A inflação brasileira subiu acima das expectativas do mercado no último mês, puxada principalmente por alimentos. Além dos problemas de safra, a forte alta do dólar também pressiona os preços.
O movimento de forte alta do dólar frente a moeda brasileira nas últimas semanas deve continuar pressionando a inflação no país nos próximos meses, dizem especialistas.
Isso porque boa parte dos produtos consumidos no Brasil são importados e sofrem com a variação da moeda norte-americana. Em 2024 até aqui, o dólar já registra uma valorização de mais de 10% em relação ao real, depois de ultrapassar a barreira dos R$ 5,40 na última semana.
Junto à alta do dólar, sobem os preços de todos os produtos importados. É o caso de itens de tecnologia e saúde, por exemplo, que dependem de matéria-prima internacional, além de combustíveis e alguns alimentos, como milho e trigo — que são base importante da alimentação no país.
Para além dos efeitos do dólar, problemas na safra brasileira também têm puxado o preço dos alimentos. Em maio, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) avançou 0,46%, impactado principalmente pelo grupo de Alimentação e bebidas, com alta de 0,62%.
Dentro do grupo, destaque para os tubérculos, raízes e legumes — principalmente a batata, que disparou 20,61% em um mês. Outros alimentos muito comuns no dia a dia das famílias brasileiras também ficaram mais caros em maio. Os destaques, segundo o IBGE, ficaram com a cebola, que teve alta de 7,94%, o leite longa vida, com avanço de 5,36%, e o café moído, com 3,42%.
Dicas para se proteger contra os preços altos
Contra a inflação dolarizada, é difícil que o consumidor consiga se proteger, já que boa parte dos produtos consumidos no Brasil são importados — ou, pelo menos, produzidos a partir de matérias-primas importadas e negociadas em dólar.
No entanto, André Colares, presidente da Smart House Investments, destaca que, sendo os alimentos uma das principais pressões inflacionárias atualmente, algumas estratégias podem ser adotadas para que o consumidor tente desviar dos preços mais altos.
A dica mais importante, segundo o especialista, é priorizar as compras realizadas em supermercados de atacarejo no lugar de mercados menores, de bairros. Por terem uma quantidade muito maior de produtos, os atacarejos conseguem praticar preços menores e até repassar a inflação com menor intensidade.
Colares também aconselha o consumidor a estocar produtos não perecíveis, de modo a não sentir o avanço dos preços no mês a mês. Por exemplo: comprar pacotes de arroz e feijão para passar dois a três meses, em vez de apenas um.
Thiago Godoy, líder de educação financeira da Rico Investimentos, fala ainda sobre a estratégia de escolher o dia certo para realizar as compras, tendo em vista que os preços podem variar a depender da data. Segundo ele, a tendência é que os preços sejam maiores no começo do mês, quando as pessoas recebem o salário, do que na metade, próximo ao dia 15.
Antes de colocar isso em, prática, porém, é importante fazer pesquisas de preço, que podem ser realizadas pela internet ou presencialmente nos mercados. Godoy recomenda que o consumidor confira os preços do produto que precisa comprar e anote em algum lugar de fácil acesso, para que seja possível checar sempre que necessário.
Assim, fica mais fácil — e mais efetivo — comparar quais locais e datas são mais vantajosos para fazer as despesas. Isso tudo é válido principalmente para os alimentos, mas as mesmas dicas também podem ser usadas para qualquer tipo de compra.
A alta acentuada do dólar, sobretudo nas últimas semanas, quando chegou a ultrapassar os R$ 5,40, se deve a dois principais fatores:
o quadro de política monetária nos Estados Unidos, com juros ainda altos;
a situação fiscal brasileira, com cada vez mais dúvidas sobre a capacidade do governo de reduzir suas despesas.
1️⃣ Juros nos Estados Unidos
A política monetária nos Estados Unidos continua mais restritiva e as taxas, elevadas. Atualmente, os juros norte-americanos estão entre 5,25% e 5,50% ao ano e, de acordo com a ferramenta FedWatch, da CME, que mede a expectativa dos participantes do mercado sobre as taxas no país, a maioria dos investidores acredita que uma queda nos juros só deve começar no último trimestre do ano.
Isso porque a economia norte-americana continua forte, com um mercado de trabalho aquecido e com dinheiro na mão da população. Isso faz com que o consumo não tenha uma redução tão acentuada e a inflação continue pressionando o Fed a manter os juros elevados por mais tempo.
Taxas de juros altas nos Estados Unidos, que é a maior economia do mundo, explica André Colares, fazem com que os investidores migrem seus investimentos para os títulos públicos do país (considerados os mais seguros e que têm a rentabilidade atrelada às taxas do Fed), o que retira dinheiro de mercados de risco, como o Brasil, e fortalece o dólar ante outras divisas.
2️⃣ Riscos no Brasil
A migração dos investidores para os Estados Unidos é intensificada, no caso do Brasil, por um aumento na percepção de risco fiscal no país. Especialistas destacam que o mercado não confia que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) será capaz de reduzir as despesas e, com isso, aumentam as incertezas sobre a capacidade da União de arcar com suas contas.
Em abril, o governo mudou a meta fiscal brasileira e propôs déficit zero em 2025, em vez de superávit de 0,5% projetado anteriormente.
“A percepção de risco fiscal elevado e a alteração da meta fiscal para 2025 provocaram deterioração nas expectativas, contribuindo para a volatilidade do mercado e restritas expectativas de cortes nas taxas de juros, essencialmente limitando o apelo de investimentos no país”, pontua André Colares.
A cautela com o cenário fiscal também tem reduzido as expectativas de cortes da Selic, taxa básica de juros da economia brasileira, nas próximas reuniões do Banco Central do Brasil. Em seu último encontro, o Comitê de Política Monetária (Copom) reduziu o ritmo de cortes na taxa Selic: a redução foi de 0,25 ponto percentual, a 10,5% ao ano, depois de uma série de quedas de 0,50 ponto percentual.
