por NCSTPR | 14/06/24 | Ultimas Notícias
Segundo Diogo Santos, a PEC 65/2023 é “mais um passo na criação de um poder paralelo do mercado financeiro dentro do Estado brasileiro”
por Murilo da Silva
Nas próximas semanas a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado pode analisar a PEC 65/2023, que estabelece autonomia orçamentária e financeira ao Banco Central (BC). Este é um passo que amplia o que foi estabelecido pela Lei Complementar 179 ao oferecer uma maior desvinculação junto ao Estado. Na proposta do relator, senador Plínio Valério (PSDB-AM), o BC passaria de autarquia federal vinculada ao Ministério da Fazenda para uma empresa pública, com natureza especial e personalidade jurídica de direito privado.
A proposta tem gerado fortes contestações. Os trabalhadores organizados pelo Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (SINAL), Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef) e Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Federal no Distrito Federal, Sindsep/DF, promoveram uma forte mobilização contra a PEC em frente ao Senado, na última quarta-feira (12), com apoio de Centrais Sindicais, como a CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil), da Federação Nacional Dos Trabalhadores e das Trabalhadoras do Judiciário Federal e Ministério Público da União (Fenajufe), entre outras entidades.
Para explicar as falácias que os apoiadores da PEC tentam justificar e o engodo que o projeto é para o povo brasileiro, o Portal Vermelho falou com o economista e doutorando em Economia pela UFMG, com período de pesquisa na Universidade de Leeds na Inglaterra, Diogo Santos. Confira!
‘BC distante do poder instituído pelo voto’
De acordo com o economista Diogo Santos, ampliar ainda mais a desvinculação do Banco Central ao poder Executivo “não é uma boa coisa” e não é uma situação meramente técnica, como os apoiadores da medida tentam naturalizar.
“A PEC 65/2023 cria uma apropriação pelo BC de recursos que são do Estado brasileiro. Além disso, amplia o risco de pressão externa de agentes econômicos sobre a condução de suas funções. Também blinda o BC das restrições fiscais impostas ao Executivo com o apoio das últimas gestões do próprio banco. Essa proposta também abre brechas para mudanças futuras, como a terceirização da administração das reservas internacionais e da conta única do Tesouro”, explica Santos.
Segundo o economista, no fundo a proposta é “mais um passo na criação de um poder paralelo do mercado financeiro dentro do Estado brasileiro”, pois visa apartar o voto popular que está amparado na atual representação da presidência da República.
“Não devemos imaginar que esse seria o último passo. Na obsessão de copiar as instituições norte-americanas, em algum momento alguém poderá propor a privatização do BC. Outra proposta que pode surgir no futuro é o próprio BC escolher a meta de inflação que deverá seguir, e não mais o Conselho Monetário Nacional (CMN), como é hoje”, alerta.
Santos – que realiza sua pesquisa principalmente sobre financiamento do desenvolvimento, economia política da política monetária e política industrial – chama a atenção para o quadro que está sendo gerado no Brasil.
“Um Banco Central mais distante do poder instituído pelo voto, um Congresso Nacional com mais poderes sobre o orçamento, por meio de emendas de execução obrigatória, e um regime fiscal recessivo e antipovo imposto ao Executivo, é tudo, menos uma institucionalidade que favoreça o desenvolvimento nacional”, afirma.
O que muda para a população?
A distância que o Banco Central possa parecer ter com o dia a dia da população fica só no imaginário. As decisões tomaras por sua diretoria tem reflexo direto na vida do povo, uma vez que é pelo banco que a taxa básica de juros (Selic) é definida. Uma Selic mais alta do que deveria estar (como hoje) encarece a oferta de crédito e inibe o consumo, ou seja, atravanca o desenvolvimento quando não corresponde ao que a realidade econômico-social requer.
