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JUSTIÇA SOCIAL

Governos locais, cidadãos pela metade!

Governos locais, cidadãos pela metade!

Neste ano, eleitores dos 5.570 municípios brasileiros escolherão seus dirigentes. Nos 10.124 distritos em que estes se dividem não há governos eleitos; vale dizer, a legislação não considera seus habitantes como cidadãos. Há quem defenda, como o Paulo Guedes, que deveríamos reduzir o número de municípios; proposta nada democrática e equivocada!

Na média, nossos distritos têm 840km2 e os municípios, 1.528km2.  Fossem todos estes iguais e quadrados, cada um teria 39km de lado. Percorrer a pé seus perímetros é tarefa para vários dias, reservada a atletas. Vale dizer, seus dirigentes não conhecem profundamente sequer o território, muito menos as necessidades e prioridades dos habitantes.

A França, cujo território equivale ao de Minas Gerais, tem 34.934 municípios, ditas comunas. Portugal, pouco menor que Pernambuco, tem 3.092 freguesias. Estas e as comunas são geridas por assembleias eleitas. Repetindo a hipótese de unidades iguais e quadradas, na França elas teriam 4km de lado e em Portugal, 5,3km. Nos EUA existem 90.837 unidades locais com governantes eleitos. Se iguais e quadradas, teriam 10,4km de lado! A Inglaterra, país cuja área é menor que o maior município brasileiro, divide-se em 10.464 governos locais eleitos. Cada um teria 3,5km de lado.

Nos países citados, fora o Brasil, os dirigentes locais conhecem cada centímetro do território que administram; sabem onde está cada buraco da rua e cada nova construção. Regra geral, conhecem cada cidadão que, por sua vez, pode ver com facilidade se o dirigente trabalha para si ou para a comunidade.

Sabendo onde está cada buraco, é fácil consertar e verificar se o serviço foi bem-feito. Sabendo das novas construções, fica difícil “desconhecer” ocupações ilegais, como ocorre com dirigentes locais brasileiros que, não raro, se dão o direito de associarem-se aos grileiros. Os brasileiros, na maioria, desconhecem seus dirigentes locais, exceto talvez nas sedes dos menores municípios, mas não em seus longínquos distritos. Assim, não percebem os sinais exteriores de riqueza e a incompatibilidade destes com a remuneração oficial dos dirigentes, que podem andar sem vergonha nem temor de serem apontados como corruptos.

Além disso, aqui os cidadãos têm mínima influência sobre as decisões das câmaras municipais; usualmente, sequer sabem o que os parlamentares estão deliberando, muito menos as implicações destas, problema que, aqui, se repete nos demais parlamentos, até o Federal! Problema este agravado pelas nada democráticas inovações feitas nos processos legislativos a partir da pandemia.

Sendo assim, rigorosamente falando, nós brasileiros somos cidadãos sem o direito básico de estabelecer as regras para o bem das nossas comunidades, locais e nacionais! Apenas o voto, a cada par de anos, é insuficiente para corrigir tal deficiência de democracia. Não é pelo gigantismo do nosso território, mas pela carência de proximidade – geográfica, social, de renda, educacional, de problemas e prioridades, entre outras – a que nos condenaram as nossas constituições, inclusive a mais recente, ao não dar dimensão democraticamente tratável ao mais básico dos níveis de governo. Onde, já se disse, vice o cidadão!

Alegar que não haveria dinheiro para termos tantos governos eleitos, que seriam mais representativos da população e sujeitos à uma fiscalização comunitária mais intensa, gerindo territórios menores, como naqueles outros países, é completamente falso; se eles podem, por que nós não?

Sem dúvida, as maneiras de remunerar e fiscalizar os dirigentes, aqui, terão de ser bem distintas daquelas hoje vigentes, e ganharíamos muito em democracia e, em seguida, bem-estar. Rever nossa divisão geográfica e nossas assembleias eleitas, assim como seus poderes e remunerações, torna-se cada vez mais urgente, embora ausente do debate político.


O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.

EDUARDO FERNANDEZ Eduardo Fernandez Silva é economista e ex-diretor da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados.

Governos locais, cidadãos pela metade!

O papel contramajoritário do Supremo Tribunal Federal

Poucas vezes na história do País, o Supremo Tribunal Federal teve papel tão crucial na proteção do Estado Democrático de Direito, ao assegurar a guarda da Constituição e evitar que direitos individuais sejam sacrificados pela vontade de maioria ocasional, como nos últimos anos.

Antônio Augusto de Queiroz*

Acusado de ativismo judicial, na maioria das vezes, o STF não fez mais do que exercer o controle de constitucionalidade, ao aplicar os princípios constitucionais que asseguram os direitos fundamentais e promovem a dignidade da pessoa humana. Afinal, a Constituição é a maior força normativa do ordenamento jurídico e não simples carta de intenções.

Em sociedades polarizadas e fragmentadas como a brasileira da atualidade, na qual a opinião pública se forma sem qualquer controle ou mediação, muitas vezes influenciada por algoritmos, levando à formação de maiorias efêmeras ou transitórias, o papel do Supremo funcionando como poder contramajoritário é fundamental para a paz social.

A opinião pública, moldada por redes sociais e pela influência digital, pode ser volátil e susceptível às manipulações rápidas e intensas, o que cria cenário onde decisões precipitadas e extremas podem ser tomadas, ameaçando os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos.

A mudança de paradigma na interpretação da ordem jurídica pelo STF vem desde a promulgação da Constituição de 1988. O exercício pela Corte do sistema de freios e contrapesos, inclusive com a dimensão contramajoritária, se expressa em decisões que contrariaram a maioria da sociedade, o Parlamento e o Poder Executivo.

