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Mercado festeja corte de R$15 bi que pode sacrificar os mais pobres

Mercado festeja corte de R$15 bi que pode sacrificar os mais pobres

Para Flauzino Antunes Neto, da CTB, cortes são resultado da pressão para o cumprimento do superávit primário visando o pagamento de juros

por Iram Alfaia

O corte de gastos públicos de R$ 15 bilhões no orçamento anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi recebido com entusiasmo pelo mercado, que já defende mais ajustes.

Ou seja, pouco interessa a esse segmento que o equilíbrio das contas públicas seja feito sacrificando a população mais pobre desse país, principal beneficiada pelo programas sociais e investimentos públicos.

Embora a decisão da equipe econômica seja atingir a meta fiscal, ainda é dúvida de que essa medida contribua para que o Banco Central (BC), comando pelo bolsonarista Campos Neto, corte taxa de juros

Mesmo com esse aceno do governo, alguns economistas acreditam que, até o final do ano, a Taxa Selic não ficará abaixo dos 10,5%.

Aliás, mantida a taxa nesse patamar, o Brasil segue sendo um paraíso para o mercado financeiro. Por exemplo, os últimos 12 meses, a dívida pública cresceu 13%, chegando a R$ 8,522 trilhões em junho.

Somente em 2023, os gastos com o pagamento de juros da dívida pública chegaram a R$ 816,2 bilhões em juros aos credores.

Portanto, tem lógica a enorme pressão que o mercado e a mídia fizeram no governo para que os cortes fossem feitos, apesar de não ser esse o problema central.

Vejamos: não existe um governo problemático nas contas públicas, pois os indicadores econômicos estão cada vez melhores com taxa de desemprego caindo, inflação controlada e grande crescimento.

Nossas reservas internacionais são de US$ 355 bilhões e se aguarda superávit de US$ 100 bilhões, um dos cinco maiores do mundo. Não à toa o país é a oitava economia do planeta.

O presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil do Distrito Federal (CTB-DF), Flauzino Antunes Neto, considera os cortes como resultado da pressão para o cumprimento do superávit primário visando o pagamento de juros ao setor financeiro.

“Eles especulam com os títulos do governo federal e querem a garantia dos juros. Isso está no bojo do arcabouço fiscal que foi implementado. O mercado pressiona para que o governo não faça suas atividades fins, fazendo com que o dinheiro da população seja aplicado em investimento, obras públicas e políticas sociais”, criticou.

VERMELHO

https://vermelho.org.br/2024/07/19/mercado-festeja-corte-de-r-15-bilhoes-que-pode-sacrificar-os-mais-pobres/

Mercado festeja corte de R$15 bi que pode sacrificar os mais pobres

Leia a íntegra da carta de desistência de Joe Biden, traduzida

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, divulgou uma carta via redes sociais ao anunciar sua desistência nas eleições deste ano. Leia abaixo o texto traduzido, na íntegra:

“Meu companheiros americanos,

Nos últimos três anos e meio, fizemos grande progresso enquanto nação.

Hoje, os Estados Unidos [América, no original] têm a economia mais forte do mundo. Fizemos investimentos históricos na reconstrução da nossa nação, em baixar os custos de remédios para idosos e na expansão de assistência médica acessível para um número recorde de americanos. Nós fornecemos assistência criticamente necessária para milhões de veteranos que haviam sido expostos e substâncias tóxicas. Aprovamos a primeira lei de segurança para armas em 30 anos. Nomeamos a primeira mulher afro-americana para a Suprema Corte. E aprovamos a legislação climática mais significativa na história mundial. América nunca esteve mais bem posicionada para liderar do que estamos hoje.

Sei que nada disso poderia ter sido feito sem você, o povo americano. Juntos, nós superamos uma pandemia das que só acontecem uma vez por século e a pior crise econômica desde a Grande Depressão. Nós protegemos e preservamos a nossa democracia. E revitalizamos e fortalecemos as nossas alianças ao redor do mundo.

Foi a maior honra da minha vida servir como seu presidente. E, embora minha intenção tenha sido buscar a reeleição, eu acredito que é do melhor interesse meu partido e do meu país que eu saia e foque apenas em cumprir minhas obrigações como presidente pelo resto do meu mandato.

Vou falar à nação depois, nesta semana, em maior detalhe, sobre minha decisão.

Por agora, me permitam expressar a minha gratidão mais profunda a todos os que trabalharam tão duramente para me ver reeleito. Quero agradecer à vice-presidente Kamala Harris por ser uma parceira extraordinária em todo esse trabalho. E me permitam expressar meu sincero apreço por todo o povo americano pela fé e confiança que vocês colocaram em mim.

Eu acredito hoje no que sempre acreditei: que não há nada que a América não possa fazer – quando o fazemos juntos. Só temos que lembrar que somos os Estados Unidos da América”

AUTORIA

Carlos Lins

CARLOS LINS Editor. Passou por Poder360, SBT e Fato Online. Formado em Comunicação Social e em Teoria, Crítica e História da Arte pela UnB.

CONGRESSO EM FOCO
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Joe Biden desiste de eleição nos EUA e apoia Kamala Harris

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, decidiu que não vai disputar a eleição pela Casa Branca neste ano. O anúncio foi feito neste domingo (21) no perfil de Biden no X (ex-Twitter). Na mensagem, ele declara apoio para que a sua vice, Kamala Harris, assuma a disputa contra o republicano Donald Trump.


A desistência vem após semanas de pressão no Partido Democrata, ao qual Biden é filiado. Aliados vinham questionando a capacidade do presidente de disputar a eleição por conta de sua idade, 81 anos. A mídia norte-americana vinha dando destaque à possibilidade dele deixar a corrida eleitoral desde 27 de junho, quando o presidente teve um desempenho ruim em seu primeiro debate eleitoral contra Trump.