“Para a população o que muda é que ela terá ainda menos poder de influenciar a política monetária, ou seja, é mais uma regressão democrática. A população influencia a política monetária, principalmente, por meio da escolha do presidente da república e de seu programa de governo, que deveria se refletir na condução da política monetária. Um Banco Central ainda mais desconectado da escolha popular, significa, por exemplo, que a grande maioria da população estará mais afastada da decisão de quanto o governo, as empresas e as pessoas entregaram de suas rendas para o mercado financeiro na forma de juros”, coloca Santos.
Um dos alertas feitos sobre a possibilidade de desvinculação total do BC é que a instituição, no controle completo de seu orçamento, poderá ter um incentivo a buscar novas formas de receita e rentabilizar serviços, ou passando a cobrar por serviços gratuitos como o PIX ou aumento valores dos já cobrados.
‘Senhoriagem’
Nesse sentido os sindicatos que reúnem os trabalhadores e as categorias afins fazem uma alerta sobre o sustento do Banco Central com recursos próprios. Como apontam, o BC passaria a ter como principal fonte de recursos a senhoriagem, que é a receita ou o lucro proveniente do monopólio de emissão de moeda.
Assim, o conflito de interesses estaria posto, porque os ganhos com emissão de moeda são puxados, principalmente, pela inflação – e a taxa básica de juros é definida pelo banco.
Conforme explica Diogo Santos, o uso de receitas de senhoriagem está na justificativa da PEC 65/2023, que estabelece como centro da proposta para cobrir despesas a senhoriagem. No entanto, pondera que a justificativa na PEC é confusa quanto ao conceito de senhoriagem e às fontes de receitas do Banco Central, mas indica outro sentido nessa preocupação.
“O BC passaria a se apropriar de uma receita que decorre de suas funções de Estado, que são emitir a moeda, gerir as reservas internacionais, administrar o sistema brasileiro de pagamentos e a conta única do Tesouro. Ou seja, são receitas do Estado brasileiro e não do BC. Uma coisa é uma empresa pública como a Petrobras que aufere receitas próprias de sua atividade econômica, ou mesmo uma agência reguladora que tem receitas próprias com as taxas e multas que aplica aos setores regulados. Outra coisa, são receitas do BC que somente existem porque o BC está desempenhando uma função de Estado”, critica o economista ao dizer que estes recursos não podem ser privatizados pelo Banco de forma alguma.
Entre estes recursos constam os rendimentos dos títulos do Tesouro de propriedade do Banco Central que rendem juros de acordo com a Taxa Selic (de forma geral).
Estabilidade em xeque
O doutorando pela UFMG ainda contesta a argumentação utilizada por Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central e defensor da PEC 65/2023, de que a medida é devida pelos anos de perda do poder de compra na remuneração dos servidores.
“É uma forma de tirar o BC do teto de gastos imposto ao poder executivo desde o governo Temer e não alterado pelo novo arcabouço fiscal. É semelhante ao que a Câmara tem feito na última década ao impor ao Executivo a execução obrigatória de emendas parlamentares e que não podem ser alvo de contingenciamento. Veja o acinte: o mercado financeiro impõe ao país um regime fiscal antidemocrático e recessivo, com o apoio decisivo das últimas gestões do BC e agora o próprio BC busca uma forma de se livrar das consequências negativas decorrentes dos limites orçamentários gerados pela regra fiscal imposta ao Executivo. Pimenta nos olhos dos outros é refresco”, condena Diogo Santos.
A argumentação de Campos Neto, atiçando funcionários com um possível aumento salarial oriundo da desvinculação econômica do Banco é tão falacioso que os próprios servidores têm se mobilizado em protesto contra a PEC.
Isto porque a mudança para empresa pública, uma das principais contestações dos servidores do Banco, alteraria o status de servidor do Regime Jurídico Único (estatutário) para celetista, regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A condição faria com que a estabilidade, tão almejada por funcionário públicos, fosse perdida. Em votação interna com os servidores realizada pelo Sindicato SINAL em abril, 74% de um total de 4.505 se mostraram contrários à PEC.