São exemplos disto julgamentos que deram a palavra final sobre temas controversos como aborto/anencefalia, união homoafetiva, demarcação de terras indígenas, uso de células-tronco para pesquisa, prisão após trânsito em julgado, excessos persecutórios de instituições estatais, entre outros, que não teriam sido enfrentados se o STF não tivesse cumprido seu papel de guardião da Constituição, como previsto expressamente no artigo 102 da Carta Magna.

Em ambientes como esses, com governos flexíveis e agendas abertas, muitas vezes reféns de forças conservadoras e/ou de mercado, é comum que lideranças políticas e empresariais oportunistas, especialmente aquelas que tenham seus interesses contrariados, financiem campanhas, inclusive com o apoio da mídia, com objetivos duplos.

De um lado, para manipular a opinião pública, notadamente os incautos, e, de outro, para enquadrar e tentar constranger, capturar ou cooptar todo e qualquer ente — público ou privado — que ouse discordar de sua visão ou interesse. A mídia, em particular, pode desempenhar papel crítico na formação da opinião pública, exacerbando a polarização e dificultando o diálogo racional e equilibrado sobre questões de interesse nacional.

Papel vital
Por isso, o papel contramajoritário do Judiciário é vital em conjunturas assim. Esse serve tanto para proteger o Estado Democrático de Direito, assegurando a guarda da Constituição e protegendo-a de interpretações contrárias aos seus princípios fundamentais, quanto para evitar que direitos individuais sejam sacrificados pela vontade de maioria ocasional.

Em cenário onde a volatilidade e a efemeridade das opiniões podem levar às decisões precipitadas, a função estabilizadora do STF se torna ainda mais evidente e necessária.

A atuação do STF como poder contramajoritário não é capricho ou usurpação de funções dos outros poderes, mas necessidade imperiosa para a manutenção do equilíbrio institucional e a proteção dos direitos fundamentais.

O Judiciário, especialmente a Suprema Corte, tem a responsabilidade de ser guardião dos valores e princípios constitucionais, garantindo que leis e políticas públicas estejam em conformidade com os direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição.

Em conclusão, em sociedade onde a polarização e a influência dos meios de comunicação e das redes sociais podem distorcer rapidamente a percepção pública e influenciar decisões majoritárias, o papel do STF como guardião da Constituição e protetor dos direitos individuais é vital.

Esse não apenas assegura a estabilidade e a continuidade dos princípios democráticos, mas também protege os cidadãos contra a tirania da maioria e as influências oportunistas que podem comprometer a integridade do Estado Democrático de Direito.

(*) Jornalista, analista e consultor político, mestre em Políticas Públicas e Governo pela FGV. Sócio-diretor das empresas “Consillium Soluções Institucionais e Governamentais” e “Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas”, foi diretor de Documentação do Diap. É membro do Cdess (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável) da Presidência da República – Conselhão.

DIAP

https://diap.org.br/index.php/noticias/agencia-diap/91872-o-papel-contramajoritario-do-supremo-tribunal-federal

Governos locais, cidadãos pela metade!

A política das ruas voltou. E agora?

Aqueles na esquerda que torcem o nariz para as lutas sociais contra o patriarcado e o racismo, classificando-as levianamente como “identitárias”, devem ter se surpreendido de novo. Foi justamente uma das pautas mais caras ao feminismo — o direito ao aborto — que deflagrou uma mudança no ambiente político, na semana que passou. Até quinta-feira, o governo Lula estava tragado por uma espiral que o sugava ao fundo do poço. Cercado por forças que são irmãs, embora distintas — o hipercapitalismo e a ultradireita — contemporizava com seus algozes, ao invés de resistir a eles. Não houve mudança estratégica. Mas naquele dia as ruas assistiram, pela primeira vez desde o início de Lula 3, a manifestações dos movimentos sociais contra proposições de retrocesso que tramitam no Congresso.

Antonio Martins*

O recuo das presidências da Câmara e do Senado foi instantâneo. Agora, é possível que o Projeto de Lei “do Estupro” (PL 1.904) só seja votado após as eleições. Mas por algum motivo alterou-se o ânimo do próprio governo e também sobre outros temas. No sábado, à margem da reunião do G7 na Itália, Lula pronunciou-se claramente, pela primeira vez, contra a quebra dos “pisos constitucionais” que protegem a Saúde e a Educação públicas, ao garantir-lhes parcelas da arrecadação de impostos. Sua atitude forçou os ministros Fernando Haddad e Simone Tebet a recuarem das declarações seguidas que haviam dado nos dias anteriores, em favor do fim destes mínimos e das garantias aos benefícios previdenciários.

A semana começa muito melhor que a anterior. Mas estas pequenas vitórias não inverteram o quadro geral. O cenário é de pressão da direita sobre o governo e a pauta política. O objetivo de médio prazo da coalizão das 2 direitas é impor derrota humilhante a Lula e à esquerda em outubro — e, em seguida, reduzi-lo a governo sem dentes, impotentes, capaz apenas de caminhar ladeira abaixo até a derrota final em 2026. Há brechas para impedir a sequência deste script.

Aproveitá-las exigirá diálogo em novas condições entre os movimentos sociais e o governo. Ambas as partes terão de fazer concessões. Primeiro passo será rever — por enquanto, parcialmente — o Arcabouço Fiscal adotado sob comando do Ministério da Fazenda em 2023. Se Saúde e Educação forem excluídas do novo “teto de gastos”, surgirão condições muito mais favoráveis para o investimento público, a melhora das condições de vida das maiorias e a reversão do retrocesso produtivo do País. A agenda do País e as perspectivas para outubro se alterarão. Ainda mais importante: terá se constituído horizonte político novo, alternativo aos do fascismo e dos neoliberais. Para alcançar tudo isso, há ruptura necessária. Antes de examiná-la, porém, vale a pena rever em retrospecto e em mais detalhe a mudança de cenário ocorrida nos últimos 7 dias e seus significados.