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BC: muito além da Selic

Ao longo das últimas décadas, a atuação do BC (Banco Central) tem permanecido bastante tempo sob o holofote da imensa maioria da sociedade. Até mesmo a grande imprensa especializada em assuntos econômicos e financeiros não tem como escapar da realidade escandalosa de nosso patamar de taxa de juros oficial. Por mais que os grandes meios de comunicação mantenham relações bastante incestuosas com o universo do financismo, é impossível não tratar da irracionalidade dos níveis de nossa Selic e mesmo da taxa real de juros, aquela que se obtém por meio da subtração da inflação da taxa nominal.

Paulo Kliass*

O fato inegável é que o Brasil tem se mantido ao longo dos anos como verdadeiro paraíso para o povo das finanças globais. O processo intenso de financeirização e de bancarização de nossa sociedade tem operado como alicerce para o incremento da espoliação que o sistema financeiro promove sobre o conjunto dos demais ramos da economia e das classes sociais.

A existência de fenômeno impressionante de concentração e de oligopolização dos conglomerados que atuam na área deveria provocar também olhar e intervenção mais arguta das instituições estatais encarregadas de tais funções.

É importante lembrar que as funções do BC em nossa sociedade e na economia vão muito além do que a responsabilidade legal pela definição da Selic. O Copom (Comitê de Política Monetária) é composto exatamente pelos 9 membros que integram a diretoria do banco.

Assim, eles se reúnem a cada 45 dias para discutir a conjuntura econômica brasileira e internacional com o intuito de estabelecer os níveis da taxa referencial de juros. No entanto, o BC é o órgão regulador e fiscalizador do sistema bancário e financeiro como um todo, além de ser responsável pela condução da política cambial e dos diferentes regimes e sistemas de crédito existente no País.

Exploração do financismo
Na condição de organismo similar à agência reguladora, o banco deveria atuar para evitar distorções no mercado bancário e de crédito, tendo em vista a enorme concentração de poder em mãos de pouquíssimas empresas no setor.

Os mastodontes privados que operam no financismo em nossas terras podem ser contados nos dedos das mãos. A esses se somam os bancos públicos federais, que deveriam se comportar como instituições de crédito governamentais e não se orientarem pela lógica dos concorrentes privados.

O BC não disponibiliza informações mais detalhadas em seu “Relatório da Economia Bancária”. No entanto, na edição relativa ao ano de 2023, o que se pode observar é tremenda concentração nos 4 maiores grupos de bancos. Assim, a porção comandada pelo conjunto de BB (Banco do Brasil), CEF (Caixa Econômica Federal), Bradesco e Itaú representam sempre índices entre 55% e 60% para variáveis relevantes, como total de depósitos totais, ativos totais e volume das operações de crédito.

Caso fossem incluídos outros grandes grupos no cálculo, os níveis de concentração ficariam ainda mais evidenciados. No que se refere a lucros anuais, por exemplo, a participação dos 5 maiores grupos no total dos ganhos do sistema foi de 74%.

Ora, sob tais condições, a missão de órgão regulador e fiscalizador é assegurar condições mínimas de concorrência e de ética no funcionamento dos chamados “agentes econômicos” para evitar super exploração dos mesmos sobre a parte mais fraca da relação.

Esse é o caso típico de ocorrência de abuso do poder econômico dos bancos sobre o conjunto dos clientes, sejam essas empresas, famílias ou indivíduos. Porém, historicamente, o BC sempre fez cara de paisagem sobre tal quadro de existência da mais completa assimetria de poder entre as partes envolvidas na relação econômica e financeira.

Spreads abusivos e lucros exorbitantes
Uma das evidências mais cristalinas de tal distorção pode ser identificada na prática dos chamados spreads. Trata-se da diferença observada entre as taxas de captação de recursos no público e as taxas de empréstimos praticadas pelos bancos. Nesse quesito, o Brasil também ocupa tristemente posição de destaque no campeonato mundial da modalidade.

E em nenhum momento ao longo de seus quase 60 anos de existência o BC esboçou qualquer iniciativa para controlar essa prática deletéria. O que mais impressiona é a capacidade de acomodação da sociedade brasileira a tais condições, como havia ocorrido com níveis elevados de inflação ou de financeirização.

A flagrante condição de anormalidade do sistema sobrevive e com o tempo essa se “naturaliza”, em prejuízo da absoluta maioria que se percebe como dependente dos grandes bancos.

Os gráficos abaixo exibem a média de spreads praticados pelo sistema. O campeão absoluto é o relativo ao cartão de crédito rotativo. Ali as taxas para o período 2022 a 2024 sempre estiverem próximas ou superiores a 400% ao ano. Uma loucura!

artigo kliass1

Em seguida, aparecem os spreads envolvendo as taxas do cheque especial. Aqui também os bancos cobram dos clientes algo entre 120% e 140% de juros ao ano.

artigo kliass2

Finalmente, os diferenciais observados nas operações de crédito pessoal apresentam taxas próximas a 40% ao ano.

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Ora, em todas estas modalidades, o BC jamais atuou para impedir tais práticas, que se caracterizam por super exploração econômica e financeira. Afinal, esta deveria ser a primeira medida a ser adotada por agência reguladora, cuja direção não esteja capturada pelos interesses dos conglomerados sobre as quais deveria vigiar e controlar. O mesmo raciocínio poderia ser realizado no que se refere à cobrança de tarifas abusivas por tais empresas.

Assim, o que se percebe é que a agenda da direção do BC deveria incorporar série de outros temas relevantes, que vão muito além do estabelecimento do patamar da Selic.

Espera-se que a nomeação do próximo presidente da instituição, a partir de dezembro e a composição da direção da mesma com maioria de membros nomeados pelo presidente Lula seja o início de mudança. Ou seja, o começo de gestão do BC que atenda efetivamente aos desejos e anseios da maioria da população e das empresas que atuam o setor real da economia.

(*) Doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.

DIAP

https://diap.org.br/index.php/noticias/artigos/91932-bc-muito-alem-da-selic

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Quem dominará a economia do conhecimento?

Os big brothers estão observando você. A mudança sistêmica que estamos atravessando é extremamente lucrativa para os gigantes da gestão de ativos, mas também para a indústria das comunicações que captura e vende os nossos dados privados e nos conduz pelo nariz. O acesso deles a todas as nossas telas e ao nosso comportamento on-line nos aproxima de 1984.