“A estabilidade, ainda que não suficiente, é um dos pilares da garantia que a sociedade possui de que os servidores públicos estarão resguardados de tentativas de desvio da função pública. O BC tem um papel chave em regular o sistema bancário. É, portanto, imprescindível que os seus servidores estejam protegidos de pressões externas que busquem direcionar sua ação para objetivos particulares. Menor estabilidade aumenta o incentivo para que agentes privados busquem canais para pressionar os servidores a tomarem decisões que lhes favoreçam”, elucida Santos.
“Não vejo ponto positivo”
Além de Roberto Campos Neto (que se ofereceu abertamente para compor com Tarcísio de Freitas em uma futura candidatura contra Lula em 2026, abrindo claramente mais um óbice sobre sua gestão no BC), apoiam a PEC 65/2023 senadores como Damares Alves (Republicanos-DF), Hamilton Mourão (Republicanos-RS), Eduardo Girão (Novo-CE), Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Marcos do Val (Podemos-ES), Cleitinho (Republicanos-MG), entre outros.
Questionado se enxerga algo de positivo na autonomia total do Banco Central, Diogo Santos é categórico: “Não vejo ponto positivo”.
Para ele, as mudanças propostas são antirrepublicanas e antidemocráticas e “aumentam o fosso entre a soberania popular para a condução de uma instituição chave para o desenvolvimento do país”.
Nesse sentido, a função do BC deveria buscar o desenvolvimento do país em conformidade com os desejos do povo, exatamente o contrário do que ocorre.
“O Brasil é um país subdesenvolvido e em regressão econômica. O Banco Central deveria estar conectado ao esforço de reverter esse quadro e não buscar se comparar e mimetizar os bancos centrais de países ricos do centro do capitalismo, que possuem estruturas econômicas e financeiras muito distintas da nossa”, conclui o economista.
VERMELHO
https://vermelho.org.br/2024/06/13/economista-contesta-proposta-para-tornar-banco-central-uma-empresa-publica/
por NCSTPR | 14/06/24 | Ultimas Notícias
CONGRESSO EM FOCO
Costa Neto e Patrícia Peres *
Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma a análise das ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) que questionam a reforma da Previdência de 2019, implementada pela Emenda Constitucional 103 de 2019 (EC 103/2019). A sessão é crucial para os servidores públicos e os trabalhadores do regime geral de previdência.
Em julgamento anterior, o ministro Luís Roberto Barroso, relator das ações, votou pela constitucionalidade integral da reforma. No entanto, o ministro Edson Fachin divergiu em pontos fundamentais nas ADIs 6254 e 6255, que impactam diretamente os servidores públicos federais.
Fachin considerou inconstitucionais os parágrafos 1°, 1°A, 1°B e 1°C do artigo 149 da Constituição Federal, inseridos pela EC 103/2019. Estes dispositivos permitiram a alteração da contribuição ordinária dos aposentados e pensionistas acima do salário mínimo em caso de déficit atuarial. Também houve a implementação de alíquota extraordinária a servidores ativos, aposentados e pensionistas, caso a tributação, acima do salário mínimo, para aposentados e pensionistas, não seja suficiente. Segundo o ministro, a medida sobrecarrega injustamente os servidores e aposentados.
Outra divergência importante é a diferença de cálculo entre mulheres do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), conforme o artigo 26, § 5º da EC 103/2019. A emenda estabelece que as mulheres do RGPS alcançam 60% da média aritmética com 15 anos de contribuição, enquanto as mulheres do RPPS precisam de 20 anos para o mesmo percentual, equiparando-as às regras dos homens. Fachin considerou essa diferenciação inconstitucional por falta de isonomia.
O Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União (Sindjus) posiciona-se firmemente contra as medidas introduzidas pela EC 103/2019, que considera prejudiciais aos servidores públicos. A reforma impõe sacrifícios desproporcionais aos servidores, especialmente aposentados e pensionistas, que já contribuíram significativamente durante suas carreiras, e possui natureza confiscatória ao instituir as alíquotas progressivas e a contribuição extraordinária, aumentando a contribuição e onerando os salários dos servidores em patamares insuportáveis e cruéis.