Segundo o analista de investimentos Vitor Miziara, essa expectativa de juros maiores do que as projeções apontavam anteriormente, combinada à deterioração do quadro fiscal, aumentam a visão de que haverá um menor investimento em produção no país.
Isso porque taxas elevadas encarecem a tomada de crédito para empresas e população, e resultam na menor oferta de bens — o que também desvaloriza a moeda nacional em relação ao dólar, explica Miziara.
Isso, junto aos problemas nas safras por questões climáticas, é o combo perfeito para pressionar a inflação nos próximos meses.
Estudo da Serasa e Opinion Box ainda mostra que para 11% da população estas contas pesam mais e compromete até 40% da renda mensal. Conta de luz é a maior preocupação
Uma pesquisa a Serasa com o instituto Opinion Box revela que metade dos brasileiros (50%) compromete até 10% da renda mensal com o pagamento das contas de água, luz e gás. No entanto, para 11% da população essas contas pesam mais e comprometem até 40% do orçamento mensal.
O estudo ainda revela que o pagamento dessas contas básicas é feito por apenas uma pessoa em 63% dos lares, enquanto em 37% os valores são divididos pela família. Entre os entrevistados, que foram 3.386 entre 16 e 27 de maio desse ano, a conta de luz é a mais citada como a principal a ser paga devido à possibilidade de corte do fornecimento após dois meses de atraso.
Apesar disso, os pagamentos de energia elétrica são os que tem mais atrasos (12%), seguido de água (9%), e do gás encanado (1%).
Os principais motivos para atrasos citados foram a falta de dinheiro e a priorização de outras contas. Isto para as contas de energia e água. Quanto ao gás a falta de planejamento foi o mais indicado.
No ano anterior, o desemprego estava na base da inadimplência dessas contas básicas, aponta o Serasa.
Recentemente, a tragédia que culminou na morte de um jovem empresário de 27 anos reacendeu as discussões sobre o papel dos influenciadores digitais. O procedimento estético que causou o óbito era frequentemente divulgado nas redes sociais por uma figura com grande reputação online. Esse incidente destaca um problema recorrente no ambiente digital: a construção de uma imagem positiva nem sempre reflete a realidade. Afinal, a internet é uma “ilha da fantasia”?
A internet não é uma ilha da fantasia. Ela é um shopping center. Ela é também um centro comercial e um prédio gigantesco de lojas, consultórios médicos, seitas, onde a gente compra remédios, drogas, procedimentos estéticos e receitas milagrosas. A internet é negócio, e ponto final.
E, nessa esteira, influenciador não é guru. Nem político, nem jornalista. Influenciador é o mercador da internet. Ele é o cara que vende ideias, crenças, opiniões, estratégias, likes, e tudo mais, inclusive coisas que não deveriam ser ofertadas da maneira que são.
O episódio da morte do empresário Henrique Chagas chama novamente a atenção para a indústria da beleza no Brasil, uma máquina de fazer dinheiro como em nenhum outro lugar do mundo. Os dados mostram que os procedimentos invasivos já são maioria no mundo da renovação estética, e isso é um problema porque banaliza uma prática que deveria ser o último recurso. Hoje, meninas de 18 anos estão recorrendo a botox, peeling e injetáveis, e até que ponto isso tem a ver com a internet?
Eu acredito que os brasileiros sempre tiveram muita preocupação com o físico, mas os filtros e truques tecnológicos da rede colocaram os patamares da beleza globalizada em níveis inatingíveis, não é, Beth? De quem é a culpa por essa saga a que os jovens e mesmos as gerações anteriores se dedicam em busca de uma juventude eterna?
A culpa é da sociedade, pelos valores que cultua, e a rede social tem uma forte responsabilidade no reforço a esses valores, porque as crianças se tornaram uma das principais consumidoras da rede. E essas crianças crescem influenciadas por padrões estéticos nas redes sociais que mostram uma mágica que distorce a realidade: a dos filtros de beleza e o impacto que isso provoca nas pessoas.
Uma vez, um social media me disse: “você não tem ideia de como a internet é superficial”.
Na China, o TikTok prioriza conteúdo educativo. E olha que não temos democracia na China, mas há uma percepção de que essas mídias moldam a cultura, impactam comportamento, mexem com a cabeça das pessoas.
Na falta de uma política pública mais veemente para transformar rede social em uma rede com conteúdo educativo, a gente mira para os influenciadores e a atratividade que exercem. Muitas vezes, eles são percebidos como verdadeiros formadores de opinião, o que pode induzir seus seguidores a tomar decisões arriscadas que comprometem sua vida, saúde ou segurança.
Atualmente, estima-se que o mercado de influência digital valha cerca de 21,3 bilhões de dólares, com o Brasil liderando esse mercado. Cerca de 70% das marcas brasileiras já utilizam marketing de influência, uma prática ainda não regulamentada de maneira efetiva. Diferente da visão romântica de que influenciadores poderiam ser comparados a jornalistas informais, hoje eles devem ser vistos quase como anunciantes, vendendo produtos e serviços, mas com o poder adicional de influenciar milhares por meio de uma relação de confiança com seu público.
No entanto, é crucial reconhecer que a falta de regulamentação sobre a transparência, a veracidade das recomendações e o claro reconhecimento de publicidade paga são problemas significativos. A advogada Ana Frazão, ao analisar o papel dos influenciadores digitais aponta que muitos dos conteúdos compartilhados por influenciadores são, de fato, publicidades disfarçadas de opiniões desinteressadas.
Afinal, essa realidade não coloca em risco a autenticidade e a segurança dos consumidores?
Vários países já estão avançando na regulamentação da atividade dos influencers justamente para combater esse efeito. A lei francesa, por exemplo, tem sido apontada como referência e impõe obrigações de transparência e informação com multas por descumprimento.