Ladislau Dowbor*

Estamos em meio à reorganização da nossa economia, na qual os proprietários de plataformas estão aparentemente desenvolvendo poder que pode ser ainda mais formidável do que o dos proprietários de fábricas no início da Revolução Industrial. — Julieta Schor, 20201

Imagine 1 mundo em que cada pessoa do planeta tenha livre acesso à soma de todo o conhecimento humano. — Jimmy Wales, Wikipédia, 7 de março de 2024

O conhecimento é imaterial e, como tal, obedece a regras diferentes, em comparação com bens e serviços materiais. A presença dominante do conhecimento na economia moderna muda as regras.

André Gorz resume: “Se não for uma metáfora, a expressão ‘economia do conhecimento’ significa perturbações importantes no sistema econômico. Indica que o conhecimento se tornou a principal força produtiva e que, consequentemente, os produtos da atividade social já não são principalmente produtos do trabalho cristalizado, mas sim do conhecimento cristalizado. Indica também que o valor de troca das mercadorias, sejam essas materiais ou não, já não é determinado, em última análise, pela quantidade de trabalho social geral que contém, mas, principalmente, pelo seu conteúdo de conhecimento geral, informação e inteligência. É este último, e não mais o trabalho social abstrato mensurável de acordo com um único padrão, que se torna a principal substância social comum a todas as mercadorias. É isto que se torna a principal fonte de valor e lucro e, portanto, segundo vários autores, a principal forma de trabalho e capital.”2

O que o mundo do dinheiro e o mundo do conhecimento têm hoje em comum é que ambos são, precisamente, imateriais, ou “intangíveis”, como encontramos em outros autores. Ou seja, ambos circulam na internet na velocidade da luz, na forma de sinais magnéticos, e no espaço planetário, alterando a antiga “territorialidade”, local de produção, fábrica ou fazenda, residência dos trabalhadores, espaços de socialização. O fenômeno se manifesta de forma ampla nas áreas que atualmente estão interligadas com comunicação e informação, como vemos nos gráficos abaixo:3

figura1 artigo ladslaw outras palavras

O gigantismo está ligado à característica técnica básica dos sinais magnéticos, que circulam no planeta quase que instantaneamente, e o domínio dos mais fortes rapidamente se torna planetário. O grau de oligopolização das atividades é evidente, e aqui se trata também dos sinais imateriais, magnéticos, da comunicação e da informação, em que os volumes, na era dos computadores modernos, já não são problema. A indústria da comunicação e da informação torna-se dominante, gerando a tão estudada batalha pela capacidade de atenção das pessoas, com o caos crescente de informação real, notícias falsas, marketing comportamental e sistemas de vigilância baseados na invasão de comunicações pessoais.

Ainda mais impressionante é a osmose gradual dos subsistemas da economia imaterial, dos sinais magnéticos, quer representem dinheiro, conhecimento, informação ou comunicação, todos tendo em comum, nesse eixo principal para o qual se orientam a economia e a apropriação de valor, o fato de banharem o planeta, chegarem a qualquer pessoa e serem controlados por número limitado de megacorporações. É interessante, nesse sentido, que a Amazon trabalhe com acesso a informações para terceiros, além da intermediação comercial, enquanto, por sua vez, a própria Amazon — mas também Google, Facebook, Apple, Microsoft — é parcialmente controlada pelos 3 maiores gigantes financeiros, BlackRock, Vanguard e State Street. Isso cria universo de controle multissetorial, com impacto planetário.

E não é secundário que também sejam predominantemente norte-americanos e estejam ligados à NSA e a outros sistemas de informação política, gerando a guerra contra a Huawei, Tiktok e outras corporações chinesas: os “mercados” se tornaram mais políticos, a política se tornou mais uma ferramenta para as corporações. Em outras palavras, ao rentismo que drena os recursos dos acionistas no topo da pirâmide financeira global, devemos acrescentar o controle algorítmico das pessoas e a submissão do universo produtivo à lógica do acionista vinculada à maximização de dividendos, e cada vez menos da parte interessada. O rentismo se torna um modo de produção. Esse não substitui as empresas tradicionais, sejam elas industriais, agrícolas ou de vários tipos de serviços, ou mesmo corporações privadas de saúde, ou universidades, mas as submete à sua lógica. Não se trata apenas de dreno de recursos e da formação de poderosa elite rentista global: esse muda profundamente a forma como nos organizamos como sociedade.

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O Facebook ganha 98,1% do seu dinheiro por meio de publicidade. Pode nos parecer gratuito, mas as empresas pagam a Zuckerberg e esse dinheiro é incorporado nos custos de tudo o que produzem. E pagamos tudo na compra dos produtos dos serviços. Em 2022, a Alphabet teve lucro líquido de 21,1%; a Meta, 19,9%; a Apple, 25,3%, e a Microsoft, 34,1%.4 Esses lucros estão embutidos nos preços que pagamos. Novo relatório que examina as causas da inflação demonstra que a ganância corporativa e o aumento dos salários dos CEO levaram a custos superiores ao necessário para os consumidores americanos nos últimos meses.

O relatório, da organização progressista Groundwork Collaborative, constatou que, somente nos 2 últimos trimestres econômicos, 53 centavos de cada dólar de aumento de preços inflacionários foram devidos a lucros corporativos.”5 Na comunicação e em atividades semelhantes que envolvem intercâmbio, você precisa usar o veículo que os outros usam, ou ficará isolado. Isso se torna “monopólio de demanda”, e eles cobram o que querem. A propriedade privada, na ausência de regulamentação ou concorrência, leva a sistema em que esses o conduzem pelo nariz.