O inferno do governo começou, dia 10 de junho, quando ficou claro pela enésima vez que não haverá o quê leve os atuais parlamentares a tributar os ricos. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), devolveu ao Executivo, sem exame, a MP (Medida Provisória) 1.227, editada menos de 1 semana antes, em novo esforço do Ministério da Fazenda para atingir o “déficit zero” custe que custar. A tarefa de Pacheco foi facilitada pela inoportunidade da proposta — o ex-senador Roberto Requião qualificou-a de “desastre político e econômico” e, segundo a jornalista Maria Cristina Fernandes, o próprio Lula pretendia retirá-la.

O dólar disparou no mesmo dia — sob o olhar complacente e os braços cruzados do Banco Central. Os analistas do mercado apressaram-se em falar em crise e a cobrar mais 1 vez, do governo, corte dos investimentos públicos — em especial os que irrigam Saúde e Educação. Ficou nítido, então, segundo efeito nocivo do “Arcabouço Fiscal” e da meta de “déficit zero”. Além de imporem camisa de força ao governo — em especial em tempos de crise social e ambiental —, eles geram discurso fácil e pressões constantes para que Lula invista contra a própria base. O lema de “não quebrar a meta”, alimentado pela própria Fazenda, transforma-se num pretexto para adotar todo tipo de medida – inclusive as que implicam mais desigualdade, pobreza e desamparo.

Entre os 11 e 13 de junho, as pressões avolumaram-se. Nesse último dia, o ápice, os 3 jornais mais influentes do País publicaram, uníssonos, textos editoriais (1 2 3) cujo sentido era: esgotou-se a possibilidade de chegar ao “déficit zero” por meio de arrecadação maior. Agora, é preciso cortar gastos!

Estas mensagens tornaram-se mais fortes ao serem retroalimentadas de dentro do governo. Os ministros Fernando Haddad e Simone Tebet nada argumentaram, em nenhum momento, contra essas. Ao contrário. Há muitos meses, assessores do primeiro escalão da Fazenda e a própria ministra do Planejamento nutrem a mídia de mercado com balões de ensaio (“estudos em curso”) sobre o fim da obrigação de destinar recursos mínimos à Saúde e Educação; e sobre “desvincular” os benefícios previdenciários do salário mínimo — ou seja, corroer seu valor. Dia 12, esse movimento acentuou-se. Os 2 ministros convocaram entrevista inesperada para anunciar que estavam promovendo “revisão ampla, geral e irrestrita” do gasto público. O caminho fica fácil para os defensores destas propostas. Porque a ideologia de “Estado mínimo” que sustentam é constantemente corroborada pelas intenções dos 2 ministérios em aplicá-las. Sobra para Lula. É ele quem “alimenta as tensões financeiras” ao eximir-se de tomar decisões, como afirmou o editorial da Folha.

* * *

Numa “tormenta dentro da tormenta” para o governo, a grita anti-investimentos públicos foi engrossada, a partir de 12 de junho, por sobressalto na pauta troglodita do Congresso. Há muito, como mostrou a colunista Myriam Leitão, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), cultiva “caixa de horrores”. Está recheada de projetos que atentam contra direitos sociais e que, mais especificamente, ampliam diálogo com o bolsonarismo, sua agenda de hipocrisia moral, e o capitalismo mais devastador. Compõem o estoque propostas como a punição ainda mais draconiana do consumo e comércio de psicoativos, a privatização das praias e… o PL do Estupro. Munido de poder quase absoluto sobre a agenda da Casa que dirige, Lira saca do embornal, de tempos em tempos, o que pode engordar suas ambições políticas.

Foi assim que, em 24 segundos, ele deu urgência ao PL 1.904. Esperava passar por cima de todas as comissões temáticas da Câmara e vê-lo aprovado em plenário em poucos dias. Seria mais 1 passo para selar sua aliança com as bancadas mais reacionárias e pavimentar seu caminho rumo à eleição de sucessor, em janeiro, e à participação com destaque num novo arranjo de poder da ultradireita. Teve o auxílio da passividade das bancadas governistas, em especial a do PT. Ao contrário do que fizeram PCdoB e PSol, o líder do governo, José Guimarães (PT-CE), sequer exerceu o direito de protestar contra a aprovação da urgência — o que levou Lira a contar em seu favor os votos dos petistas. Além disso, Guimarães afirmou, pouco antes da votação, que essa “não é de interesse” do Executivo. Sem projeto para o País, o governo enfiava a cabeça sob a areia. Ao fazê-lo, permitia que os adversários nadassem de braçadas e ditassem a agenda nacional.

* * *

Há mais de 10 anos, Steve Bannon anunciou que estabelecer consórcio entre as agendas ultracapitalistas e a pauta de costumes ultraconservadora é a estratégia central para o avanço da ultradireita contemporânea. Não é difícil compreender porquê. As pautas da hipocrisia moral, à qual aderem vastos setores sociais ressentidos com a crise da democracia, dão base social às propostas de mercantilização radical da vida, que os capitalistas não podem defender abertamente e a frio. Em contrapartida, os punhos de renda do rentismo conferem alguma legitimidade a ideias que, de outra forma, seriam vistas como anacrônicas e inaceitáveis.