Nos Estados Unidos, os conteúdos pagos devem ser identificados. Por outro lado, os usuários devem cultivar uma visão crítica e entender que, na internet, tudo é interesse, e tudo é dinheiro. Alguém está ganhando e as promessas de soluções fáceis são, em sua maioria, falsas. Mentirosas mesmo. Fake news. Basicamente.
Com a inteligência artificial, esse cenário se complica, pois quem vai responder por uma campanha enganosa se o influencer é um avatar? E mais: quem responsabilizar: o influencer, o anunciante e também o dono do produto?
Não sejamos ingênuos: não podemos responsabilizar a pessoa enganada por ter sido enganada. A gente tende a acreditar no que vê, e isso é positivo. Porém, é preciso o Estado investir em educação digital, a começar nas escolas; tirar os celulares das mãos das nossas crianças e aprovar a regulação das plataformas digitais, em tramitação nesta Casa, para coibirmos as promessas falsas na rede, a mercantilização da saúde e as atitudes irresponsáveis e até mesmo dolosas de pessoas que só pensam no lucro, mas se esquecem da saúde pública e do valor da vida humana.
Mandem suas críticas e sugestões para o programa Papo de Futuro e nos acompanhe nas redes sociais.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.
AUTORIA
BETH VELOSO Doutoranda pela Universidade do Minho, em Portugal, e mestre em Políticas de Comunicações pela University of Westminster, na Inglaterra. É jornalista e atua como consultora legislativa da Câmara, nas áreas de Comunicação, Informática, Telecomunicações e Ciências da Comunicação. Tem especial interesse nos temas de regulação da internet, capitalismo digital e capitalismo de vigilância.
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) produziu um parecer técnico sobre o PL 1904/2024, que proíbe a prática do aborto após as 22 semanas mesmo em gravidez decorrente de estupro, apontando para a inconstitucionalidade da proposta que tramita na Câmara dos Deputados. De acordo com as signatárias, o texto viola tanto princípios constitucionais básicos, como a laicidade do Estado e a vedação à tortura, quanto elementos mais específicos do Direito Penal, como a proporcionalidade e a humanidade das penas (desça na reportagem para ler na íntegra).
O parecer foi elaborado por representantes de cinco comissões da OAB, incluindo a Comissão Nacional de Direitos Humanos e a Comissão Especial de Direito da Saúde, bem como a ouvidora-geral da Ordem, Katianne Aragão. Além da preocupação a respeito do mérito do projeto, o documento ressalta o entendimento de que sua tramitação sofre de vício formal, tendo em vista que o requerimento de urgência foi aprovado sem que antes o texto fosse apreciado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados.
Na prática, o PL 1904/2024 equipara todos os abortamentos realizados em condição de “viabilidade fetal” ao crime de homicídio simples, e presume esta viabilidade a partir da 22ª semana. O próprio estabelecimento desse prazo foi visto com preocupação pela OAB. “O PL não se preocupou com a possibilidade de uma descoberta tardia da gravidez, fenômeno comumente percebido nos lugares mais interioranos dos Estados brasileiros, ou ainda, com a desídia Estado na assistência médica em tempo hábil, tornando-se mais fácil delegar tudo à tutela do Direito Penal”, aponta o parecer.
A adoção de uma pena equivalente à de homicídio a uma vítima de estupro, segundo as signatárias, “é capaz de ostentar características de penas cruéis e infamantes”, além de incorrer no risco de resultar na prática de tortura ao obrigar mulheres e meninas a dar continuidade a uma gravidez forçada. As autoras do parecer ainda chamam atenção para o fato de a pena para estupro ser menor do que para homicídio, o que “não se coaduna com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade da proposição legislativa, além de tratamento desumano e discriminatório para com as vítimas de estupro”.
Outro princípio constitucional citado como violado pelo projeto é o da vedação ao retrocesso, o que pode inclusive resultar em insegurança jurídica no futuro, tendo em vista que o tema acabaria se tornando motivo de atrito na Justiça. “Neste aspecto, conclui-se que o retrocesso proposto no aludido PL aponta para a inequívoca corrosão do estado democrático de direito, também, pela via de ameaça à segurança jurídica e ao ordenamento jurídico, visto que está em xeque direitos adquiridos de meninas e mulheres”.
O parecer acrescenta que o direito à segurança também é violado no PL do Aborto, “uma vez que impõe às vítimas o pesado ônus de, além de lidar com as consequências das falhas do próprio Estado ao não lhes garantir o direito à segurança cidadã, conforme previsão em nosso ordenamento, serão penalizadas com a manutenção forçada da gestação ou aplicação grave pena de prisão”.
Confira a seguir a íntegra do parecer:
Pedido de devolução
Além do parecer da OAB, também foi apresentado à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados um requerimento, apresentado pelas deputadas Fernanda Melchionna (Psol-RS) e Sâmia Bomfim (Psol-SP), solicitando a devolução PL do Aborto ao autor, também sob alegação de se tratar de matéria inconstitucional.
As deputadas destacam que, ao se impor o prazo de 22 semanas para a realização do aborto nas formas previstas em lei, na prática o resultado é a discriminação entre pessoas com condições maiores ou menores de acessar o serviço de saúde, violando assim os direitos constitucionais à igualdade e não-discriminação. “Esse ato discriminatório incide em uma população especialmente vulnerabilizada e que já enfrenta uma série de obstáculos para o acesso ao direito, que vão desde a dificuldade no rompimento do ciclo da violência à frequente suspeição de seus testemunhos por parte dos profissionais de saúde”, argumentam.
As autoras também reforçam o entendimento apresentado no parecer da OAB de que a imposição para que vítimas de estupro deem continuidade à gravidez, na prática, configura uma “continuação da violência”, transformando-se em uma forma de tortura.
Confira a seguir a íntegra do pedido:
AUTORIA
LUCAS NEIVA Repórter. Jornalista formado pelo UniCeub, foi repórter da edição impressa do Jornal de Brasília, onde atuou na editoria de Cidades.