Há enorme contradição entre o fato de que o conhecimento em sua forma digital pode ser transformado em universo mundial de acesso aberto, enriquecendo a todos, e a guerra das principais corporações Gafam para chamar sua atenção e manipular seu comportamento. Isso resulta na deformação de nossas prioridades, conforme os interesses corporativos. Um exemplo é a explosão do câncer: “A previsão é de mais de 35 milhões de novos casos de câncer em 2050, um aumento de 77% em relação aos 20 milhões de casos estimados em 2022. O rápido crescimento da carga global de câncer reflete o envelhecimento e o crescimento da população, bem como as mudanças na exposição das pessoas a fatores de risco, vários dos quais estão associados ao desenvolvimento socioeconômico. O tabaco, álcool e obesidade são os principais fatores por trás do aumento da incidência de câncer, sendo que a poluição do ar ainda é um dos principais fatores de risco ambiental.”6 Bem, tabaco, álcool e obesidade estão prosperando, com marketing poderoso, mensagens individualizadas e muito sofrimento.

O controle da comunicação também está nas mãos dos principais fundos de gestão de ativos. “O setor é dominado por apenas 3 gigantes gestores de ativos americanos — BlackRock, Vanguard e State Street, as ‘Três Grandes’ — sendo a BlackRock o claro líder global. Em 2017, as Três Grandes juntas tornaram-se as maiores acionistas de quase 90% das empresas do S&P 500, incluindo Apple, Microsoft, ExxonMobil, General Electric e Coca-Cola. A BlackRock também possui grandes participações em quase todos os megabancos e grandes meios de comunicação.”7 Esses também são os principais acionistas das corporações Gafam. Para que conste, Larry Fink, da BlackRock, administra 10 trilhões de dólares, enquanto o orçamento de Biden é de 6 trilhões de dólares.

Estamos, portanto, diante de acesso permanente à nossa atenção consciente (a indústria da atenção), em oligopólio de escala mundial, com marketing comportamental adaptado às nossas características individuais, atingindo bilhões, centrado na maximização dos retornos financeiros (independentemente do impacto sobre nossa qualidade de vida ou sobre os desastres ambientais) e canalizando enormes retornos para o 1% mais rico, com amortecedor político de classe média alta nos 10% mais ricos.

Comunicação, informações privadas, marketing e finanças se misturaram ao controle social, cultural e político geral. E isso ocorre em escala global, enquanto as tentativas de regular o sistema são fragmentadas em muitos países. Não temos nenhuma regulamentação significativa em escala global, mesmo que a UE tenha conseguido criar algumas regras.

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A figura acima mostra a escala da deformação sistêmica que estamos enfrentando. O 1% mais rico detém mais da metade das ações e dos fundos mútuos, o que significa que esses concentram os fluxos de excedentes financeiros drenados de toda a economia. Os 9% seguintes, reserva política de “investidores” de classe média alta, também lucram e tornam o sistema politicamente mais forte. Os 90% inferiores não “investem”, dificilmente chegam ao fim do mês e se endividam com mais frequência, contribuindo para o sistema por meio das taxas de juros.

Os dados detalhados do WID (World Inequality Database), a análise de concentração de riqueza dos relatórios do UBS, os estudos de impacto geral da Oxfam, bem como os estudos de países específicos, em particular o endividamento no Sul Global, mostram como estamos longe do que chamamos de acumulação de capital produtivo. Isso não é capitalismo, é rentismo improdutivo. Não é a Indústria 4.0, como tantas vezes mencionado, mas o resultado da revolução digital. O fato de chamá-lo de “indústria” permite que ele tome emprestada alguma legitimidade de época em que a produção de bens e serviços úteis era a espinha dorsal do capitalismo. Mas é dreno improdutivo, que nos empurra para catástrofe social e ambiental. E só podemos acenar com a cabeça para certo número de mensagens personalizadas que recebemos, quer as solicitemos ou não.

Tudo isso é absurdo, considerando, como comenta Jimmy Wales, da Wikipedia, que essas tecnologias poderiam nos permitir ter acesso inteligente ao que efetivamente queremos. Quanto aos gigantes financeiros, bem, o dinheiro é nosso, mas está fora de nossas mãos, e muitas comunidades estão recuperando o controle.

(*) Economista e professor titular de pós-graduação da PUC-SP. Foi consultor de diversas agências das Nações Unidas, governos e municípios, além de várias organizações do “Sistema S”. Autor e coautor de cerca de 45 livros, toda sua produção intelectual está disponível online no website www.dowbor.org
______________________

1 Juliet Schor, After the Gig: how the sharing economy got hijacked, and how to win it back, University of California Press, 2020, p. 151, citando Martin Kenney e John Zysman.

2 André Gorz, L’immatériel, 2003.

3 TNI, Transnational Institute, Big Tech: the rise of Gafamt, 2023.

4 Pallavi Rao, Visualizando como as grandes empresas de tecnologia ganham bilhões, Visual Capitalist, 18 de dezembro de 2023.

5 Chris Walker, Greedflation, Truthout, 22 de janeiro de 2024.

6 OMS, Global Cancer Burden Growing, Comunicado de imprensa, 1º de fevereiro de 2024.

7 Ellen Brown, Meet BlackRock, 21 de junho de 2020.

DIAP

https://diap.org.br/index.php/noticias/artigos/91930-quem-dominara-a-economia-do-conhecimento

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Horkheimer: discursos sobre a classe trabalhadora

As notas de Max Horkheimer, do começo do século XX, sobre a classe trabalhadora, são ainda hoje repletas de consequências para os trabalhadores em suas lutas políticas.

José Manuel de Sacadura Rocha

Fonte: A Terra é Redonda
Data original da publicação: 12/07/2024

1.

Falamos aqui sobre a observância às condições da classe trabalhadora e os discursos que fazemos a ela. Entre 1926 e 1931 Max Horkheimer escreveu uma série de aforismas que foram coletados e editados agora no Brasil com o nome de Crepúsculo: Notas alemãs (1926-1931).[i]. Entre esses aforismos, consta à página 109 o aforismo “A importância da classe trabalhadora alemã”, que, destarte ter sido escrito noventa anos atrás, mantém absoluto vigor e atualidade, algo que só se explica pelo método do materialismo histórico que foi capaz de dar conta da situação da classe trabalhadora outrora, como de absoluta pertinência e importância para a luta de classes tanto teórica como prática nos dias atuais.

