a promessa foi quebrada, especialmente em relação aos limites ecológicos do planeta, foi na década de 2010.

A referência obsessiva de Trump à Era Dourada estadunidense deve ser levada a sério. Foi a era dos monopólios, da difamação da concorrência, das grandes desigualdades sociais, mas também do grande retorno da colonização, que os próprios Estados Unidos praticaram em Porto Rico e no Havaí.

Na sua opinião, a “broligarquia” tecnológica que ganhou destaque na posse de Trump é uma ilustração perfeita deste capitalismo de finitude. Tem-se a impressão de que são a versão do século XXI de algumas das companhias marítimas que organizaram a contraeconomia séculos atrás…

Na verdade, existe um paralelo entre estas diferentes encarnações de “empresas-Estado”. Durante muito tempo, contou-se uma história romântica sobre as empresas das Índias Orientais. A VOC [Companhia Holandesa das Índias Orientais], por exemplo, tinha dezenas de milhares de escravos e praticava uma violência que beirava o genocídio, como nas Ilhas Banda. Na Índia, os britânicos não compravam muita coisa no final do século XVIII: saqueavam e tributavam a população.

Estas empresas tinham seus próprios direitos, fortalezas e exércitos, o que podia inclusive causar atritos com os Estados de onde provinham. O importante é lembrar que monopolizavam áreas para gerar renda a partir de uma lógica rentista, em vez de gerar lucros a partir da livre concorrência. No final do século XIX, empresas deste tipo ressurgiram durante o renascimento da colonização, especialmente na África.

Hoje, os gigantes digitais combinam o poder do mercado com o poder soberano. São capazes de mobilizar o espaço público através das redes sociais, fornecer conexões à internet para áreas inteiras, interferir na esfera militar com satélites e tentar extrair dinheiro aproveitando uma posição monopolista sobre os dados.

No entanto, há uma diferença de uma época para outra. As empresas dos séculos XVII e XVIII desempenhavam um papel importante na política dos seus respectivos Estados, mas não se tratava de se impor dentro da metrópole. Agora os gigantes tecnológicos apropriam-se de prerrogativas soberanas dentro dos seus próprios Estados. No entanto, como no passado, pode haver divergências entre estas empresas: Elon Musk e Peter Thiel, por exemplo, não compartilham a mesma opinião sobre a desvinculação econômica da China.

A sua tese também nos permite compreender melhor o significado histórico de outro fenômeno que tem ganhado as manchetes: a interrupção da liberdade de navegação no Mar Vermelho pelos hutis do Iêmen, no contexto da guerra no Oriente Médio. Você insiste no fato de que o capitalismo de finitude é acima de tudo o fechamento dos mares.

Há cerca de dez anos que os oceanos voltaram a ser um tema importante nas relações internacionais. No capitalismo de finitude, fazemos comércio com os nossos amigos, os nossos vassalos, as nossas colônias, num regime em que somos protegidos pelo nosso poder imperial, porque não existe mais uma potência hegemônica capaz de garantir a liberdade dos mares para todos.

Embora ainda não tenhamos chegado a esse ponto, há fortes indícios de que isso está acontecendo. É significativo o fato de que os hutis não estejam atacando navios chineses e russos, enquanto as empresas ocidentais têm agora de contornar a África. Neste contexto, assistimos a um enfraquecimento da marinha estadunidense e, pelo contrário, a um enorme aumento do poder da marinha chinesa, tanto mercante como militar. Para garantir a liberdade dos mares, não pode haver duas potências hegemônicas. Só funciona com uma.

É claro que o movimento MAGA em torno de Trump já não quer pagar pela segurança mundial. É preciso dizer que os Estados Unidos não estão longe de ter energia suficiente entre gás, petróleo e painéis solares domésticos, e que estão bem abastecidos de matérias-primas na América do Sul. A vontade de anexar a Groenlândia responde ao objetivo de ter acesso a determinados recursos minerais para completar a panóplia.

Anuncia-se um novo mundo, com rotas marítimas seguras para alguns, mas não para outros. Para as potências europeias, acostumadas há oitenta anos à liberdade dos mares garantida pelo seu principal aliado, a ruptura é considerável.

É compreensível que o capitalismo baseado na finitude não combine bem com os princípios democráticos. Mas, o vínculo não é mais complexo? Afinal, vimos a qualidade dos regimes democráticos deteriorar-se durante a era neoliberal, do mesmo modo que vimos avanços democráticos no final do século XIX.

Não existe uma conexão necessária entre capitalismo e autoritarismo, assim como não existe entre liberalismo econômico e democracia. O fato é que o capitalismo de finitude claramente não precisa da democracia e que esta representa inclusive um obstáculo.