Na semana passada, este consórcio voltou a se formar no Brasil. O ápice da confluência foi a troca de galanteios entre o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Tarcísio acalenta o plano de ocupar o lugar de Bolsonaro, com base numa pauta-Bukele de “segurança” às custas de sangue. Roberto Campos Neto rompeu de forma cabal com o decoro do cargo, ao oferecer-se para ministro da Fazenda, caso o governador eleja-se presidente da República.

Faltou combinar com os russos. O rolo compressor dos conservadores exigia o silêncio dos opositores. Mas a paralisia dos partidos de esquerda não havia contaminado os movimentos sociais. A greve dos professores e técnicos das universidades e institutos federais manteve-se firme, apesar de intervenção desastrada de Lula. Dia 10, os movimentos da Saúde fizeram-se ouvir. Em audiência com técnicos do Ministério da Fazenda, anunciaram que não aceitarão o ataque aos patamares mínimos de recursos para o SUS. Personalidades como o ex-ministro José Gomes Temporão adensaram o caldo, ao qualificarem a eventual quebra do piso como “traição ao projeto político que elegemos”.

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Mas foi nas ruas que a mudança maior se deu. É provável que o deputado Arthur Lira tenha errado o cálculo e forçado a mão demais, ao exigir pressa para o PL do Estupro. Coalizão feminista foi capaz de organizar, da quarta para a quinta, mobilizações em boa parte do País. Sua ação é sinal de que a internet segue em disputa. Milhares de mulheres saíram às ruas dia 13. Dois dias depois, no sábado, manifestação ainda mais numerosa, em São Paulo, mostrou o grande fôlego do movimento.

Mesmo embrionária e articulada em regime de emergência, a iniciativa foi suficiente para fazer o Congresso recuar. Dia 14, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, avisava que na Casa dele, a tramitação do PL 1.904 será lenta, e passará obrigatoriamente pelas comissões temáticas. Na sequência, o próprio Lira contradizia-se, dava vários passos atrás, excluía a possibilidade de apreciação rápida da matéria no plenário e sugeria que não a votará antes das eleições. Seu truco naufragara. Tanto pesquisa informal no site da Câmara quanto monitoramento mais rigoroso das redes sociais mostravam que havia amplas maiorias contra o PL do Estupro entre a opinião pública. Com frequência, a ultradireita late por não poder morder — e a esquerda passa recibo do susto. Dessa vez, graças à mobilização nas ruas, foi diferente.

O governo também esboçou reação. Na Itália, Janja e Lula, antes em silêncio, pronunciaram-se contra o PL 1.904. No sábado, o presidente ampliou a fala e sugeriu, em nova entrevista, que não jogará o Arcabouço Fiscal sobre os mais pobres; que cabe aos empresários encontrar novos caminhos para recompor as finanças públicas; que eles deveriam, além disso, voltar-se contra os juros decretados por Campos Neto no Banco Central. Horas mais tarde, Haddad e Tebet recuavam de suas posições anteriores e colocavam-se em sintonia com o chefe de governo. O titular da Fazenda afirmou que a quebra dos pisos constitucionais é “apenas um dos cenários debatidos”. Sua colega do Planejamento assegurou que o corte de direitos previdenciários “não é uma prioridade” no governo…

* * *

Apesar do recuo temporário, a agenda de retrocessos não se dissipou. Essa já assumiu dinâmica própria. A confluência de interesses que estabelece é poderosa. Recolhida temporariamente, voltará a ganhar tração em poucos dias, movida pelos interesses que reúne em torno das eleições municipais, da renovação das presidências da Câmara e do Senado e, acima de tudo, da disputa já armada em torno da sucessão presidencial, em 2026. Para enfrentá-la, será preciso projeto alternativo.

A ampliação do gasto público é claramente, a esta altura, o principal caminho para resgatar o governo Lula. Diante de o País em crise, acossado pela ultradireita e em tempos de descrédito na democracia e na política, o Estado precisa demonstrar claramente que pode amparar as maiorias.

Esta avenida está bloqueada pelo Arcabouço Fiscal. O governo federal impôs limites a si mesmo. Por isso, João Pedro Stédile lembra que a Reforma Agrária não avança; a fila das aposentadorias perdura; o Minha Casa, Minha Vida avança a passos de tartaruga; o Estado é incapaz de lançar programa de emprego digno garantido; não há perspectivas de implantar o ensino público integral em larga escala; o subfinanciamento do SUS se prolonga; não há plano algum para as periferias; centenas de milhares continuam a habitar as calçadas; as universidades vivem à míngua e o governo oferece aos professores e técnicos grevistas zero por cento de aumento em 2024.

Não há correlação de forças, no momento, para propor o fim do Arcabouço, proposta porque o governo se empenhou e em torno da qual construiu parte de seu discurso. Mas é possível sustentar medida paliativa, que significará enorme mudança: livrar do Arcabouço, e da meta de déficit fiscal zero, a Saúde e a Educação. O argumento é cristalino: não se trata de gastos, como Lula argumentou tantas vezes — mas de investimentos. São essenciais à proteção da vida e à construção de futuro melhor. Não podem estar submetidas à lógica gélida dos contabilistas que não veem outras contas e valores além das colunas de receitas e despesas.

Os orçamentos da Saúde (R$ 231,3 bilhões) e Educação (R$ 108,3 bilhões) para 2024 somam, juntos R$ 340 bilhões. Livrá-los do Arcabouço produzirá 2 efeitos imediatos. O primeiro é evitar que estas 2 atividades essenciais do Estado sigam subfinanciadas e ameaçadas de novos cortes. A providência permitirá, por exemplo, abrir negociações dignas com os professores e técnicos das universidades e recompor os recursos de que estas instituições precisam para investimentos. Também oferecerá à ministra Nísia Trindade sossego para planejar sem sobressaltos a reconstrução da Saúde e seus programas, após os anos de devastação bolsonarista.