Tentaremos demonstrar essa pertinência e importância ímpares das ideias de Max Horkheimer contidas nestas notas para os contextos que envolvem modernamente os trabalhadores assalariados diante do dinamismo bastante distópico da sua existência no regime do capital. Nos move, principalmente, a dissociação das diferentes frações da classe trabalhadora – empregados, exército de reserva, lumpemproletariado – e como a partir delas se vê o movimento capitalista primar pela dispensação da força de trabalho, a partir da radical transformação da “composição orgânica do trabalho”, com consequências severas não só para a situação da classe trabalhadora como para o desfecho desesperado da superação do capitalismo.

Tal dinamismo nas sociedades mercadológicas instiga a uma leitura mais afinada e crítica dos discursos necessários da vanguarda progressista para dar conta da nova realidade do trabalho, automatismo e flexibilidade, e das aproximações devidamente circunstanciadas de comunicação da teoria marxiana no cotidiano dos trabalhadores e trabalhadoras do capitalismo de hoje.

Pensamos que, ainda que possa ser verdade algo de perda das categorias revolucionárias do marxismo nos discursos da esquerda, deve-se atentar para o fato que no mundo real as lutas de classes, para a massa de trabalhadores, mais ou menos organizados, se dão no meio de aparatos de dominação da classe hegemônica; mais precisamente, deve-se atentar para a adequação dessas categorias,[ii] por mais preciosas e fundamentais que sejam, à situação condicionante do capitalismo quanto à situação da classe trabalhadora e as frações assalariadas no espaço global da produção e circulação de mercadorias (forma mercadoria contemporânea).

Tratamos a classe trabalhadora como aquela que tem condições de produzir capital, como, portanto, a que a partir de seu trabalho produtivo, direta ou indiretamente, transforma materiais e dinheiro em capital. A classe trabalhadora é parte dos ativos reais enquanto força de trabalho que no processo de trabalho econômico realiza a um tempo o objetivo elementar da sobrevivência social enquanto produz riqueza ao capitalista pelo sobretrabalho ou mais-valor não pago.

A classe trabalhadora, neste sentido, não é apenas aquela que se opõe ao capital por interesses próprios, mas a que nesse processo luta pela emancipação de toda a humanidade em relação ao capitalismo e ao trabalho em si mesmo. O fundamento destas teses é o processo do trabalho tal como se desenvolve no capitalismo, não para o substituir por outro tipo de relação social para o trabalho, mas para a superação dele. Inicialmente, deve-se pensar que o trabalho para subsistência está circunscrito modernamente à dispensa dos trabalhadores, ampliando o tempo de trabalho social disponível, na base das inversões sempre constantes em capital fixo, máquinas e equipamentos.

Este foi o movimento que Max Horkheimer capturou no início do século XX, com fortes repercussões na consciência das frações da classe trabalhadora em suas lutas políticas. Neste caso, claramente, se exige a interpretação adequada das teorias da dialética materialista histórica, suas categorias elementares e abstratas, quanto mais são necessários o apoio e a orientação organizativa dos trabalhadores na atualidade.

2.

Max Horkheimer começa afirmando que na dinâmica do capitalismo o número de trabalhadores empregados diminui “proporcionalmente ao uso das máquinas”, em decorrência, a percentagem de empregados é cada vez menor. Isto modifica “as relações entre si” das camadas da classe proletária, bem como com os patrões. Mesmo o “emprego momentâneo”, como o “emprego permanente”, se tornam uma exceção; com isso “mais claramente se diferenciam a vida e a consciência” dos trabalhadores empregados daqueles que estão desempregados: “Com isso, a solidariedade de interesses dos proletários experimenta cada vez mais perdas”.

Max Horkheimer deixa claro que a classe trabalhadora é, na verdade, muitas classes trabalhadoras, ou que ela está separada em frações com situações bastante diferenciadas de venda da força de trabalho para o capitalista, o que resulta em um espectro amplo de consciência e de interesses em se opor aos patrões e à gerência dos capitais.

No início da industrialização era possível distinguir entre os que estavam empregados e o “exército de reserva”, e “em regra havia uma transição constante entre empregados e desempregados” (uma forma do capital regular os preços da mão de obra (salários) e manter os trabalhadores submissos pelo medo do desemprego). Se por um lado não se questionava a capacidade de trabalho dos trabalhadores, também estes não se distanciavam, pelo menos quanto aos aspectos relevantes de seus destinos como classe: “não apenas seu interesse na superação da dominação do capital era essencialmente o mesmo, mas também o era o engajamento nessa luta”.

No começo do século XX os empregados e o “exército de reserva” passam a constituir camadas do proletariado em condições bastante diversas: com o incremento das máquinas, cresce o “exército de reserva” que por sua vez também estava cindido entre aqueles que efetivamente podiam estar em condições de reaproveitamento da força de trabalho e os que não estavam aptos a trabalhar, seja pela desqualificação, seja pela situação de extrema penúria e exclusão social, o “lumpemproletariado” (MARX, 2011).[iii] Max Horkheimer considera o “lumpemproletariado” como “uma camada relativamente insignificante, na qual se recrutam os criminosos”, que agravou a cisão entre empregados e as demais frações da classe trabalhadora, principalmente porque o medo passa de estar desempregado temporariamente enquanto “exército de reserva”, para o medo de se tornar parte do “lumpemproletariado”.

Quando isto foi escrito ainda era possível, portanto, distinguir “exército de reserva” de “lumpemproletariado”, mas era clara a diminuição de trabalhadores empregados e o aumento dos trabalhadores já sem condições efetivas de voltarem a ocupar lugar entre os empregados devido ao alto incremento do capital fixo, que Marx chamou de trabalho morto, em detrimento do capital variável, que Marx chamou de trabalho vivo. Horkheimer diz que neste momento, a “classe experimenta em sua própria existência o lado negativo da ordem vigente, a miséria”.

Nestas condições a massa de operários e demais assalariados empregados “cujos salários e cujos anos de adesão a sindicatos e associações possibilitam certa segurança”, enfrentam o medo diante do “perigo de perdas enormes”, e passam a se constituírem como os empregados em oposição aos desempregados, estes que têm menos a perder, ou “àqueles que ainda hoje não têm nada a perder senão seus grilhões”.