Está na pauta desta terça-feira (18), na CCJ (Comissão de Constituição Justiça) da Câmara dos Deputados, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 18/11, que permite o trabalho em tempo parcial para crianças a partir de 14 anos de idade.
A proposta é de autoria do deputado Dilceu Sperafico (PP-PR) e tem como relator o deputado Gilson Marques (Novo-SC), que ofereceu parecer pela admissibilidade do texto.
Caso seja aprovada pelo colegiado, em seguida vai ser analisada em comissão especial, que debate e vota o mérito do texto que for chancelado pela CCJ.
A reunião do colegiado está prevista para começar às 10h, no plenário 1, do anexo 2, da Câmara dos Deputados.
Autonomia do BC em debate na CCJ do Senado
A CCJ (Comissão de Constituição Justiça) do Senado realiza, nesta terça-feira (18), audiência pública destinada a instruir a PEC 65/23, do senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO) e outros autores, que “dispõe sobre o regime jurídico aplicável ao Banco Central”.
Grosso modo, a proposta transforma o BC em empresa pública, com independência orçamentária e financeira. Com isso, a PEC está pronta para a pauta de votação no colegiado.
De acordo com o relator, o parecer favorável à PEC da autonomia orçamentária do BC recebeu alterações, na forma de texto alternativo ou novo — substitutivo —, que aprimoram a proposta original e afastam preocupações dos sindicatos, como a manutenção de estabilidade dos servidores e garantias para aposentados e pensionistas, com a mudança do regime jurídico atual de autarquia para empresa pública. Mesmo sob as regras da CLT, fica vedada a demissão imotivada e mantidas as regras de aposentadoria atuais, segundo Plínio.
O senador Plínio foi autor do projeto — PLP 19/19 — que deu origem à lei de autonomia operacional do BC. Para ele, a autonomia orçamentária e financeira seria “a segunda fase de modernização” da autoridade monetária.
Entre os convidados estão ex-presidentes do BC, além do procurador da instituição e atuais diretores da autoridade monetária do Brasil.
A reunião, que vai ser transmitida, e ocorre no anexo 2, da ala Senador Alexandre Costa, no plenário 3, às 10h.
CÂMARA DOS DEPUTADOS
COLEGIADOS TEMÁTICOS
ADMINISTRAÇÃO E SERVIÇO PÚBLICO
Anistiados
De autoria dos deputados Erika Kokay (PT-DF) e Rogério Correia (PT-MG), colegiado realiza audiência pública, nesta segunda-feira (17), para debater a situação dos anistiados celetistas abrangidos pelo Decreto 6.657/08.
Entre os convidados, representantes do MGI (Ministério da Gestão e Inovação) e da AGU (Advocacia Geral da União).
A reunião vai ser no plenário 8, da Câmara dos Deputados, às 16h.
CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA
Ocupação de propriedade privada
Retorna à pauta, o PL 8.262/17, do ex-deputado André Amaral (MDB-PB), que autoriza o uso das forças de segurança para a liberação de terras privadas em caso de ocupação. O parecer do relator, deputado Dr. Victor Linhalis (Podemos-ES) é pela constitucionalidade da matéria.
Trabalhadores por aplicativo
Também consta na pauta o PL 3.539/23, que dispõe sobre medidas de proteção contra violência física, psicológica, patrimonial e moral ao entregador de aplicativo em serviço. De autoria do deputado Emanuel Pinheiro Neto (MDB-MT), o projeto tem parecer favorável do relator, deputado Kim Kataguiri (União-SP).
Regulação dos movimentos sociais
Está na pauta também desta semana, o PL (Projeto de Lei) 4.183/23, de vários autores, que dispõe sobre a aquisição de personalidade jurídica para regular funcionamento dos movimentos sociais e populares. O projeto tem parecer pela constitucionalidade do deputado Alfredo Gaspar (União-AL).
O colegiado se reúne, nesta quarta-feira (19), às 10h, no plenário 1, do anexo 2, da Câmara dos Deputados.
INDUSTRIA, COMÉRCIO E SERVIÇO
Seguro-desemprego
Colegiado pode votar o PL 323/24, que dispõe sobre a concessão de seguro-desemprego ao empregado demitido sem justa causa, que integre sociedade empresarial ou seja microempreendedor. De autoria do deputado Jonas Donizette (PSB-SP), o projeto tem como relator o deputado Delegado Ramagem (PL-RJ) e o parecer dele é pela aprovação da matéria, na forma de substitutivo — novo texto.
Trabalho por aplicativo
Consta na pauta do colegiado o PL 606/24, que dispõe sobre a obrigatoriedade de as plataformas de entrega por aplicativo fornecerem assistência jurídica e psicológica integral aos entregadores em casos em que forem vítimas de violência no exercício da atividade ou em razão dessa. A proposta é de autoria da deputada Erika Hilton (PSol-SP) e o relator no órgão é o deputado Mauricio Marcon (Pode-RS), cujo parecer pela rejeição da matéria.
A comissão se reúne, nesta terça-feira (18), às 14h30, no plenário 5, do anexo 2 da Casa.
GRUPO DE TRABALHO
REFORMA TRIBUTÁRIA
Regulamentação da EC 132/23 em fase de audiências públicas
Até o momento, o GT (Grupo de Trabalho) da Câmara dos Deputados, que discute a regulamentação da Reforma Tributária – PLP 68/24 – realizou 15 audiências públicas. Texto trata do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), federal.
A previsão ou tendência é que votação do projeto na Casa seja depois do recesso parlamentar — de 18 de julho a 1º de agosto.
Restam ainda 7 audiências: 5 nesta semana e outras 2 na seguinte — dias 24 e 25. Nesta segunda-feira (17), está prevista reunião entre os 7 membros que compõem o GT para a realização de balanço do que foi discutido até agora. A ideia é divulgar o relatório prévio até 4 de julho para tentar votá-lo no plenário da Câmara antes do recesso.