Na verdade, as exigências democráticas são geralmente mais igualitárias, com vias para que os pequenos produtores e trabalhadores possam expressar seus interesses. Já o capitalismo de finitude valoriza o empresário que alcança o monopólio e, portanto, a desigualdade. A tomada de poderes soberanos por empresas estatais, que não prestam contas a ninguém, também é contraditória aos princípios do governo representativo.

No capitalismo da finitude, contudo, as aspirações populares podem ser capturadas argumentando a favor da natureza protetora das medidas de fechamento. É o que Trump está fazendo. Destacar o progresso tecnológico e as novas fronteiras que imaginamos que se estenderão ao espaço é também uma forma de ampliar a sua base eleitoral.

É o que a extrema-direita europeia não compreendeu. Quando não se tem empresas estatais em setores estratégicos, nem grandes frotas militares, poucos recursos energéticos próprios… o risco, num mundo “trumpizado”, é, sobretudo, o empobrecimento que leva ao servilismo.

Voltemos à sua periodização das fases liberais e das fases marcadas pela consciência da “finitude”. Como você explica a sua alternância?

Não abordo diretamente a questão da causalidade destas alternâncias. Mas vejamos o que disse Karl Polanyi sobre o colapso da fase liberal no século XIX. À medida que a promessa de abundância coletiva e individual se tornava cada vez mais difícil de cumprir, o mais-valor teve de ser extraído de outra forma, por meios imperialistas, destruindo as estruturas tradicionais do mundo recentemente colonizado. As elites teorizaram sobre isso e os críticos do imperialismo denunciaram-no na época.

Desde o final do século XX e início do XXI, um fenômeno relativamente semelhante vem ocorrendo. A partir do momento em que os países emergentes e as novas classes médias começam a consumir proteínas animais e combustíveis fósseis de acordo com os padrões ocidentais, a promessa de abundância se choca com as limitações dos recursos. Torna-se difícil crescer sem novos mecanismos de expropriação, que não podem ser alcançados num quadro liberal.

No neoliberalismo, o Estado e as instituições internacionais impõem um quadro rigoroso para garantir um ambiente competitivo. Estamos em vias de sair deste quadro, porque não basta manter o nível de vida ou garantir os lucros das grandes empresas tecnológicas. A saída é um capitalismo menos padronizado, mais brutal, com formas de dominação mais diretas que prescindem do mercado.

Você aponta a finitude dos recursos naturais, mas o problema não é também interno ao próprio sistema de acumulação? O capital luta para encontrar seu valor, no Ocidente, mas também na China. É por isso que o neoliberalismo representou uma ruptura com o passado: mudou a base da acumulação, que se tornou mais financeirizada e menos favorável ao mundo do trabalho.

Nós não discordamos. Os promotores do neoliberalismo tentaram claramente dar continuidade, através de uma lógica competitiva exacerbada, a um modo de produção que já estava esgotado na década de 1970. Mas depois da grande recessão de 2008, o crescimento econômico alcançado através das exportações revelou-se um bolo cada vez mais limitado. Nos países do Norte, assistimos a um relativo empobrecimento das classes média e trabalhadora.

A França e os Estados Unidos foram os primeiros a sentir o impacto da entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), e agora chegou à Alemanha. Na prática, os ocidentais estão descobrindo que a teoria que justificou o livre comércio – a especialização baseada na vantagem comparativa – não funciona. O emplastro do neoliberalismo já não é suficiente para conter os problemas de uma indústria em colapso. Isto contribui para o aumento das rivalidades geopolíticas dentro do capitalismo global.

A fase liberal do capitalismo iniciada em 1945, mais ou menos temperada pelo Estado social, foi também a fase da “grande aceleração” da degradação ecológica do sistema Terra. Você não subestima o caráter permanente da dimensão expropriadora da lógica capitalista?

Durante os Trinta Gloriosos e o período neoliberal, houve trocas claramente desiguais em todo o planeta. Mas foram as relações de mercado que predominaram. Tomemos o caso da terra. No mundo liberal, este ativo é como líquido. Os preços são fixados e cada Estado compra, no mercado mundial, o que não tem para consumo da sua população. Este é o modelo centrado na OMC.

Desde os distúrbios alimentares de 2007-2008, e novamente após a pandemia da Covid, algo diferente está acontecendo: uma apropriação direta de terras, sobretudo por parte de empresas estatais dos Emirados Árabes Unidos e da China, mas também por empresas estadunidenses e holandesas. Elas compram a terra, fornecem insumos e sementes e se apropriam das colheitas sem intermediários ou preços de mercado. Algo semelhante acontece com os recursos minerais e pesqueiros.