O sindicato acredita que garantir que os próximos ministros acompanhem os votos dos ministros Facchin, Dias Toffoli e Rosa Weber é restituir às mulheres do serviço público federal a igualdade do cálculo da média que sempre existiu entre as mulheres da iniciativa privada e do serviço público.
Desde novembro de 2019, as mulheres do RPPS, que possuem os mesmos requisitos que as mulheres do RGPS em idade, tempo de contribuição e tabela de pontos, passaram a ter 10% a menos, no cálculo da média proporcional, que as mulheres do RGPS.
O Sindjus defende que as mudanças introduzidas pela EC 103/2019 são injustas e oneram de forma excessiva os servidores públicos, particularmente mulheres e aposentados. A equiparação das regras de cálculo da aposentadoria entre homens e mulheres nos diferentes regimes previdenciários é uma afronta à isonomia e à justiça social.
No julgamento desta semana, o ministro Alexandre de Moraes apresentará seu voto-vista. Este momento será decisivo para o futuro da EC 103/2019 e para as regras previdenciárias que impactam diretamente servidores públicos e trabalhadores do regime geral. O Sindjus seguirá acompanhando de perto esse julgamento em defesa dos servidores públicos.
* Costa Neto é presidente do Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário e Ministério Público Federal (Sindjus). Patrícia Peres é diretora do Sindjus e especialista em Previdência.
CONGRESSO EM FOCO
por NCSTPR | 14/06/24 | Ultimas Notícias
CONGRESSO EM FOCO
Ana Maria Costa
José Gomes Temporão
A defesa do direito à saúde e o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) estão no centro de projeto político que defendemos e lutamos para eleger Lula em 2022. Reduzir o piso constitucional da Saúde, asfixiando sua capacidade de investimento e de ampliação do acesso, é um ataque direto aos direitos conquistados na Constituição Federal, aos desafios presentes no setor da saúde e ao futuro que buscamos construir para o país menos desigual, com condições melhores de vida e de saúde.
Limitar a correção do piso constitucional da saúde ao máximo de 2,5%, teto previsto no arcabouço fiscal, geraria perda de R$ 24 bilhões ao SUS, segundo estimativa do presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (AbrES), Francisco Funcia. A perda chegaria a R$ 30 bilhões se retiradas as receitas extraordinárias do cálculo da RCL (Receita Corrente Líquida), que serve de base para a correção anual.
A vinculação de recursos constitucionais marca a luta pela consolidação do SUS. O sistema idealizado pela Assembleia Constituinte e plasmado na Constituição Federal de 1988 só levantou voo, de fato, com a superação dos tempos dramáticos em que foi golpeado no seu orçamento, o que provocou súplicas anuais de recursos ao Congresso.
A garantia de recursos constitucionais foi fundamental para implementar o SUS como o maior e mais eficiente sistema de Saúde do sul global. O país da oitava economia do mundo não pode ter um SUS inseguro e sempre à beira do abismo, refém de emendas e recursos extraordinários que podem não chegar.
O estrangulamento financeiro atinge em cheio os serviços de saúde, a inovação e a incorporação tecnológica, a vigilância em saúde e todas as funções próprias do setor da saúde.
Uma das áreas afetadas sem dúvida é a participação e o controle social da saúde, um patrimônio nacional de construção da democracia participativa, exemplar para o planeta.
Há tempos os governos têm sido instados a garantir o cumprimento das diretrizes aprovadas nas conferências de saúde. Recentemente, já no atual governo Lula, foi realizada a 17ª Conferência Nacional de Saúde cujas recomendações e propostas dependem da existência de condições materiais para sua execução e implementação. Políticas públicas não se constroem somente com palavras, mas exigem orçamento, conhecimento e tecnologias adequadas e suficientes.