O segundo efeito é descomprimir os demais gastos hoje achatados, destinando-lhes R$ 340 bilhões adicionais ao ano. A medida poderia ser acompanhada de decálogo de metas muito concretas, compreensíveis e efetivas, relacionadas à melhora das condições de vida e à reconstrução da infraestrutura e da capacidade produtiva do País e programadas para até 2026. Apenas como exemplo:

1. Retomada da Reforma Agrária e do apoio à Agroecologia;

2. Salário-acidente e salário-doença para os trabalhadores em empresas-plataforma, independentemente de contribuição ao INSS;

3. Vasta aquisição de imóveis em dívida fiscal no centro das metrópoles, reformando-os e destinando-os à moradia popular; e relançamento do Minha Casa, Minha Vida, com a construção de moradias dignas e em regiões dotadas de infraestrutura e transporte e contratação de milhares de operários da construção civil.

4. Programa Nacional de Enfrentamento e Adaptação às Mudanças Climáticas, com recursos para ações preventivas de defesa das populações ameaçadas por inundações e secas;

5. Destinação de recursos relevantes ao programa Nova Indústria Brasil, para que deixe de ser apenas peça de retórica;

6. Início de Plano Nacional de Ferrovias e Metrôs, com início de algumas obras emblemáticas;

7. Renacionalização da Eletrobrás e dos rios e represas brasileiras, com transição para energias limpas realizadas em sintonia com as comunidades camponesas e seus direitos;

8. Reinício da demarcação de terras dos povos originários;

9. Plano nacional de apoio às vítimas de estupros e outras formas de violência sexual; e

10. Plano de salvação das médias pequenas e microempresas, com crédito a juros muito rebaixados e facilidades fiscais.

Não faltarão justificativas políticas e legais para tal programa. Fatos novos exigem que, tal como em 2021, na pandemia, os orçamentos públicos sejam revistos. As mudanças climáticas estão provocando efeitos devastadores, como demonstra a crise no Rio Grande do Sul.

A alta da inflação e a persistência de taxas de juros elevadas em todo o mundo inflacionam o preço da cesta básica e colocam dezenas de milhões de pessoas em condições de insegurança econômica grave. É preciso protegê-las por meio de “Lei de Solidariedade e Reconstrução” a ser submetida pelo Executivo ao Congresso.

Por ser totalmente oposta à captura da riqueza social pelo rentismo e à regressão produtiva vivida pelo Brasil nas últimas 4 décadas, a aprovação de lei com este caráter exigirá disputa no Parlamento e disputa social. Tanto melhor. Nada faz mais falta ao governo Lula hoje que agenda capaz de dialogar com as maiorias, oferecer-lhes outro horizonte político e propor sua mobilização.

“Lei de Solidariedade e Reconstrução” nesses moldes pode ser, até 2026, a bandeira política central do governo. A disputa persistirá, tão aguda quanto hoje. A diferença é que Lula 3 não mais estará acuado, defensivo e sem agenda — mas munido de projeto popular e mobilizador, capaz de opor-se aos do hipercapitalismo e do fascismo. Os fatos da última semana demonstraram de maneira clara: a ação política das maiorias é possível; o passo indispensável é convocá-las.

Agenda nestes moldes exige romper com a recusa à mobilização social, que marca o atual governo desde seu início. A vitória sobre o bolsonarismo, em 2022, exigiu a formação de frente ampla muito heterogênea e mesmo contraditória. Sabia-se desde o início que a correlação de forças, em Lula 3, seria de início adversa. Precisamente por isso, a Presidência não poderia conforma-se com este cenário. Precisaria, ao contrário, empenhar-se desde o início do mandato em alterá-lo. Seu principal instrumento para isso seria dialogar com as maiorias, diretamente ou por meio dos partidos políticos. Não se fez nem uma coisa, nem outra. Aceitou-se a correlação de forças como dado estático. Abriu-se mão de exercer pressão sobre o conservadorismo das instituições. O resultado foi governo com cada vez menor capacidade de pautar a agenda nacional e mesmo de manter a iniciativa política — chegando ao extremo de ser levado às cordas na semana passada.

As multidões o salvaram, provisoriamente. E é possível que esteja aí a última lição da semana que passou. Talvez não se possa confiar apenas ao governo a tarefa de retirar Saúde e Educação do Arcabouço e iniciar a construção de novo horizonte político, à esquerda. As mesmas ruas e movimentos que fizeram Lira e Pacheco recuar terão, de alguma forma, de participar desta construção.

(*) Editor do portal Outras Palavras. Publicado, originalmente, no portal

DIAP

https://diap.org.br/index.php/noticias/artigos/91881-a-politica-das-ruas-voltou-e-agora

Governos locais, cidadãos pela metade!

O que a volta da esquerda às ruas pode ensinar

A tentativa de o empresário Elon Musk desmoralizar as instituições democráticas do Brasil, o ‘PL do Estuprador’, ou a tentativa de privatizar as praias pela extrema-direita e a ameaça ao piso da Saúde e da Educação pela área econômica do governo… se soldaram por derrota à priori marcada pelo recuo dos seus insignes idealizadores mostrando que a sociedade pensa e age por cabeça própria, para além da vontade ou guia de influenciadores digitais, da extrema-direita, dos falso moralistas hipócritas e mesmo de governos.

Ion de Andrade*

Isso significa que as forças políticas que conseguirem entender e interpretar essa agenda latente da sociedade (cavalo selado) e conceber a partir dessa agenda política alinhada a esses princípios, terão imensa vantagem no plano (agora) das eleições municipais que se avizinham.