Em termos mais gerais, chama a atenção o crescimento, tanto na esfera intelectual como empresarial, da ideia de que o capitalismo é um jogo de soma zero. Escritores críticos como Dylan Riley e Robert Brenner desenvolveram recentemente esta ideia na New Left Review, mas como historiador, podemos encontrar ecos disso no século XVII, quando os primeiros pensadores do capitalismo explicaram que nem todos no mundo podiam participar dos grandes mercados têxteis.

O capitalismo finito do século XXI tem uma qualidade especial em comparação com fases anteriores deste tipo? Poderíamos imaginar um retorno quase tranquilizador, mas o sistema capitalista está envelhecendo.

Temos um novo problema. A finitude do mundo é, sem dúvida, a finitude dos recursos naturais e a saturação do mercado mundial: a finitude da velha escola, por assim dizer. Mas é também o fato de que, para alcançar uma transição energética que evite mudanças climáticas desastrosas, precisamos de enormes quantidades de minerais e metais. O planeta é duplamente finito: precisamos de recursos para manter o capitalismo fóssil, mas também para fazer a transição. Não vejo como isso não causará grandes conflitos.

Para você, o “mundo confiscado” segue sendo um mundo capitalista, onde o problema é o imperativo da acumulação, seja feita ou não com energia de carbono. Então, opõe-se a teses como as de Yánis Varoufákis ou Cédric Durand, que falam da emergência de um “tecnofeudalismo” em vez do capitalismo?

Eu não concordo com esse termo. O feudalismo implica uma relação mais política do que econômica, um poder baseado em hierarquias extraeconômicas, justificadas de forma teológica ou tradicional. Mas continuamos num sistema em que a relação de dominação se baseia no dinheiro, em benefício dos capitalistas.

Só que alguns destes capitalistas também querem ser soberanos, com um guarda-chuva de comerciante e outro de (para-)Estado. Essa é a mudança que está ocorrendo: uma lógica capitalista segue operando, mas é acompanhada pela tomada da terra, do mar, do ar e inclusive do ciberespaço e do espaço público, o que pode ser descrito como a tomada da soberania.

Você defende uma economia ecológica, que é uma versão radical da “ecologia de guerra” defendida por Pierre Charbonnier: basicamente, preservar a autonomia através da sobriedade, em vez de entrar no jogo dos impérios. Mas isto é possível diante da sua capacidade de chantagem e coerção?

Como manter um regime democrático diante de impérios que querem o mesmo que nós? A minha esperança é ver surgir uma política de transição energética muito ambiciosa, com uma redução drástica do consumo de energia, porque isso envolverá necessariamente recursos minerais e metálicos.

É uma linha muito tênue: uma transição forte que nos permita não seguir muito uma política de imperialismo e de vassalagem, e ao mesmo tempo garanta autonomia face aos impérios predatórios, que serão, no longo prazo, vencedores. Mas isto implica uma reorganização tão radical da nossa organização social que não sei se é possível.

Esta questão levanta a problemática de um governo baseado nas necessidades, em vez de uma corrida precipitada em direção à acumulação. Precisamos realmente de milhões de veículos elétricos individuais? Não precisamos mudar o nosso estilo de vida para escapar da corrida imperial?

IHU – UNISINOS
https://www.ihu.unisinos.br/648445-e-evidente-que-o-capitalismo-de-finitude-nao-precisa-da-democracia-entrevista-com-arnaud-orain

Estabilidade gestante – Direito ao trabalho ou direito à indenização substitutiva

TikTok derruba vídeos com dicas sobre trabalho infantil no iFood; Youtube mantém

Vídeos que ensinam como burlar sistema de verificação etária foram removidos pelo TikTok após questionamento da Repórter Brasil; iFood diz que monitora conteúdos associados à marca, mas que que “não tem ingerência sobre as regras das plataformas de transmissão”

A reportagem é de Isabel Harari, publicada por Repórter Brasil, 11-02-2025.

“Se você quiser rodar, eu aconselho você, caso você esteja precisando muito, pegar uma conta de uma pessoa próxima – pegar do teu pai ou da tua mãe.”

Essa é a recomendação de um dos três vídeos derrubados pelo TikTok, com dicas sobre como adolescentes podem burlar o cadastro exigido pelo iFood para trabalhar como entregador de aplicativo. As postagens foram retiradas do ar após questionamentos enviados à rede social pela Repórter Brasil.

O iFood proíbe a atuação de pessoas com menos de 18 anos, como diz a lei. Na prática, porém, jovens conseguem contornar as restrições usando contas de parentes ou amigos.

trabalho infantil é proibido no Brasil, salvo algumas exceções, como o trabalho artístico e o de “jovem aprendiz”– sujeito a uma série de regras para combinar a formação profissional com a educacional.