O prazo é muito curto e a chance de adiamento não pode ser descartada. Vale lembrar que se trata de projeto complexo, com cerca de 500 artigos. Para aprovar o texto, são necessários, pelo menos, 257 votos favoráveis, em 2 turnos de votações. A preocupação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é que se a votação ficar para depois, o calendário eleitoral pode prejudicar o cronograma. Entre 20 de julho e 5 de agosto ocorrem as convenções partidárias para a escolha de candidatos e coligações com vistas às eleições municipais de outubro. Dia 14 de agosto, começa a propaganda eleitoral. Cerca de 100 parlamentares devem concorrer ao pleito. Lira espera encerrar o mandato à frente da Câmara concluindo a votação do texto.
Além da eleição, a Reforma Tributária pode ser afetada pelo debate sobre a desoneração da folha. Em discussão no Senado, o assunto pode chegar à Câmara em julho e afetar o calendário pretendido por Lira.
Após passar pela Câmara, o projeto ainda será submetido ao Senado. É pouco provável que o texto não tenha modificações. Ou seja, deve retornar para a análise dos deputados. Embora a tendência seja de aprovação, não se pode descartar que a conclusão da votação fique para 2025.
SENADO FEDERAL
AGENDA DO PRESIDENTE
Pacheco se reúne com governadores; na pauta, dívida dos estados
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se reúne com governadores, nesta segunda-feira (17), para discutir proposta sobre a renegociação da dívida dos estados com a União. Depois, terá reunião com o presidente Lula (PT) para tratar sobre a matéria.
Pacheco deverá apresentar PLP (Projeto de Lei Complementar) sobre o assunto. A ideia é votar o texto no Senado antes do recesso, que começa dia 18 de julho. Uma vez aprovado pelo Senado, o projeto segue para a análise da Câmara. Por se tratar de PLP, é necessário o apoio de 41 votos no Senado e 257 na Câmara.
O presidente defende que os estados possam ter desconto no montante global da dívida a partir da quantia paga à vista — seja em dinheiro, seja em créditos a receber, seja em participação em estatais —, por exemplo. O Ministério da Fazenda concorda com a proposta.
Outro ponto é a mudança do indexador do reajuste (hoje é IPCA + 4%).
COLEGIADOS TEMÁTICOS
ASSUNTOS ECONÔMICOS
Linha oficial da pobreza
Está na pauta da CAE (Comissão de Assuntos Econômicos), o PL 350/21, que institui a linha oficial de pobreza e estabelece que o governo federal deverá definir metas progressivas de erradicação da pobreza e diminuição das desigualdades socioeconômicas. De autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), a proposta tem parecer favorável da senadora Janaína Farias (PT-CE).
O colegiado se reúne, nesta terça-feira (18), às 10h, no anexo 2, da ala Senador Alexandre Costa, no plenário 19.
DIREITOS HUMANOS E LEGISLAÇÃO PARTICIPATIVA
Licença-paternidade
Órgão temático pode votar o PL 3.773/23, que dispõe sobre a licença-paternidade, nos termos do art. 7º, inciso XIX, da Constituição, cria o salário parentalidade, permite a permuta entre pais e mães dos períodos de licença-paternidade e de licença-maternidade e altera a CLT, a Lei 8.212, de 24 de julho de 1991 (Seguridade Social), a 8.213, de 24 de julho de 1991 (Planos de Benefícios da Previdência Social), e a 11.770, de 9 de setembro de 2008 (Programa Empresa-Cidadã).
De autoria do senador Jorge Kajuru (PSB-GO), a proposta tem parecer favorável da relatora, senadora Damares Alves (Republicanos-DF).
A comissão se reúne, nesta quarta-feira (19), às 11h, no anexo 2, da ala Senador Nilo Coelho, no plenário 2.
BANCO CENTRAL
Copom decide juros e tendência é manter Selic em 10,50%
Nesta terça (18) e quarta-feira (19), o Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central se reúne para decidir a taxa básica de juros. Hoje a Selic está em 10,50% ao ano.
Sob a lógica da maioria do colegiado pró-mercado, o crescimento além do esperado do volume de serviços em abril indica a perspectiva de manutenção da taxa. Também a alta do dólar e o aumento da expectativa da moeda americana são fatores que reforçam essa tendência.
Na última reunião do Copom, causou muito ruído no mercado a divisão do colegiado: 5 votos pela redução de 0,5 ponto percentual; e 4 a favor de 0,25.
Outro ponto que gerou especulações foi o fato de a defesa pelo corte maior ter sido defendida pelos indicados por Lula. Por essa razão, parte do mercado avalia que decisão unânime a favor da manutenção seria positiva.
Para o pesquisador e analista político, o atual governo não enfrenta as grandes questões do século e está totalmente cooptado pelo Congresso, a julgar por suas propostas e decisões
Por: Baleia Comunicação | 17 Junho 2024
O governo Lula III viveu na última semana aquele que talvez tenha sido a pior desde a posse, em janeiro de 2023. Ainda que a crise deste período estivesse contratada, considerando que seria previsível que Arthur Lira jogasse duro nos últimos meses de seu mandato, foi o próprio Executivo Federal que teceu a rede em que enredou. A greve dos professores das universidades e dos institutos federais revelou de forma cristalina as contradições da atual gestão.
“Eu queria só entender o que o governo acha que fez de diferente com o movimento sindical em relação aos professores, porque eu vejo o mesmo tom. No período de avanço da extrema-direita no governo, o PT recuou, os professores também, porque iam perder o emprego, iam ser presos”, pondera Rudá Ricci, em entrevista por telefone ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Quando se observam as escolhas feitas pelo governo Lula III, fica claro que, para além do discurso, a escolha não são os mais pobres. “O governo fez uma opção e não é a área social, mas o mercado, principalmente o mercado financeiro, cambial, não é nenhum setor produtivo. Esse governo é o pior dos três governos Lula, é o mais desorientado e é o mais alinhado à direita”, problematiza.