O campo democrático (se conseguir converter essa agenda semiconsciente e latente das maiorias em agenda consciente e manifesta) é que está mais bem posicionado para capitalizar essa verdadeira onda democratizante e civilizatória afinal, excluídos os escorregões ou traições neoliberais, essa agenda é supostamente a sua própria…

O maior problema do campo democrático, e da esquerda em particular, (esquerdismo) é sucumbir à agenda voluntarista, muitas vezes de aparência ideológica (o discurso radicalizado) cuja meta parece ser “fazer a cabeça do povo” com o intuito muito nobre de politizá-lo para o enfrentamento do fascismo, o que desconsidera o fato de que esse povo é, de fato, quem tem sustentado e com resiliência os melhores índices de aprovação do governo, sendo a maioria nucleada por ele quem incinerou o PL do estupro. Resta, portanto, saber quem está e quem não está politizado e qual é a agenda da politização no mundo real da garantia da democracia hoje!

Como o ‘PL do Estuprador’ fartamente demonstrou, portanto, a agenda que enfrenta e vai derrotar o fascismo está além dos limites habituais entre a esquerda e a direita e encontra unidade, não nesse discurso ideológico falsamente radicalizado e típico da classe média de esquerda, que lhe garante, tão somente, votos minguados para os legislativos tornando “nos” minoritários ao ponto de sermos incapazes até mesmo de barrar PL (1/3 dos votos!).

A agenda que enfrenta e vai derrotar o fascismo é a da garantia de direitos e a da construção ativa da civilidade e do bem estar social pelos Executivos comandados pelo campo democrático. É isso que consubstancia a agenda solar e amplamente consensual perante a qual a extrema-direita é incinerada em praça pública como os vampiros dos filmes de horror.

Noutras palavras, se a sociedade entender claramente que a agenda da extrema-direita é a da incivilidade, da perda de direitos e do mal-estar social dificilmente essa força poderá disputar o topo da política.

Além da hipnose perpétua do discurso falsamente radical (pois esse é o discurso classista da classe média de esquerda), nada pode causar mais dano ao campo democrático, e à esquerda em particular, do que a ameaça a direitos como os da saúde e da educação. Tal atitude desacredita o governo e sinaliza para as maiorias mais despertas (as que defendem direitos) verdadeira orfandade da representação civilizatória no Estado.

Por outro lado, devemos constatar que quem está emparedada é a extrema-direita que, ao se exprimir claramente e sem fake news, produz rejeição e asco da sociedade como um todo, muito além da tradicional clivagem direita/esquerda.

Duas ferramentas são fundamentais para essa em sua tentativa inglória de manter seu capital político, a mentira que manipula espécie de boa-fé pública (ou a burrice atávica de tantos) e a baixa publicidade e transparência do que faz e propõe, pois tem que agir discretamente e às sombras em seus propósitos na esperança de que os seus projetos legislativos não sejam conhecidos de todos.

É exemplo disso, pois está na contramão do que a sociedade claramente deseja, o projeto que volta a permitir o trabalho infantil e que tramita na CCJ. Essa proposta ainda não produziu o mesmo escárnio que o ‘PL do Estuprador’, pois não galgou visibilidade suficiente sobretudo na gente pobre que é a sua principal vítima.

Então, o que de mais importante há hoje a ser feito para o enfrentamento da extrema-direita por parte dos poderes executivos do campo democrático (União, estados e municípios) é, em primeiro lugar, trabalhar para materializar a agenda civilizatória do bem-estar social na capilaridade do local onde vivem as pessoas. Para os legislativos e para a sociedade civil, a tarefa, que não é fácil, é a de expor quem a extrema-direita de fato é para que a sua combustão espontânea se dê aos olhos de todos.

O ‘PL do Estuprador’ mostrou que há 1 paiol seco para receber as propostas medievais da extrema-direita.

Isso significa que o que visivelmente politiza a sociedade (e ao que parece os níveis de politização são altos para o que a história nos exige) deve ser — e de forma sistemática e maciça — a ação dos governos do campo democrático no sentido de assegurar direitos e de materializar a civilidade e o bem-estar social no Brasil.

As melhorias dos níveis de aprovação de Lula se prendem, portanto, (e isso é politização) à colheita do que, de forma assistemática, o governo vem plantando. Mas essa melhoria da avaliação é, pelo menos ainda incipiente, justamente pelo fato de que as (muitas) iniciativas não estão amarradas projeto claramente inteligível de construção do bem-estar social com participação popular.

Por isso, a tentativa de Elon Musk de achincalhar o Brasil, a do Ministério da Fazenda de testar a força dos movimentos da Saúde e da Educação em defesa do piso constitucional (nunca dantes ameaçados) ou a PEC da privatização das praias e o ‘PL do Estuprador’ protagonizadas pela extrema-direita demonstraram que é imprescindível para as lutas:

1. visibilidade pública do dado projeto de retrocesso (que emerge na geleia geral dentro e fora do governo); e

2. prontidão de emboscada pelas forças democráticas dos projetos de retrocesso de cada momento, exatamente como se deu no caso do ‘PL do Estuprador’, prontidão essencialmente protagonizada pelos movimentos de mulheres; sempre que a ocasião exigir.

Na quadra atual, o que temos que responder é como daremos a necessária visibilidade à PEC do Trabalho Infantil para que essa também sofra a mesma incineração pública que sofreu o ‘PL do Estuprador’.

Se conseguirmos converter a vontade latente semiconsciente da sociedade em vontade manifesta e consciente, essa luta será demolidora para os fascistas e terá o condão de produzir inabalável consenso em favor da democracia intimidando até mesmo os sonsos que agem no governo.

(*) Médico, professor universitário e colaborador do BrCidades. Publicado originalmente no portal Outras Palavras.