No caso do serviço de entrega, há um agravante: ao expor adolescentes ao risco de acidentes, à chuva, ao frio e ao calor excessivo, a ocupação pode ser enquadrada na lista oficial de piores formas de trabalho infantil.

Mesmo assim, estratégias para driblar as restrições de idade correm soltas no TikTok e no Youtube. A reportagem mapeou uma série de vídeos nas duas plataformas com orientações sobre o uso de perfis fraudulentos. Até ensinamentos sobre como enganar ferramentas de reconhecimento facial, usadas por aplicativos para confirmar a identidade dos entregadores, são compartilhados.

Enquanto o TikTok removeu ao menos três desses conteúdos, a assessoria de imprensa do Youtube respondeu dizendo que a empresa “não vai comentar” – os vídeos com dicas sobre as fraudes continuam públicos, mas não serão veiculados nesta matéria.

A reportagem também questionou o iFood. Por meio de nota, a empresa afirma que “o uso de cadastros por menores de idade é uma fraude, conforme previsto nos termos e condições da plataforma”. Leia aqui a resposta na íntegra.

O posicionamento diz ainda que a empresa monitora ativamente conteúdos relacionados à marca e que, ao identificar postagens como as mencionadas, registra denúncias diretamente nos canais de ajuda das plataformas. “Reforçamos que o iFood não tem ingerência sobre as regras de uso das distribuidoras de conteúdo”, conclui a nota.

Rappi também é mencionada nos vídeos e comentários. Procurada pela Repórter Brasil, reiterou que não permite o trabalho infantil e “tampouco contribui para que isso ocorra em sua plataforma”. A empresa não respondeu, no entanto, se faz algum tipo de monitoramento sobre os conteúdos publicados no TikTok e no Youtube. A íntegra pode ser lida aqui.

STF debate responsabilidade de plataformas sobre conteúdos postados por usuários

Atualmente, o STF (Supremo Tribunal Federal) debate a regulamentação de plataformas digitais, incluindo a responsabilização dessas empresas por conteúdos publicados pelos usuários.

Em dezembro, o presidente da corte Luís Roberto Barroso defendeu que as empresas devem ter uma postura proativa para evitar postagens criminosas. “Os provedores têm o dever de cuidado de mitigar os riscos sistêmicos criados ou potencializados por suas plataformas”, disse. O julgamento foi suspenso após pedido de vista do ministro André Mendonça.

“O discurso de apologia ao trabalho infantil é muito grave. Além disso, é crime apresentar uma documentação falsa, agir em nome de outro”, alerta Moacir Nascimento Júnior, promotor de Justiça da Bahia e colaborador da Comissão da Infância, Juventude e Educação do Conselho Nacional do Ministério Público.

“As empresas que mantém esse tipo de conteúdo depois de notificadas extrajudicialmente devem ser responsabilizadas”, reforça Nascimento, explicando que autoridades públicas, organizações da sociedade civil e até mesmo pessoas comuns podem pedir às plataformas a retirada de posts contrários à lei.

Esse também é o entendimento de Renata Tomaz, professora da FGV Comunicação Rio (Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getulio Vargas). “É responsabilidade das plataformas garantir que não haja não só a prática ilícita, mas a promoção da prática ilícita”, avalia.

Adolescentes usam contas de amigos e familiares para trabalhar no iFood

“É fácil, rapaziada, é só botar o documento de alguém ‘de maior’”, afirma um vídeo no Youtube. Nele, um menino que aparenta ter menos de 18 anos afirma ter usado a documentação da mãe.

O conteúdo foi postado há mais de três anos com o título “como entregar sendo de menor”, já acumula 58 mil visualizações e segue movimentando a caixa de comentários.

Ali, os perfis trocam incentivos, dicas e relatos: “vlw pela dica man vou trabalhar com 11 anos vou pode junta um dinheiro pra min”, diz uma postagem de novembro de 2024.

“Também uso o documento da minha mãe, e já fiz várias entregas”, diz um post feito em dezembro. Outro, de janeiro deste ano, promete: “vou pegar a conta do meu irmão mais velho”.

“Se há uma fraude na hora da criação da conta e isso é sabido, devem ser adotadas medidas para evitar que isso aconteça. Temos tanta tecnologia, não é possível que não se consiga fazer uma verificação etária efetiva”, pondera Luísa Carvalho Rodrigues, da Coordinfância (Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente), do MPT (Ministério Público do Trabalho).

Vídeos dão dicas para driblar reconhecimento facial

Um dos mecanismos implementados pelas empresas para impedir fraudes é o monitoramento via reconhecimento facial. A medida exige que os entregadores enviem fotos de tempos em tempos para confirmar sua identidade.