O desafio diante de tantas contradições está em fazer o governo perceber seus erros e sair de uma zona restrita ao discurso e avançar pragmaticamente. “Não estou dizendo que precisamos ser contra o governo, estou dizendo que precisamos ter uma leitura clara do que estamos fazendo e vivendo. Porque o Lula, no início da gestão no ano passado, disse, em vários encontros de movimentos sociais, que os movimentos sociais tinham que pressioná-lo, porque a direita pressionava. Os movimentos estão pressionando e ele não muda nada. Então, aquilo era só discurso”, reitera Ricci. “O governo foi capturado pela direita e pelo Congresso; ele não está negociando, ele foi capturado, está à mercê. E a sociedade brasileira precisa reagir, até para recuperar o antigo Lula, porque esse Lula está capturado pela direita – é isso que estou dizendo”, complementa.
Rudá Ricci (Foto: Ricardo Machado | IHU)
Rudá Riccié graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição. É diretor geral do Instituto Cultiva, professor do curso de mestrado em Direito e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara. É autor de Terra de ninguém(Unicamp, 1999), Dicionário da gestão democrática(Autêntica, 2007), Lulismo (Fundação Astrojildo Pereira/Contraponto, 2010) e coautor de A participação em São Paulo(Unesp, 2004), entre outros.
Confira a entrevista.
IHU – A eleição de Lula no último pleito contou com amplo apoio dos profissionais da educação, especialmente docentes das Universidades e dos Institutos Federais. Diante dos impasses colocados pela greve federal, é possível afirmar que o governo virou as costas para a categoria?
Rudá Ricci – Claro. É evidente. E ele vai pagar caro por isso. Aliás, o governo estimulou uma disputa nas representações sindicais nesse período. Por exemplo, para falamos em relação aos professores universitários, o Sindicato de Professores e Professoras de Instituições Federais de Ensino Superior e de Ensino Básico Técnico e Tecnológico –Proifes e o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior –Andes tiveram as suas negociações fragmentadas. Dirigentes do Ministério da Educação, como o [José Lopez] Feijóo, estimulou ainda mais um ataque ao Andes, dizendo que havia interesse partidário radicalizado. A mesma coisa com relação ao setor administrativo da educação, que os técnicos também estavam em greve e estavam pedindo um reajuste que não tinham há seis anos.
Esse pessoal que está no governo começou a estimular nas redes sociais que os professores são uma elite, que estão cuspindo no prato, que não merecem reajuste e questionando por que razão não fizeram greve durante o período do Bolsonaro – Rudá Ricci
Esse pessoal que está no governo começou a estimular nas redes sociais que os professores são uma elite, que estão cuspindo no prato, que não merecem reajuste e questionando por que razão não fizeram greve durante o período do Bolsonaro. Eu queria entender o que o PT fez durante o governo Bolsonaro, se ele avançou como ele está falando que o movimento sindical tinha que avançar, se o PT convocou manifestação ou se recuou a ponto de se aliar à direita, como é o caso do Arthur Lira. Eu queria só entender o que o governo acha que fez de diferente com o movimento sindical em relação aos professores, porque eu vejo o mesmo tom. No período de avanço da extrema-direita no governo, o PT recuou, os professores também, porque iam perder o emprego, iam ser presos.
Há uma maldade nessa condução da informação do governo em relação à greve junto à grande imprensa. Há uma maldade que eu nunca vi antes, em governos de centro-esquerda no Brasil, é algo inédito, difícil de explicar.
IHU – Como compreender a postura, no mínimo paradoxal, de ministros que são professores – Camilo Santana (Educação), Fernando Haddad (Fazenda), Esther Dweck (Gestão e Inovação) –, aparentemente insensíveis à pauta dos docentes em greve das Universidades e dos Institutos Federais?
Rudá Ricci – Esses ministros, em especial Camilo Santana e o Haddad, são políticos liberais de centro e centro-direita no que diz respeito à política educacional. O Haddad, quando foi ministro da Educação, a despeito da propaganda feita, liderou um retrocesso imenso na educação brasileira. Eu vou citar o retrocesso – inclusive debati com ele naquele período.
O primeiro, e, talvez, mais importante retrocesso, é que ele vinculou toda a educação brasileira às avaliações externas. Quanto à educação básica relativa ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – Ideb e ao Exame Nacional do Ensino Médio – Enem; ele transformou o Enem. Em relação ao ensino universitário, ele trouxe o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes – Enade.
Tudo aquilo o PT sempre pregou na educação, baseado em Paulo Freire, o Haddad destruiu. Não é que ele articulou ou somou, na verdade ele destruiu a política educacional que era tradição do PT – Rudá Ricci
Essas avaliações são quantitativas, focadas em metas governamentais que não se preocupam em nada com a identidade do aluno. Ou seja, tudo aquilo o PT sempre pregou na educação, baseado em Paulo Freire, o Haddad destruiu. Não é que ele articulou ou somou, na verdade ele destruiu a política educacional que era tradição do PT.
A diferença básica é que quando se pensa em educação humanística, a preocupação está voltada para a situação de vida e os conhecimentos prévios dos alunos. Por exemplo, o aluno que passa fome: não adianta imaginar que terá um Ideb alto porque isso é um ponto fora da curva; aluno que sofre bullying, violência ou tem problema de saúde mental na família, o impacto é direto. Isso tudo que estou falando é resultado de pesquisas de, pelo menos, cinquenta anos na área educacional, da psicologia e da neurologia. O Haddad simplesmente abandonou esse debate. E na virada o século XX para o XXI o Brasil discutia e avançava muito aceleradamente.
Lembro que as reformas educacionais estaduais, por exemplo, de Minas Gerais, de São Paulo com a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas – CENPE, do Rio Grande do Sul nas redes municipais, todas essas reformas adotaram concepções latinas de educação, como as reformas da Espanha, de Portugal e assim por diante. O ministro Haddad destruiu isso e trouxe a concepção administrativista dos Estados Unidos.