DIAP

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As dificuldades da esquerda

Diante do relativo sucesso da extrema-direita nas eleições para o Parlamento Europeu, as esquerdas procuram recuperar o terreno perdido. As propostas para organizar a sociedade em benefício da maioria, de acordo com os ideais de solidariedade e do bem-estar social, voltam à ordem do dia no programa das esquerdas. Mas antes há que planejar a estratégia capaz de unir os movimentos do mesmo campo e que competem entre si por maior espaço político. É o que se tenta fazer na França, onde se configura, na Europa, a maior ameaça trazida pela sombria vitória da extrema-direita.

Celso Japiassu*

O Parlamento Europeu é espaço político complexo. Diferentes grupos e partidos políticos interagem e procuram influenciar a tomada de decisões. As esquerdas têm importante papel e jogam o jogo em função das tendências políticas e das alianças que se formam.

Há pouco pesquisa da Euronews identificou a existência de condições políticas para a criação de novo grupo de Esquerda no Parlamento Europeu. Este grupo poderia ser liderado pela figura icónica da esquerda alemã, Sahra Wagenknecht, e atrair apoio de partidos e movimentos de esquerda em toda a União Europeia. Sua agenda de segurança e proteção social poderia atrair votos de eleitores descontentes com a política tradicional e a crise económica, hoje praticamente capturados pela extrema-direita.

Mas muitos na esquerda tradicional desconfiam da coerência ideológica de Sahra Wagenknecht por causa dos valores conservadores que ela defende. Alguns chegam a chamar o seu movimento de “excrescência”.

Cooperação e alianças
No Parlamento Europeu as esquerdas têm influência em questões como a imigração, a guerra na Ucrânia e a política externa. Defendem política de apaziguamento com a Rússia e abordagem mais humanitária para a crise migratória. A proteção social e a defesa dos trabalhadores fazem parte da agenda.

Da cooperação e da formação de alianças depende o fortalecimento das esquerdas. Elas representam diferentes partidos e movimentos políticos, o que leva a divergências internas sobre questões como a política migratória e de asilo.

Há também a competição com a extrema-direita por votos e influência no terreno comum das questões como a segurança e a proteção social.

A esquerda chamada populista — representada na América Latina por Lula, Lopez Obrador, Gustavo Petro e outros líderes —, tem dificuldade de integração em grupos existentes, como o GUE/NGL (Grupo da Esquerda no Parlamento Europeu). Há diferenças ideológicas e políticas.

A esquerda populista é termo amplo que abrange diferentes partidos e movimentos políticos, o que pode levar a divergências internas sobre questões específicas. Em contraste, a extrema-direita é mais unida em sua agenda política.

Embora a esquerda populista tenha agenda de segurança e proteção social, sua influência em questões específicas da Europa, como a política migratória e de asilo, pode ser limitada se não houver cooperação eficaz com outros partidos e grupos políticos.

A esquerda populista enfrenta resistência e desconfiança por parte de outros partidos e grupos políticos, o que dificulta sua aceitação como movimento legítimo no Parlamento Europeu.

São contradições que podem influenciar a capacidade de a esquerda populista de exercer influência e de implementar suas políticas.

A esquerda populista tem caracterizado sua atuação por agenda de proteção social e defesa dos trabalhadores, enquanto a extrema-direita se concentra em questões de identidade, imigração e islamismo.

Embora ambas as forças políticas sejam contrárias à imigração, a esquerda defende abordagem mais humanitária e a proteção dos refugiados, enquanto a extrema-direita propõe restrições severas à imigração.

A esquerda é crítica à União Europeia, mas não é contrária à sua existência. Em contraste, a extrema-direita é frequentemente crítica à União Europeia e busca reduzir seu poder.

A França
A recente união das esquerdas na França é movimentação que pode ter importantes implicações para o futuro do país. Após as eleições europeias de 2024, em que a extrema-direita da União Nacional (Rassemblement National) obteve vitória expressiva, o presidente Emmanuel Macron, num movimento por todos considerado de alto risco, anunciou a dissolução do Parlamento e a convocação de eleições antecipadas para 30 de junho e 7 de julho.

Essa jogada foi vista por muitos analistas como tentativa de polarizar o voto entre os candidatos de Macron e os da extrema-Direita. A esquerda francesa agiu com rapidez ao propor a união, liderada pela França Insubmissa (France Insoumise), defendendo a recomposição da Nupes (Nova União Popular Ecológica e Social – Nouvelle Union populaire écologique et sociale), a coalizão de esquerda que concorreu às eleições legislativas de 2022.

Essa união teria como base “a clareza e a coerência que faltaram desde 2022” e rejeitaria qualquer aliança com o partido de Macron. Outros partidos de esquerda, como os socialistas e os verdes, também se mostraram favoráveis à essa união, reconhecendo a necessidade de frente unida para enfrentar a ameaça da extrema-direita.

A proposta inclui agenda progressista, com medidas como o retorno da idade de reforma aos 60 anos, tetos de preços, aumento do salário mínimo e indexação salarial à inflação.

Essa união da esquerda francesa anunciada pelos 4 principais partidos — ecologista, socialista, comunista e França Insubmissa — é vista como tentativa de barrar o avanço da extrema-direita e de se contrapor à política do governo Macron.

Os partidos envolvidos terão que superar diferenças internas, inclusive certo antagonismo pessoal entre seus líderes, e encontrar plataforma comum em curto espaço de tempo, antes das eleições. O desfecho dessa disputa política na França terá implicações não apenas para o país, mas também para o equilíbrio de forças no Parlamento Europeu, onde a esquerda populista busca aumentar sua influência.