O pacto social que fundamenta a redemocratização do Brasil passou pela adoção do compromisso escrito no artigo 196 de nossa Constituição onde a saúde é entendida como qualidade de vida, portanto produto do desenvolvimento econômico e social do país, sendo dependente de políticas econômicas e sociais. Trata se de um largo passo rumo a um desenvolvimento justo e solidário que vem cotidianamente encontrando resistências nos interesses do mercado e do rentismo que cobram do país um quinhão salgado e expõe nossa população à precariedade e à pobreza.
Reafirmamos aqui a necessidade do SUS para a democracia nacional ou a barbárie ganhará terreno espalhando miséria sofrimento e doenças. Saímos da pandemia testemunhas da força e importância do SUS e, portanto, não podemos retroceder em sua intransigente defesa.
A defesa da saúde do povo deve ter o respaldo do Estado, envolvendo, portanto sociedade, governo e demais Poderes da República. Confiamos no compromisso que elegeu Lula, que explicitou a defesa da saúde como investimento, e na centralidade de seu programa de atender às necessidades do povo brasileiro. E o povo quer saúde e um SUS forte e de qualidade para todos e todas!
*
Ana Maria Costa é ex-presidente e atual diretora Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes)
José Gomes Temporão é ex-ministro da Saúde e ex-presidente do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes)
CONGRESSO EM FOCO
por NCSTPR | 14/06/24 | Ultimas Notícias
LYDIA MEDEIROS
Num dos salões do Copacabana Palace, no Rio, ministros e autoridades do governo Lula exibiam ontem a executivos e investidores, o potencial do Brasil como porto seguro para seu dinheiro — energia limpa, segurança institucional, grande produtor de alimentos. O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, disse à plateia que o único risco que os estrangeiros corriam ao investir no Brasil seria o de não querer sair mais daqui. O esforço aconteceu no FII Priority Summit, conhecido como “Davos do Deserto”, organizado por um fundo soberano ligado ao governo da Arábia Saudita que administra US$ 1 trilhão.
O presidente Lula gravou um vídeo para o evento. Para convencer os donos do dinheiro, disse que o aumento da arrecadação e a queda da taxa de juros vão reduzir o déficit sem afetar o investimento público. Do lado de fora, a fala do presidente, defendendo um ajuste com base em aumento de receita, e sem falar em cortes de gastos, produziu nos mercados o efeito contrário ao desejado e somou-se à sucessão de problemas que o governo enfrenta no Congresso. No fim do dia, a percepção de risco afastava a chance de grandes negócios.
As derrotas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, como a devolução da medida provisória que restringia o uso de créditos tributários, e as falhas na articulação política estão corroendo a ideia de que o governo tem compromisso com o equilíbrio fiscal. Haddad vem sendo o fiador desse compromisso, mas não encontra no governo e no PT — ou no Planalto — apoio a suas ideias. Lula mandou o líder do governo no Senado, Jaques Wagner, agradecer a Rodrigo Pacheco pela devolução da MP. Em nenhum momento brigou pela ideia ou ao menos disse que era preciso encontrar fonte de recursos para bancar a desoneração da folha de pagamentos de 17 setores da economia e dos pequenos municípios. Haddad falou sozinho e, derrotado, disse que não tinha plano B.
Logo em seguida, passou a circular no Congresso um conjunto de propostas para aumentar o caixa do governo, como a mudança nos pisos constitucionais de gasto em saúde e educação, equiparando-os aos limites do arcabouço fiscal. O assunto é delicado para os partidos da esquerda, que não querem apoiar uma medida aparentemente impopular, em ano eleitoral.
A Câmara mostrou que está alheia a essas questões e prefere investir em outra pauta — com larga vantagem para a oposição. Arthur Lira comandou uma sessão que, em 24 segundos, aprovou urgência para votação de um projeto que equipara aborto a homicídio quando realizado após 22 semanas de gestação, mesmo quando a mulher for vítima de estupro. Um retrocesso. Também avançou a PEC que, contratando decisões do STF, criminaliza o porte e posse de drogas. Os deputados ainda decidiram acelerar a análise do projeto que limita delações premiadas de quem estiver preso — segundo Lira, um consenso entre parlamentares.