[A concepção de educação do governo Lula] trata-se de uma inversão básica de qualquer concepção progressista. E joga no lixo autores clássicos da concepção educacional brasileira, como Anísio Teixeira, Paulo Freire, Darcy Ribeiro e Florestan Fernandes – Rudá Ricci
Para não me delongar mais, essa concepção foi rejeitada nos EUA, gerou um fracasso total do ponto de vista pedagógico. Há um livro publicado no Brasil, da principal orientadora dessa política dos EUA, do Ideb com premiação de notas por escola, que é Diane Ravitch. Ela publicou um livro [Vida e morte do grande sistema escolar americano (Sulina, 2011)] no Brasil dizendo o que foi esse fracasso, detalhando-o. Ela diz que o grande problema das avaliações externas é que os professores são obrigados a ensinar truques para os alunos ficarem experts em testes, mas eles não desenvolvem a inteligência. Pelo contrário, inteligência significa a capacidade de tomar decisão – a expressão vem do latim. Ela diz com todas as letras: nós erramos. Mas o Haddad trouxe essa concepção.
O Camilo Santana, por sua vez, é vinculado à maior empresa que vem investindo para capturar fundos públicos da educação brasileira, que é a Fundação Lemann, que tem a concepção mais atrasada da educação da América inteira. Então, não tem como achar, porque é um governo Lula, que os ministros, porque foram da Educação, terão têm uma visão avançada. Eles têm uma visão muito atrasada do ponto de vista pedagógico e gerencial, que não considera a vida do aluno, da família e do professor. Aliás, ele coloca quase sempre a culpa nos três. A culpa do Ideb estar baixo é do aluno, tem que ter aulas de reforço, do professor, que não pode ganhar nenhuma premiação, da escola. Isto é, trata-se de uma inversão básica de qualquer concepção progressista. E joga no lixo autores clássicos da concepção educacional brasileira, como Anísio Teixeira, Paulo Freire, Darcy Ribeiroe Florestan Fernandes. Estamos vivendo um atraso acelerado e gerações vão pagar por isso.
IHU – O que a postura de Lula, especialmente na reunião de 10 de junho, em relação aos grevistas e à greve das universidades, demonstra da conexão governista com a realidade concreta?
Rudá Ricci – Demonstra que o governo fez uma opção política e de classe. Veja: um ministro que é indiciado – não é que há algum tipo de dúvida, ele já está indiciado por corrupção –, e que é da direita, tem uma segunda chance no governo pelas palavras do próprio presidente Lula. E o movimento sindical não tem uma segunda chance, é colocado na parede. Então, está claro qual é a opção. Temos que ver qual é o reajuste da área educacional e qual é o reajuste que temos em outras áreas, como a policial e militares; ele já fez uma opção, não há dúvida.
O ministro Haddad acaba de falar que vai segurar o valor de reajuste do orçamento da Saúde e da Educação em 2,5%. Fizeram isto em relação ao Plano Safra para o agronegócio? Não. O governo fez uma opção de classe.
O governo fez uma opção e não é a área social, mas o mercado, principalmente o mercado financeiro, o câmbio, não é nenhum setor produtivo – Rudá Ricci
IHU – O senhor postou na rede social X (ex-Twitter) dizendo que a fala de Lula sobre a greve nas universidades radicaliza a ruptura com todo o ideário petista. O que isso significa em termos práticos?
Rudá Ricci – Significa que a atual direção petista está em uma saia justa. Lembremos que a Gleisi Hoffmann liderou uma crítica à política econômica no começo do ano e foi calada pelo ex-ministro José Dirceu. E significa, portanto, que o governo Lula e o lulismo vão tentar derrubar essa ala, mesmo sendo da corrente majoritária que dirige o PT. Eles vão colocar alguém que é muito mais afeito e maleável às opções do governo federal; eu não tenho dúvida. Esse é o processo interno que muitas vezes a imprensa não vê, mas quem está nos bastidores enxerga.
Os conservadores nunca foram imorais e essa proposta do PL do Estupro é absolutamente imoral, desumana – Rudá Ricci
IHU – Em 2013, Haddad era prefeito de São Paulo quando autorizou o aumento das passagens do transporte municipal em R$ 0,20, o que acabou desencadeando o movimento estudantil – Passe Livre – com uma força avassaladora. À época, ele ignorou os insatisfeitos e os resultados foram as chamadas “Jornadas de Junho”. O Haddad de 2024 está repetindo o Haddad de 2013 ao ignorar a questão da greve docente federal? É possível prever as consequências?
Rudá Ricci – Prever não; na política e na sociologia não fazemos previsão. O que dá para aprender com o passado é que, primeiro, o Haddad não mudou em nada e não aprendeu com 2013. E, em segundo lugar, o que aconteceu na quarta-feira, que foi uma mobilização à noite das mulheres contra o PL do Estupro [PL 1.904/2024] em várias capitais, como Brasília e São Paulo, pode sugerir – não que o que aconteceu em 2013 se repita – que o clima de revolta com o avanço de uma leitura e uma política de direita no Brasil mudou; é uma novidade.
Eu já fui governo, inclusive governo do PT, e posso dizer claramente que, se acontecesse algo dessa natureza naquela época, haveria uma reunião de secretariado, indicando que algo estaria errado. Lembrando que o Haddad não se reelegeu prefeito de São Paulo por causa dessas posturas e perdeu voto na periferia; ele não perdeu voto da classe média, mas da periferia paulistana.
A grande questão é o que é um governante que aprende com a vida e com a relação dos governos com as demandas sociais, e o que é um governo que impõe o que ele pensa independentemente das relações adversas. Essa é a questão que está posta para nós.
IHU – Em que sentido o arcabouço fiscal de Haddad mantém o paradigma de subserviência ao financismo e se configura em uma versão “palatável” do teto de gastos aprovado no governo Temer? Em que sentido avança socialmente?
Rudá Ricci – Não tem avanço nenhum em relação ao teto de gastos. Inclusive, o ministro Haddad está ultimamente pautando suas falas pelo valor do dólar, pelo câmbio; a imprensa está divulgando.