Mas também há maneiras de burlar essa exigência. Jovens ouvidos pela Repórter Brasil contaram que a “facial”, como eles chamam, normalmente é solicitada antes ou logo após as primeiras entregas. Eles começam o serviço nas proximidades da casa do dono da conta – amigo ou parente. Assim que o aplicativo solicita a confirmação de identidade, é só pedalar até lá e pedir a foto.

“Esse amigo morava na mesma comunidade. Eu fazia a primeira entrega, aqui perto mesmo, e voltava. Aí ele fazia a ‘facial’, e eu podia fazer a entrega o restante do dia”, conta um dos entrevistados, ouvido sob condição de anonimato.

Esses relatos encontram eco nos vídeos no Youtube e TikTok. “Eu conheço pessoas que vão em casa e voltam com a ‘facial’ da pessoa que está com a conta e depois volta a trabalhar. Até hoje não foi pego”, diz um dos vídeos que foi removido pelo TikTok, postado em fevereiro de 2024.

O esquema, porém, não é isento de falhas. Isso porque as empresas podem pedir fotos em horários aleatórios. Nesses casos, a orientação contida em alguns vídeos é encerrar o expediente para não correr o risco de bloqueio.

No Youtube alguns perfis se gabam por conseguir burlar a verificação etária de outra maneira. Em um vídeo com mais de 27 mil visualizações, o autor sugere usar um segundo celular com várias fotos do dono da conta armazenadas: “quando pedia para tirar foto, colocava um celular de frente para o outro, e o aplicativo aceitava”.

Em outra publicação, dessa vez no TikTok, um usuário diz que usou essa técnica com sucesso. “Eu fazia o reconhecimento facial com um vídeo da minha mãe, apontando um celular pro outro. De verdade, nunca deu errado”, diz o post publicado em julho de 2024.

Em nota, o iFood afirma que tem aprimorado suas ferramentas de segurança. “Por outro lado, sabemos que uma prática irregular que pode ocorrer após o cadastro é o aluguel ou empréstimo de contas”, diz em nota. “Para coibir essa fraude, utilizamos checagens periódicas por biometria facial, garantindo que a pessoa que está acessando a conta é, de fato, o titular cadastrado”.

A Rappi também disse implementar mecanismos robustos para verificar a identidade do entregador após o cadastro. Um deles é o envio de um código de verificação cada vez que a pessoa entra na plataforma, além da solicitação de uma foto em tempo real. “Essa imagem é comparada, por meio de um avançado software, com a foto do seu documento de identidade, para garantir a segurança do ecossistema”. Leia as notas enviadas pelas empresas na íntegra.

Luísa Carvalho, do Ministério Público do Trabalho, reconhece que houve um avanço nas medidas de monitoramento das empresas, mas alerta que ainda existem brechas. “As tecnologias e as formas de burlá-las vão evoluindo muito rapidamente, então os mecanismos mais efetivos [de verificação etária] precisam estar sempre em aprimoramento”, finaliza.

IHU – UNISINOS
https://www.ihu.unisinos.br/648435-tiktok-derruba-videos-com-dicas-sobre-trabalho-infantil-no-ifood-youtube-mantem

Estabilidade gestante – Direito ao trabalho ou direito à indenização substitutiva

Indústria não consegue extinguir ação de motorista por danos psicológicos decorrentes de assalto

Resumo:

  • Um motorista da Souza Cruz apresentou, em 2019, uma ação pedindo reparação de danos decorrentes de um assalto ocorrido em 2009.
  • A empresa alegou que a ação foi ajuizada fora do prazo prescricional, que prevê que ela só pode discutir fatos ocorridos nos cinco anos anteriores ao ajuizamento.
  • Mas, para a 7ª Turma do TST, a ação é válida porque o entendimento do TST leva em conta aspectos como a indefinição da doença, seu grau de comprometimento e as sequelas, além dos sucessivos afastamentos previdenciários.

A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho negou recurso da Souza Cruz Ltda. que pretendia extinguir uma ação em que um motorista pede indenização por transtornos psiquiátricos decorrentes de um assalto ocorrido em 2009. A empresa alegava que a ação foi apresentada em 2019, fora do prazo de dois anos previsto na legislação. Mas, segundo o colegiado, na época não se conhecia ainda a extensão e o grau de comprometimento dos problemas, que vêm exigindo sucessivos afastamentos previdenciários.

De acordo com a legislação trabalhista, a pessoa tem o prazo de dois anos, contados da extinção do contrato de trabalho, para ajuizar a ação. Após esse prazo, a ação estará prescrita e ela perderá o direito de reclamar na Justiça. Mesmo que a ação tenha sido apresentada nesse prazo, só poderão ser discutidos direitos referentes aos cinco anos anteriores ao ajuizamento.