Lula está no encontro do G7, na Itália. Mais um palco para vender o Brasil como paraíso dos investimentos e exercitar a diplomacia presidencial, atividade que parece ter sua preferência absoluta nesse terceiro mandato. Na volta para a casa, porém, o presidente terá de decidir o rumo de seu governo na economia e evitar a quebra de confiança — e a fuga de investimentos. O avanço da direita nas eleições para o Parlamento Europeu é um alerta para o que pode estar por vir também no Brasil, nas disputas municipais de outubro. O comportamento do Congresso é uma boa pista.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.
AUTORIA
LYDIA MEDEIROS Jornalista formada pela Universidade de Brasília, foi titular da coluna Poder em Jogo, em O Globo (2017-2018). Atuou ainda em veículos como O Globo, Folha de S.Paulo, Época e Correio Braziliense. Foi diretora da FSB Comunicações, onde coordenou o atendimento a corporações e atuou na definição de políticas de comunicação e gestão de imagem.
CONGRESSO EM FOCO
por NCSTPR | 14/06/24 | Ultimas Notícias
COLETIVO LEGIS-ATIVO e JOYCE LUZ
Ainda na terça-feira, dia 11 de junho, o governo assistiu a mais uma possível derrota no que concerne a sua agenda de governo: Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, decidiu devolver parte da Medida Provisória (MPV) 1127/2024 que altera as regras de compensação do PIS/Confins. A MPV foi apresentada pelo governo federal no dia 4 de junho e tinha como objetivo gerar receitas para compensar a desoneração da folha de 17 setores da economia e de municípios, medida defendida pelo Congresso.
Historicamente, desde 1988, somente outras quatro Medidas Provisórias foram devolvidas ao Poder Executivo por decisão do presidente do Senado.
Ainda em 1989, sob o governo do então presidente José Sarney, a MPV 22/1989 que exonerava, a partir de 1º de março de 1989, os servidores da administração federal admitidos sem concurso público e que não tinham adquirido estabilidade, foi devolvida pelo presidente do Senado em exercício, senador José Ignacio Ferreira, que a considerou “flagrantemente inconstitucional”, com o argumento de que a demissão de servidores não estáveis, por se tratar de mero ato administrativo, não requeria a manifestação do Poder Legislativo. Tempos depois, já no segundo mandato do governo de Lula (PT), em 2008, a MPV 446/2008 que alterava as regras para concessão e renovação do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, também foi devolvida pelo então senador Garibaldi Alves, com o argumento de que não atendia aos requisitos constitucionais de urgência e relevância.
Em 2015, sob o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), a MPV 669/15, que reduzia o benefício fiscal de desoneração da folha de pagamentos concedido a 56 segmentos econômicos foi devolvida pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL). Ele argumentou que “aumentar impostos por medida provisória” e “sem a mínima discussão com o Congresso Nacional seria diminuir o Parlamento, seria diminuir e desrespeitar suas prerrogativas institucionais e o próprio Estado Democrático de Direito”. E mais recentemente, no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a MPV 979/2020, que permitia ao ministro da Educação nomear reitores das universidades federais durante o período da pandemia sem consulta às universidades, foi devolvida pelo senador Davi Alcolumbre (União-AP), por ferir a autonomia universitária, garantida pela Constituição.
E aqui nos perguntamos: o que todos esses casos de Medidas Provisórias devolvidas têm em comum? A resposta é simples, ainda que o problema seja bem mais complexo. Mas todas essas MPVs devolvidas indicam que o governo falhou, de alguma maneira pontual ou de forma mais extensa, na articulação política com o Congresso para a construção e aprovação de sua agenda de políticas. No caso do atual governo, o Poder Executivo parece falhar incessantemente no diálogo com os congressistas.