Vou ser sincero, eu tenho muita experiência, porque comecei a militar na política com 15 anos e tenho mais de 40 anos de experiência política como dirigente/militante ou como analista político. Essa coisa do Lula falar e o dólar baixar, o Haddad falar e subir, isso tem a ver com instrução de alguém do governo em relação aos editores de economia dos grandes jornais – pode ter certeza –; isso não é espontâneo, é uma articulação.
Esse governo é o pior dos três governos Lula, é o mais desorientado e é o mais alinhado à direita – Rudá Ricci
IHU – Fernando Haddad anunciou que irá propor a Lula a vinculação (ou limitação) do orçamento da Saúde e da Educação ao arcabouço fiscal. O que esse tipo de proposta ilustra sobre a orientação política e econômica do governo?
Rudá Ricci – O governo fez uma opção e não é a área social, mas o mercado, principalmente o mercado financeiro, cambial, não é nenhum setor produtivo. Esse governo é o pior dos três governos Lula, é o mais desorientado e é o mais alinhado à direita. E, não tem nada a ver com o cerco da direita, com uma tentativa de cooptação do Congresso. É exatamente o inverso: o Congresso cooptou esse governo. Ou começamos a ter clareza do que está acontecendo ou vamos ficar nos enganando. Não estou dizendo que precisamos ser contra o governo, estou dizendo que precisamos ter uma leitura clara do que estamos fazendo e vivendo. Porque o Lula, no início da gestão no ano passado, disse, em vários encontros de movimentos sociais, que os movimentos sociais tinham que pressioná-lo, porque a direita pressionava. Os movimentos estão pressionando e ele não muda nada. Então, aquilo era só discurso.
Não estou dizendo que precisamos ser contra o governo, estou dizendo que precisamos ter uma leitura clara do que estamos fazendo e vivendo – Rudá Ricci
IHU – Um outro tema que correlaciona a dimensão econômica e ambiental é a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas, em que Lula afirmou que “não podemos perder a oportunidade”. Em que sentido o governo se mostra, na prática, contrário à urgente transição energética?
Rudá Ricci – É mais uma contradição no discurso, porque na prática não há. O que eu queria entender são os discursos que o presidente Lula fez em todas as viagens, principalmente na Europa ano passado, sobre a questão da transição ecológica e o que ele falou agora sobre a Amazônia [a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas]. Mais do que isso, eu gostaria de saber claramente se essa é a posição da ministra Marina Silva ou da ministra Sonia Guajajara. Ou quero ouvir até a equipe do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Eu conheço esses ministros, de longa data, eles nunca falaram algo parecido com isso.
A novidade é um governo Lula falar isso. É algo estarrecedor. Mais um dado do que o Lula está oferecendo para entendermos por onde vai esse governo, é impossível; é absolutamente nítida a opção que o governo fez. O governo Lula não tem nada a ver com as grandes questões de transformação do século XXI.
IHU – O governo federal organizou o leilão de importação do arroz para garantir o preço do produto. Apesar de ainda não ter estimado as perdas, o setor agrícola gaúcho garante que há estoque para abastecer o mercado nacional. O que significa o gesto do governo?
Rudá Ricci – Essa, talvez, tenha sido a situação mais vexatória do governo nessas últimas semanas. Ele faz um anúncio que levou muita gente a entender que os arrozeiros estavam especulando com a tragédia do Rio Grande do Sul. O governo então anuncia uma política coerente com essa interpretação, anuncia a importação de arroz, o que também deixou quem é da área, como eu, um pouco preocupado. Porque quando há estoque regulador, no caso de arroz, não é necessário importar muito, mas o governo anunciou uma importação altíssima de arroz.
E, no meio do caminho, ficamos sabendo que dentro do Ministério também tinha gente trabalhando em cima da tragédia para favorecimento próprio. É algo estarrecedor, porque não bate com que o governo central fala e a ação concreta dos operadores do ministério. É uma das situações mais vexatórias de um governo que eu vi nos últimos tempos e o governo não explicou, não puniu exemplarmente. Ele simplesmente cancelou e mandou fazer outro processo licitatório para a compra de arroz, agora com a participação da Controladoria-Geral da União e do Ministério Público. Por que não fez antes?
Isso é o que me leva a crer que o governo foi capturado pela direita e pelo Congresso; ele não está negociando, ele foi capturado, está à mercê. E a sociedade brasileira precisa reagir, até para recuperar o antigo Lula, porque esse Lula está capturado pela direita – é isso que estou dizendo.
O que aconteceu foi que a direita – e não foi a extrema-direita, mas é claro que acompanha – liderou uma tentativa de golpe cultural dos valores da sociedade brasileira na surdina – Rudá Ricci
IHU – A urgência do PL que criminaliza as vítimas de estupro, com penas maiores que a dos estupradores, é uma espécie de rifa da saúde de mulheres e meninas por barganha política?
Rudá Ricci – Isso não tem barganha nenhuma. A direita, porque isso não foi a extrema-direita, liderada pelo Arthur Lira, percebeu a conjuntura – tudo isso que estou falando – e decidiu ir para cima da sociedade brasileira e empurrar ainda mais o Brasil para a direita, para o ultraconservadorismo, para o fim da humanismo; é uma disputa de valor, é uma imposição por uma lei de um valor que não é nem conservador. Os conservadores nunca foram imorais, e essa proposta do PL do Estupro é absolutamente imoral, desumana. O que aconteceu foi que a direita – e não foi a extrema-direita, mas é claro que acompanha – liderou uma tentativa de golpe cultural dos valores da sociedade brasileira na surdina, tanto que a votação da urgência da decisão sobre a PL na pauta, quase nenhum deputado entendeu, foi uma manobra da mesa. Não foi da extrema-direita, foi do Arthur Lira. É bom que a gente entenda qual é a disputa que está acontecendo. Por isso que eu digo: o governo Lula está capturado pela direita; ele não está negociando com a direita.