Colega morreu assassinado

Na ação, o motorista relatou ter sofrido vários assaltos em razão da carga que transportava, mas o limite foi o ocorrido em fevereiro de 2009, perto de São Sebastião (AL). Assaltantes pararam o caminhão e renderam ele e o colega, que reagiu e morreu assassinado em seus braços. Nesse dia, a carga que transportava estava avaliada em R$ 1,5 milhão. Ele pediu a condenação da empresa por danos morais em razão do estresse pós-traumático decorrente do episódio, que gerou sucessivos afastamentos previdenciários.

Ação foi apresentada dez anos depois

Em julho de 2021, a 5ª Vara do Trabalho de Maceió condenou a Souza Cruz a pagar R$ 80 mil de indenização. A empresa recorreu, alegando que a ação fora ajuizada dez anos depois do assalto, quando a ação trabalhista só pode discutir fatos ocorridos nos cinco anos anteriores à sua apresentação. Segundo seu argumento, os afastamentos por licença-saúde não suspendem o prazo legal de prescrição.

Ao manter a sentença, o Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região considerou que não é possível exigir da vítima o ajuizamento precoce da ação quando ainda há questionamentos sobre a doença, sua extensão e grau de comprometimento, a possibilidade de recuperação ou mesmo de agravamento.

Prescrição em caso de doença ocupacional não depende do fim do contrato

No julgamento do recurso, o ministro Evandro Valadão, relator, observou que, em situações como essa, o TST considera a data do ajuizamento da ação como termo inicial da prescrição. Segundo ele, por se tratar de transtorno de ordem psicológica/psiquiátrica, aspectos como a indefinição da doença, sua extensão e grau de comprometimento devem ser avaliados, bem como os sucessivos afastamentos por auxílio-doença e auxílio-acidentário, além do fato de o empregado ainda sofrer com as sequelas psicológicas. Desse modo, não há prescrição a ser declarada.

(Ricardo Reis/CF)

Processo: AIRR-368-77.2019.5.19.0005

TST JUS
https://tst.jus.br/web/guest/-/ind%C3%BAstria-n%C3%A3o-consegue-extinguir-a%C3%A7%C3%A3o-de-motorista-por-danos-psicol%C3%B3gicos-decorrentes-de-assalto%C2%A0

Estabilidade gestante – Direito ao trabalho ou direito à indenização substitutiva

Mulher terá justa causa por postar foto de bebida usando uniforme

Postagem controversa

TRT-15 destacou ato de indisciplina e histórico de punições da trabalhadora.

Da Redação

A 9ª câmara do TRT da 15ª região manteve dispensa por justa causa de trabalhadora de telemarketing que publicou em suas redes sociais, durante o horário de trabalho, uma foto segurando uma garrafa de bebida alcoólica.

Colegiado decidiu manter a justa causa por considerar que a postagem comprometeu a imagem da empresa, agravada pelo histórico disciplinar da trabalhadora.

O caso

A ação foi ajuizada pela trabalhadora com o objetivo de anular a dispensa por justa causa, aplicada após a publicação de uma foto em suas redes sociais segurando uma garrafa de bebida alcoólica durante o expediente de trabalho.

Ela alegou que a punição foi desproporcional e arbitrária, defendendo que a postagem foi apenas uma brincadeira para enaltecer o trabalho em home office e que não houve intenção de prejudicar a imagem da empresa.

Além disso, sustentou que não há provas de que tenha ingerido a bebida e que a justa causa representou uma medida extrema e desnecessária no caso.

A defesa da empresa argumentou que a publicação da foto evidenciava ato de indisciplina e comprometia a imagem da empresa, uma vez que a foto continha sua logomarca ao fundo, aumentando a gravidade da conduta.

Além disso, a empresa destacou que a trabalhadora já havia recebido advertências e suspensões anteriores por desvios de conduta e por violações ao código de ética, o que justificava a aplicação da justa causa como última medida diante do histórico disciplinar.

Mulher tem justa causa mantida pelo TRT-15 por postar foto com bebida durante o expediente vestindo uniforme da empresa.
Análise do juízo

Em 1ª instância, o juízo entendeu que “ainda que não tenha ingerido quantidade suficiente para gerar embriaguez, ou que não haja prova da ingestão, o fato de a empregada ter postado foto em sua rede social que sugere o consumo de bebida alcoólica durante o expediente laboral caracteriza ato de indisciplina, motivo suficiente para a aplicação da pena de despedida por justa causa”.

O relator do caso, desembargador Marcelo Garcia Nunes, também enfatizou que “a foto publicada continha a logomarca da ré, de sorte que poderia resultar danos à imagem da empresa, o que está a aumentar a gravidade da falta”.