As principais dificuldades para a união das esquerdas na França são:

1. Diferenças internas: partidos de esquerda têm histórias e agendas diferentes, o que pode levar a divergências internas e dificultar a formação de frente unida.

2. Competição entre partidos: FI (França Insubmissa) e o PS (Partido Socialista) têm histórias de competição eleitoral e teriam de superar essas diferenças para se unir.

3. Reconhecimento do Nupes: Nupes (Nova União Popular Ecológica e Social) foi a coalizão de esquerda que concorreu às eleições legislativas de 2022. O FI apela à recomposição do Nupes, mas o PS pode resistir à essa ideia.

4. Rejeição a alianças com Macron: FI e outros partidos de esquerda rejeitam qualquer aliança política com o partido de Macron, que anunciou apoio a candidatos do PS.

5. Pressão para a unidade: a pressão para a unidade eleitoral é alta, especialmente após a vitória da extrema-direita nas eleições europeias.

6. Definição de plataforma comum: os partidos de esquerda precisam definir plataforma política comum que possa atrair apoio de eleitores e superar as diferenças internas.

São esses os pontos que podem influenciar a união da esquerda francesa e o sucesso nas eleições.

A extrema direita na França faz proveito da divisão entre os partidos de esquerda para avançar suas próprias agendas políticas. Isso é especialmente verdadeiro após as eleições europeias, com o sucesso eleitoral da RN (Reunião Nacional), com mais de 31% dos votos.

A divisão entre os partidos de esquerda tem sido explorada também por Emmanuel Macron, alegando que a extrema-direita e a esquerda são 2 blocos que “empobrecem o país” e que apenas o seu campo político tem “projeto de governo coerente” para responder aos desafios da França.

A extrema-direita também tem aproveitado a falta de unidade entre os partidos de esquerda para se apresentar como alternativa mais unida e coerente. O RN, por exemplo, apresenta-se como partido que defende os interesses dos franceses e combate a imigração e a islamização. Além disso, a extrema-direita tem tido o apoio de outros segmentos fortes que compartilham suas ideias, como a grande mídia e os círculos financeiros e empresariais.

(*) Poeta, articulista, jornalista e publicitário. Autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965). Publicado originalmente no portal RED (Rede Estação Democracia).

DIAP

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Brasil Paralelo mira Geografia e Ciências Sociais após curso que desinforma sobre História

Um dos objetivos da produtora é ocupar espaços nas escolas, universidades e na cultura com conteúdo ligado à direita conservadora

Por Amanda Audi — Agência Pública

Depois que reportagem da Agência Pública mostrou que o curso de história oferecido pela universidade particular Ítalo Brasileiro tem professores indicados pela Brasil Paralelo, a produtora divulgou que vai financiar cursos de História, Geografia e Ciências Sociais para estudantes de baixa renda para “formar a próxima geração de professores” do país. É a primeira vez que a produtora reconheceu que criou o conteúdo de um curso de licenciatura à distância em história.

A mensagem consta em um e-mail enviado a assinantes da produtora na manhã desta terça-feira, 18 de junho, horas depois da publicação da reportagem. A empresa pede que seus assinantes apoiem um projeto intitulado “Mecenas” para financiar a graduação de alunos de baixa renda. Segundo a produtora, 50 estudantes já tiveram a formação paga pelos apoiadores e uma nova turma deve ser aberta.

“Essa primeira turma já está perto de concluir a graduação”, diz um apresentador da produtora em vídeo. “Não queremos parar em apenas um curso, pretendemos desenvolver novas formações como Licenciatura em Geografia e Ciências Sociais”, continua a mensagem enviada a apoiadores.

O e-mail mente ao afirmar que “é proibido ser de direita nas universidades” e que o ensino das escolas brasileiras é “distorcido”. Por isso, segundo a empresa, a Brasil Paralelo decidiu fazer “algo mais efetivo do que documentários e cursos” e criou a graduação. Um vídeo mostra depoimentos emocionados de alunos que vão “ajudar o Brasil” como professores dos ensinos fundamental e médio.

Reportagem mostrou como Brasil Paralelo é ligada a curso de História

Conforme a Pública revelou, o curso de História é oferecido pela universidade particular Ítalo Brasileiro e pode ter até mil novos alunos por ano. Os professores foram indicados pela própria produtora.

A grade curricular do curso abarca somente a visão cristã da História. Pontos importantes do passado brasileiro, como o genocídio indígena durante a colonização portuguesa ou a escravidão de povos africanos, são relativizados ou nem sequer mencionados. Um dos professores defende que historiadores “devem ter fé” e que livros religiosos são tão confiáveis quanto documentos históricos.

O curso foi aprovado pelo Ministério da Educação em 2019, primeiro ano do governo Jair Bolsonaro. O coordenador é Rafael Nogueira, que foi presidente da Biblioteca Nacional e hoje preside a Fundação Catarinense de Cultura. Ele, assim como os outros professores do curso, é monarquista e olavista.

No vestibular de 2022, a parceria entre o Ítalo e a Brasil Paralelo foi anunciada explicitamente no site do centro. No ano seguinte, porém, o site do curso não trazia nenhuma menção à produtora — ou seja, a ligação não ficava clara aos alunos que ingressaram na formação. A Brasil Paralelo também nunca havia divulgado oficialmente o curso em seus canais.

Como a Pública já mostrou, inspirada nas ideias do falecido guru bolsonarista Olavo de Carvalho, um dos objetivos da Brasil Paralelo é ocupar espaços nas escolas, universidades e na cultura com conteúdo ligado à direita conservadora. Ela reproduz um discurso sem embasamento de que esses locais foram apropriados pela esquerda.

ICL NOTICIAS

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