Então, entre os que trabalham e os “que trabalham excepcionalmente ou nem isso”, isto é, os subempregados e desempregados de nosso tempo, existe uma distância tão grande quanto o “exército de reserva” e o “lumpemproletariado” do início da industrialização; isto significa, pois, que Horkheimer visualizava que não apenas os trabalhadores estão sempre destinados ao desemprego, como este desemprego se transforma mais e mais em “lumpemproletariado”, na medida em que os desempregados e subempregados dificilmente voltam a ocupar seus postos de trabalho em suas especialidades, mas logo se misturam aos ex-trabalhadores em condições de extrema miséria, ou seja, fora os que estiverem ainda em seus empregos, todas as outras camadas da classe trabalhadora estão fora do mundo do trabalho, subempregados, precarizados ou nos “trabalhos de merda” (GRAEBER, 2022).[iv]

Para a contemporaneidade existe como que uma “fusão” de diversas camadas de trabalhadores assalariados,[v] que devido à sua precariedade de trabalho ou à gradativa miserabilidade e desespero de sua existência, separam-se na consciência e no engajamento de lutas às frações de classe empregadas; Max Horkheimer falaria, então, que “trabalho e miséria se distanciam e são repartidos a portadores distintos”. Ainda que a exploração e a miséria dos trabalhadores continuem a ser a base do capitalismo, o tipo de trabalhador em atividade, diz o autor, “já não designa aquele que necessita com mais urgência de uma transformação”; por sua vez, o que unifica as camadas mais baixas do proletariado, dos desempregados, subempregados e precarizados é “o mal e o desassossego do próprio existente”.

Portanto, os que agora têm interesse na revolução são as frações mais desamparadas e desesperadas da classe trabalhadora, precisamente aquelas que têm menos preparo e capacidade de formação e organização, consciência de classe e credibilidade, longe daqueles que por estarem ainda empregados estão integrados ao funcionamento do capitalismo. Esse espectro apresenta-se cada vez mais bipolar e dividido: ele vai da extrema penúria que constitui as massas de ex-assalariados ou que nunca foram integrados ao trabalho, até os que estando integrados e cooptados não se arriscam em engrossar as massas disformes e desorganizadas daquele grupo de desempregados, precarizados e pauperizados.

Os mais jovens sempre se constituíram como uma camada da sociedade em que se depositava muitas esperanças que fossem os intelectuais orgânicos; contudo, Max Horkheimer afirma que lhes falta, “mesmo com toda a fé, a compreensão da teoria”.

3.

Sendo assim, estamos diante de realidades em que o interesse pelo socialismo e as características humanas oscilam de forma tal que não há como interferir seguramente na consciência do operariado e das demais camadas subalternas de trabalhadores, o que condiciona, sobremaneira, as atividades revolucionárias da vanguarda e, fundamentalmente, os discursos e aproximações quanto aos processos de comunicação no campo da esquerda.

Se não compreendemos isso, e se não sobrepesamos nossas deficiências de linguagem e narrativas teóricas ao socialismo, tendo em conta que o processo capitalista trás essa separação entre o conjunto de trabalhadores excluídos e marginalizados e os que estão ainda integrados à produção capitalista, serão pouco eficientes ou até vazios e desestimulantes nossos esforços teóricos e práticos, sejam quais forem as qualidades do discurso e da teoria na prática.

Na época do escrito destas notas, na Alemanha de Weimar do início do século XX, as divisões entre os trabalhadores, mormente, entre os “integrados” e os “desempregados/desassistidos”, fizeram com que, a partir de sua consciência teórica e interesses imediatos, se espalhassem entre os partidos trabalhistas (Partido Social-democrata da Alemanha (SPD)), “e, além disso, por meio da flutuação de grandes camadas de desempregados entre o Partido Comunista e o Partido Nacional-socialista”.

É relevante que o filósofo e sociólogo alemão chame a atenção para esta “flutuação” dos desempregados e possivelmente para as camadas mais baixas dos trabalhadores, que se incluem naquilo que Hannah Arendt chamou de “ralé”,[vi] em direção ao nazismo, porquanto isto parece ser exatamente o que revela a penetração da extrema-direita atual entre essas mesmas populações, o que agrava ainda mais a práxis revolucionária em nossos dias, não tanto pela falta de elementos e categorias marxistas, mas porque esta realidade de insegurança, medo e pauperização leva a que as frações mais ameaçadas e desprotegidas da classe trabalhadora tenham interesse pelos movimentos de radicalização à direita e suas falsas promessas.

Max Horkheimer afirma que a repartição oriunda do processo econômico capitalista “condena os trabalhadores à impotência fática”, mas os trabalhadores precarizados, subempregados, desempregados – dadas as circunstâncias de medo e vulnerabilidade –, e camadas significativas dos empregados/ integrados, que se movem em direção à extrema direita (fascismo; nazismo), não nos permite afirmar que os trabalhadores são levados à “impotência” – este “detalhe” pode ser significativo quando definimos o público ao qual dirigimos a teoria e os discursos na prática: os trabalhadores escolhem, inclusive participar dos planos de existência da burguesia e da extrema direita.

Nosso autor é didático e bastante atual quando afirma: “Com o volume de material elaborado pela teoria, os princípios não assumem uma forma adequada à atualidade, mas são retidos de modo não dialético. A práxis política também não logra, então, aproveitar todas as possibilidades para o fortalecimento das posições políticas e se esgota de modos variados nos comandos vãos e na repreensão moral dos desobedientes e dos desleais”. Pode-se perguntar: é o caso, pois, de falta de categorias nas formas teóricas e discursivas?