Ele destacou que a punição aplicada respeitou o princípio da imediatidade, uma vez que “a dispensa foi comunicada em 14/3/2023, um dia após a postagem da foto”.

O colegiado ressaltou, ainda, que a trabalhadora já havia recebido punições anteriores relacionadas a desvios de conduta, indicando que “os motivos que ensejaram algumas dessas penalidades se referem a desvio de conduta da empregada com relação ao código de ética da empresa e outras referentes a falta de postura da empregada, repreensões que indicam alguma similitude com o caso em tela, donde se extrai a gradação de penalidades”.

Dessa forma, o tribunal manteve a decisão da 1ª instância “pelos mesmos fundamentos lá expostos, bem como pelo acréscimo acima consignado”.

Processo: 0011366-24.2023.5.15.0087
Leia a decisão:chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.migalhas.com.br/arquivos/2025/2/9ECD64625DA5E9_Mantidajustacausaamulhercomuni.pdf

MIGALHAS

https://www.migalhas.com.br/quentes/424421/mulher-tera-justa-causa-por-postar-foto-de-bebida-usando-uniforme

Estabilidade gestante – Direito ao trabalho ou direito à indenização substitutiva

Comentários ao anteprojeto do Código de Processo do Trabalho – Do agravo de execução (arts. 945 a 949)

Luiz Papini Neto
O anteprojeto do CPT inova ao substituir o agravo de petição pelo agravo de execução, trazendo mudanças processuais que garantem celeridade e segurança jurídica.

QUADRO COMPARATIVO

Anteprojeto do CPT

(arts. 945 e 949)

Norma Jurídica Vigente Sobre o Tema: CLT

 (art. 897)

Art. 945. Cabe agravo de execução das decisões proferidas na execução.

§ 1º Cumpre ao agravante delimitar justificadamente as matérias e os valores impugnados, sob pena de inadmissibilidade do agravo.

§ 2º Dispensa-se a exigência contida no § 1º se a delimitação houver sido realizada nos embargos à execução.

§ 3º Sem prejuízo do atendimento aos demais pressupostos, o agravo de execução só será admitido quando:

I – estiver totalmente garantida a execução, na forma deste Código;

II – o executado delimitar, justificadamente, as matérias e valores impugnados.

Art. 946. O agravado será intimado para oferecer contraminuta no prazo de oito dias.

Art. 947. Em relação às matérias:

a) impugnadas, a execução será provisória, caso em que serão remetidas ao tribunal, em autos apartados, as peças necessárias ao reexame das matérias;

b) não impugnadas, a execução será definitiva, podendo ser processada desde logo em autos apartados.

Art. 948. Quando o agravo de execução versar apenas sobre contribuições sociais, o juiz determinará a extração de cópias das peças necessárias, que serão autuadas em separado e remetidas à instância superior para apreciação, após contraminuta.

Art. 949. Na fase de execução será admissível mandado de segurança contra decisão manifestamente violadora do direito líquido e certo do impetrante, que necessita de imediata tutela e para a qual seja ineficaz o agravo de execução ou qualquer outro recurso.

Art. 897 – Cabe agravo, no prazo de 8 (oito) dias:

a) de petição, das decisões do Juiz ou Presidente, nas execuções;

b) [omissis].

§ 1º – O agravo de petição só será recebido quando o agravante delimitar, justificadamente, as matérias e os valores impugnados, permitida a execução imediata da parte remanescente até o final, nos próprios autos ou por carta de sentença.

§ 2º – [omissis].

§ 3º – Na hipótese da alínea a deste artigo, o agravo será julgado pelo próprio tribunal, presidido pela autoridade recorrida, salvo se se tratar de decisão de Juiz do Trabalho de 1ª Instância ou de Juiz de Direito, quando o julgamento competirá a uma das Turmas do Tribunal Regional a que estiver subordinado o prolator da sentença, observado o disposto no art. 679, a quem este remeterá as peças necessárias para o exame da matéria controvertida, em autos apartados, ou nos próprios autos, se tiver sido determinada a extração de carta de sentença.

§ 4º – [omissis].

§ 5º – Sob pena de não conhecimento, as partes promoverão a formação do instrumento do agravo de modo a possibilitar, caso provido, o imediato julgamento do recurso denegado, instruindo a petição de interposição:

I – [omissis].

II – facultativamente, com outras peças que o agravante reputar úteis ao deslinde da matéria de mérito controvertida

§ 6° – O agravado será intimado para oferecer resposta ao agravo e ao recurso principal, instruindo-a com as peças que considerar necessárias ao julgamento de ambos os recursos.

§ 7º – [omissis].