Sobre o “reformismo” é preciso que se diga que ele também faz parte do processo econômico do capitalismo; quando pensamos pela dialética materialista, vemos que seu desenvolvimento tecnológico altera a composição do capital na produção e circulação em detrimento do emprego de força de trabalho, e assim, se “rebaixa” não apenas a empregabilidade da classe trabalhadora, mas igualmente os discursos e as práticas de suas lideranças na busca por garantias de trabalho e alguns direitos. Este tipo de “luta defensiva” é concretamente dado pela organicidade do mundo de trabalho: os discursos “fleumáticos”, as palavras de ordem “rebaixadas” à insignificância diante do fato da iminência do desemprego e da miséria, “atendem” à realidade desesperadora da classe trabalhadora contra a qual as vanguardas e as lideranças pouco ou nada podem fazer.

Aquilo que se chama de “reformismo real” na teoria revolucionária é, boa parte das vezes, alimentado pelo dinamismo do capitalismo contra os trabalhadores assalariados e nem sempre se deve à perda de conteúdo ou categorias, mas, como Max Horkheimer diz, “a aversão à pura repetição dos princípios pode ter, nos domínios espirituais mais afastados – a sociologia e a filosofia -, também ainda uma importância justificada pela situação: ela se volta contra o que há de vão ali”.

Quando a realidade fática muda tão radical e desesperadoramente para a classe trabalhadora, é necessário verificar a teoria, o discurso e a prática em um percurso de “volta zero”.[vii] Quer isto dizer que o movimento operário está condenado ao reformismo? Não! Apenas ele está circunscrito em uma realidade do momento de intenso crescimento de capital fixo na produção e demais atividades necessárias e conexas com a reprodução do capital. Entretanto, muitas vezes, por não se equacionar antecipadamente a dinâmica do capital, só resta ao “reformismo profissional” negociar em piores condições possíveis com o capital.

Na maioria das vezes, de boa ou de má fé, se entende mal a dialética materialista, sem se atentar para os fenômenos subjacentes e inevitáveis dos sistemas mercadológicos financeiros. E então, “muitos buscam com todos os meios, inclusive abrindo mão da simples fidelidade, manter-se em seus postos; o medo de perder sua posição se torna cada vez mais o único motivo que explica suas ações”.

O “reconhecimento dos fatos”, no entanto, para as massas de trabalhadores e trabalhadoras desempregados(as), subempregados(as), precarizados(as), e os mais abaixo, parece cair bem, e com isso acabam caindo na armadilha dos profetas, das filosofias que lhes parecem imparciais, e um bálsamo, quando apregoam o conformismo e “a fé vaga em um princípio transcendental ou religioso completamente indeterminado”.

Quando hoje os intelectuais falam das teorias que perderam “sua fé” na análise do concreto – denunciam o resultado pífio das alas progressistas que deixaram de lado os conteúdos e categorias que outrora fizeram tanto sentido e foram tão exitosas no movimento operário mundial, inviabilizando, assim, o enfrentamento dessas vãs filosofias –, falam exatamente o que Max Horkheimer denunciava como o pior reformismo: “No lugar da explicação causal, põe a procura de analogias; quando não rejeita totalmente os conceitos marxistas, formaliza-os e os acondiciona à academia”.

Max Horkheimer nos fala dessa “infeliz afeição pelo ‘concreto’”, no sentido em que é o fato da dispensação da mão de obra do trabalho, portanto, a ameaça permanente de perder-se o emprego que forja esse reformismo entre os intelectuais, o sindicalismo e os “esquematismos” das lideranças da classe trabalhadora. O problema não seria reivindicar emprego e melhores salários etc., mas ficar apenas nisso, quer dizer, “não algo que se organiza pela tomada consciente de posição na luta histórica, acima da qual eles (reformistas) acreditam antes pairar”.

Aqui, parece claro que, menos que levar em consideração o “concreto” das relações de trabalho e empregabilidade, deve-se atuar “pela tomada consciente de posição na luta histórica” dos trabalhadores. No entanto, o que seria essa “tomada consciente de posição na luta histórica” ao tempo em que a realidade fenomenal do capital está compelida à substituição da contratação da força de trabalho por investimento em tecnologia produtiva e serviços?

Sendo a práxis a falar em última instância da consciência nos modos de sobrevivência social, a forma pela qual os trabalhadores assalariados do capital necessitam de teoria para a prática de engajamento e enfrentamento do capital passa, gostemos ou não, por essa realidade, quer dizer, pelas práticas imanentes do desenvolvimento do capitalismo em que os trabalhadores estão inseridos. Tal fato não obriga o movimento operário e demais assalariados a se movimentarem levando em consideração tal realidade de intensificação de tecnociências na produção e nos serviços?

4.

Segundo Max Horkheimer, os intelectuais de esquerda se prendem “à literalidade do texto” e fazem a teoria materialista “um culto às pessoas”. E aqueles que estão integrados no processo de trabalho capitalista, conhecedores, portanto, do “mundo efetivo”, tornaram-se infiéis ao “marxismo”. Daí, sem a teoria do materialismo os fatos se tornam “signos cegos” ou “recaem no âmbito dos poderes ideológicos que dominam a vida espiritual”. Por parte dos intelectuais falta a prática e a analítica do “real” para preparar a revolução; e às camadas de trabalhadores empregados faltam os conhecimentos teóricos e mesmo o interesse para tal.

Sintomaticamente, nosso autor identifica, em seu tempo, as divergências da social-democracia com os comunistas: os da social-democracia, como consequência de aderirem incontinentes às circunstâncias e aos contextos, fazem reverência à objetividade ou pragmatismo político e incorrem no erro da arrogância: “humilham seus opositores ignorantes”. Por sua vez, diz Horkheimer, os comunistas “têm razões de menos”, e “frequentemente recorrem não a razões, mas apenas à autoridade”, baseados em sua “força moral” e “também com a força física”: reivindicam a verdade e desconsideram os pontos de vista individuais.[viii]. Diz lucidamente Max Horkheimer: “A superação dessa situação teórica depende tão pouco da mera boa vontade quanto a supressão da situação prática que a condiciona, a dissociação da classe trabalhadora”.

Para a dialética materialista, as diversas situações no processo econômico devem ser relevantes na análise dos momentos ou contextos em que se encontra a realização da vida social em seu devir histórico: “As próprias categorias nascem de uma experiência histórica real” (HARVEY, 2013. P. 566). Isto é absolutamente claro em Max Horkheimer. O momento-contexto fenomenal em que escreve Horkheimer sobre “a impotência da classe trabalhadora alemã”, no início do século passado, é reveladora de uma “mesma” necessidade do capital “que mantém grande parte da população afastada das vagas de trabalho desde seu nascimento e a condena a uma existência sem perspectivas”.

Só a partir desta realidade pode a teoria se desdobrar para acompanhar a situação e posição desconfortável dos trabalhadores(as). Nenhuma teoria pode ser viável fora da compreensão de seu tempo; ela é sempre mais uma possibilidade de “rumo” do que uma “trilha” consolidada.

É desesperador, compreensivelmente, que aquele que “constata a situação” queira se subtrair aos diagnósticos bem intencionados das teorias. Pode mesmo acontecer que muitos dos conteúdos e categorias não absorvam mais adequadamente a realidade que perfaz os interesses das frações de classe, como no caso dos trabalhadores assalariados do capital.

Não é claro, contudo, que é chegado o momento de preparar a sociedade para o tempo de trabalho disponível e não ficar apenas no “sindicalismo de emprego”, pois como Marx afirma: “(…) o capital aqui – de forma inteiramente involuntária – reduz o trabalho humano, o dispêndio de energia, a um mínimo. Isso beneficiará o trabalho emancipado e é a condição de sua emancipação.” (2011, p. 585).[ix] Isto seria também reformismo?

Possivelmente nem conceitos e nem categorias possam existir acabados para a “volta zero” da realidade do trabalho em nosso tempo, e acontece que, nas disputas pela adesão dos trabalhadores e trabalhadoras, as melhores práticas, “das quais o futuro da humanidade depende”, podem, possivelmente, estarem escritas há muito tempo para nossa interpretação acurada no fluxo inexorável da emancipação humana.

Notas

[i] HORKHEIMER, Max. Crepúsculo: Notas alemãs (1926-1931). São Paulo: Editora UNESP, 2022). Todas as citações referentes a Horkheimer foram coletadas nesta edição.[ii] Segundo Harvey: “O aparecimento de novas questões a serem respondidas, novos caminhos a serem seguidos pela investigação, provoca simultaneamente a reavaliação dos conceitos básicos – como o de valor -, a eterna reformulação do aparato conceitual usado para descrever o mundo.” (HARVEY, David. Os limites do capital. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 529).[iii] Em “O 18 Brumário de Luís Bonaparte”, [1852], cap. V, Marx referia-se a esta camada ou fração da população como: “Sob o pretexto da instituição de uma sociedade beneficente, o lumpemproletariado parisiense foi organizado em seções secretas, sendo cada uma delas liderada por um agente bonapartista e tendo no topo um general bonapartista. Roués [rufiões] decadentes com meios de subsistência duvidosos e de origem duvidosa, rebentos arruinados e aventurescos da burguesia eram ladeados por vagabundos, soldados exonerados, ex-presidiários, escravos fugidos das galeras, gatunos, trapaceiros, lazzaroni [lazarones], batedores de carteira, prestidigitadores, jogadores, maquereaux [cafetões], donos de bordel, carregadores, literatos, tocadores de realejo, trapeiros, amoladores de tesouras, funileiros, mendigos, em suma, toda essa massa indefinida, desestruturada e jogada de um lado para outro, que os franceses denominam la bohème [a boemia]; com esses elementos, que lhe eram afins, Bonaparte formou a base da Sociedade 10 de Dezembro.”. Neste sentido, é admissível que se coloque nesta camada da sociedade a fração da classe trabalhadora que já foi totalmente excluída do trabalho produtivo, ou que nunca chegou a fazer parte dele. (MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo, 2011).[iv] GRAEBER, David. Trabalhos de merda: uma teoria. São Paulo: Edições 70, 2022.[v] Podemos considerar que o welfare state pós 2ª. Grande Guerra, foi um momento de inflexão no processo de incremento no tempo de trabalho disponível e dispensação de mão de obra produtiva: no período do fordismo, que devido às guerras da primeira metade do século XX, se estendeu até o final dos anos 1970, o exército industrial de reserva era ainda uma fração dos trabalhadores aproveitada na produção, intercambiada com os trabalhadores empregados – eram todos desempregados funcionais do capital (na medida em que a ameaça do desemprego é a guilhotina permanente sobre as suas cabeças); a partir dos anos 1980, no pós-fordismo, o desemprego estrutural passa a empurrar cada vez mais e continuamente os desempregados (do exército de trabalhadores de reserva) para o grupo dos desalentados, desqualificados, empobrecidos que não constituem, portanto, mais uma função na reprodução do valor e do capital – o “lumpemproletariado” hoje são todos os desempregados, subempregados e precarizados, trabalhadores disfuncionais do capitalismo, que muitas vezes insistimos em os empurrar para os trabalhos insanos e medíocres do tecnocapitalismo atual.[vi] A expressão “ralé” figura taxativamente em Arendt: O sistema totalitário: caps. às págs. 163, 209 e 417; Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1978. [No Brasil: Origens do totalitarismo (Cia. De Bolso, 2013)].[vii] “Não é um mero adendo ao que já sabemos, mas constitui um ponto de partida totalmente diferente daquele no qual é baseada a teoria d’O Capital.” (HARVEY, 2013, p. 562).[viii] Na teoria marxista ocidental, Lukács distinguiu “ponto de vista da totalidade”, que a classe proletária pode acessar em sua consciência, do “ponto de vista do indivíduo”, que é própria da consciência da classe burguesa. A propósito, veja-se: Sandrine Aumercier. Georg Lukács: Das Antinomias Burguesas ao Problema da Consciência de Classe, GRUNDRISSE (wordpress.com), 02/06/2024.[ix] MARX, Karl. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858: esboços da crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2011.

José Manuel de Sacadura Rocha é doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Mackenzie. Autor, entre outros livros, de Sociologia jurídica: fundamentos e fronteiras (GEN/Forense)

DMT: https://www.dmtemdebate.com.br/horkheimer-discursos-sobre-a-classe-trabalhadora/