§ 8º Quando o agravo de petição versar apenas sobre as contribuições sociais, o juiz da execução determinará a extração de cópias das peças necessárias, que serão autuadas em apartado, conforme dispõe o § 3º, parte final, e remetidas à instância superior para apreciação, após contraminuta.

Comentários: O texto do Anteprojeto do CPT – Código de Processo do Trabalho substitui o atual agravo de petição, ora previsto na CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, pelo agravo de execução, com mudanças.

O recurso de agravo de execução, assim como o agravo de petição, tem como principal objetivo impugnar decisões proferidas em primeira instância, na fase de execução. O prazo para interposição continua sendo de oito dias, conforme art. 915 do Anteprojeto.

Em termos de admissibilidade, tal qual a CLT, para sua interposição é necessário que a execução esteja totalmente garantida e que haja delimitação das matérias e valores, sob pena de inadmissibilidade. Entretanto, houve inovação no CPT ao dispor no parágrafo primeiro do art. 945 que a delimitação de valores é dispensável caso tenha sido realizada na interposição dos embargos à execução.

Vê-se os autores do Anteprojeto concordam com parte da jurisprudência atual, segundo a qual o juízo precisa estar garantido para oposição do agravo de petição – posteriormente agravo de execução.

No entanto, há situações que podem gerar preclusão quando a execução não esteja garantida e que, a nosso ver, permite o ajuizamento da medida, sem garantia do juízo.

Neste sentido, está a tese jurídica firmada na Arguição de Divergência 0024121-35.2022.5.24.0000, do TRT da 24ª Região:

“1. A decisão de liquidação que enfrenta as questões envolvidas na elaboração da conta (CLT, 879, § 2º) desafia impugnação por recurso de agravo de petição (Súmulas TST 266 e 399, II). 2. Não interposto o recurso de agravo de petição, a decisão ficará acobertada pela coisa julgada material e somente poderá ser desconstituída por ação rescisória (CPC, 966, caput; Súmula TST 399, II). 3. Deliberar sobre a decisão resolutiva da impugnação aos cálculos de liquidação em embargos do executado viola a coisa julgada material (CF, 5º, XXXVI) e afronta a Súmula TST 399, II.”

O CPT também manteve, em seu art. 946, o prazo de oito dias para a parte agravada apresentar sua contraminuta.

Em relação às contribuições previdenciárias, o Anteprojeto manteve os dispositivos da CLT, uma vez que, de acordo com o art. 948, o agravo de execução sobre referida matéria será autuado de forma apartada, com extração das cópias necessárias, para apreciação da instância superior, após o término do prazo de contraminuta.

Uma das inovações trazidas pelo CPT, se dá quanto à formação do agravo de execução. Veja-se que para o agravo de petição é obrigatório anexar “peças necessárias para o exame da matéria controvertida, em autos apartados, ou nos próprios autos, se tiver sido determinada a extração de carta de sentença”, ou seja, a parte agravante deve disponibilizar os meios necessários e principais peças e decisões processuais a fim de que o agravo esteja devidamente apto para julgamento, sob pena de não conhecimento.

Já no Anteprojeto, é desnecessária a formação pela parte, uma vez que o próprio art. 947, alínea “a”, do CPT, não prevê obrigatoriedade da juntada das peças pela parte agravante, posto que, dado o processo eletrônico já implantado no país, é permitida a remessa integral dos autos para julgamento.

Outra inovação prevista no CPT é tornar evidente que, parte da execução, depois de delimitadas matérias e valores, torna-se definitiva. Enquanto na CLT a terminologia usada é “execução da parte remanescente”, o que pode suscitar dúvidas, inclusive por conta da execução de ofício de contribuições previdenciárias.

Deste modo, segundo o art. 947 do CPT, as matérias impugnadas no agravo de execução serão remetidas ao Tribunal e tramitarão em autos apartados. Já as matérias não impugnadas serão consideradas como execução definitiva, observado o art. 806 do Anteprojeto.

Assim o legislador trouxe a segurança jurídica necessária para forma de prosseguimento tanto das matérias e valores impugnados quanto das matérias e valores não impugnados, tratando as duas de forma apartada.

A forma prevista no CPT, inclusive, traz a celeridade para cumprimento da execução, tendo em vista que prosseguem para o Tribunal somente as matérias impugnadas, podendo serem executados os valores não impugnados.

Por fim, a principal inovação do Anteprojeto, a nosso ver, é o reconhecimento da possibilidade da interposição de mandado de segurança contra decisão manifestamente violadora do direito líquido e certo do impetrante, o que era não era previsto pela CLT.

Luiz Papini Neto
Advogado da área trabalhista do escritório Pereira Advogados.

MIGALHAS

 https://www.migalhas.com.br/depeso/424423/comentarios-ao-anteprojeto-do-cpt–do-agravo-de-execucao