A devolução da MPV 1127/2024 não marca somente a guerra deflagrada entre Executivo e Legislativo no que diz respeito a questão da desoneração da folha de pagamentos e o dilema do aumento da arrecadação para os cofres públicos. Tal devolução vai além e é marcada por uma sucessão de conflitos mal resolvidos entre os parlamentares e o governo federal que parecem, agora, atingir seu estopim. Os últimos 15 dias não foram fáceis para o governo. Ainda na última semana de maio, o presidente Lula (PT) assistiu à queda do veto contra as “saidinhas” de presos; à derrubada do veto a trecho da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que proíbe uso de verba pública em ações que “incentivem aborto e transição de gênero”; a manutenção do veto de Jair Bolsonaro à tipificação de crime quando há disseminação de fake news e quase perdeu a taxação em 20% das compras internacionais até 50 dólares.
O sinal vermelho foi apresentado para o governo federal. Deputados e senadores já deixaram claro que a dominância na agenda legislativa por parte do Poder Executivo que há tempos costumava funcionar não vale mais para esse governo. Ao que tudo indica, o Legislativo quer colocar suas preferências em pauta e o governo precisa aceitar que chegou a hora de negociar. O acordo com a formação de coalizões ou a distribuição de verbas para negociar a aprovação de pautas não parecem mais satisfazer as vontades ou desejos do Legislativo. É hora de aceitar que nós temos um Legislativo que voltou a assumir as rédeas da agenda de políticas.
Parafraseando um ditado popular bem comum: manda quem pode e senta para negociar quem tem juízo.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.
AUTORIA
COLETIVO LEGIS-ATIVO Projeto do Movimento Voto Consciente que reúne voluntariamente 20 cientistas políticos, em paridade absoluta de gênero espalhados por todas as regiões do país. As ações do coletivo envolvem a produção de textos analíticos e a apresentação, em parceria com organizações diversas, de podcasts.
JOYCE LUZ Doutora e mestra em Ciência Política pela USP. Graduou-se em Ciências Sociais pela mesma universidade. É pesquisadora de pós-doutorado no Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getúlio Vargas (Cepesp/FGV) e professora da Fundação Escola de Sociologia e Política do Estado de São Paulo (FESP-SP). Trabalha com pesquisas na área de comportamento Legislativo e relações Executivo-Legislativo junto ao Núcleo de Instituições e Políticas (NIPE) do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP). Também atua como analista política na 4i, onde contribui para a elaboração do I-GOV – Índice de Governabilidade. Diretora do Movimento Voto Consciente de São Paulo.
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por NCSTPR | 14/06/24 | Ultimas Notícias
PEDRO SALES
A Câmara dos Deputados aprovou nessa quarta-feira, em segundos, (12) o regime de urgência para o PL 1904/2024 (leia o texto aqui), apelidado de “PL dos estupradores”. Dessa forma, o texto pode ser votado pelo plenário sem passar pelas comissões.
Um grupo de 33 deputados assina o texto (desça na publicação para ler a lista completa). Segundo a matéria, mulheres que façam aborto após 22 semanas de gestação terão pena aplicada conforme o delito de homicídio simples, reclusão de seis a 20 anos. Assim, mulheres que cometerem aborto, mesmo em caso de estupros, poderão ter pena maior do que os próprios estupradores. De acordo com art. 213 do Código Penal, a pena para estupro é de seis a dez anos de reclusão. Em casos que resulta lesão corporal do crime ou quando o estupro tem vítima menor de 18 anos ou maior de 14 anos, a pena aumenta para oito a 12 anos de reclusão. Quando a vítima é menor de 14 anos, a lei estabelece reclusão de oito a 15 anos.
Durante a votação da urgência, apenas as bancadas do Psol, do PC do B e do PT manifestaram sua posição contrária à urgência. A votação foi simbólica, ou seja, sem que cada parlamentar registre seu voto individualmente. Nas redes sociais, Fernanda Melchionna (Psol-RS) manifestou o descontentamento com a aprovação do regime de urgência. “Vamos lutar contra essa tentativa de retrocesso e garantir que os direitos das mulheres e meninas sejam respeitados e protegidos”.
Dentre os deputados que assinam o texto estão o presidente da Frente Parlamentar Evangélica, Eli Borges (PL-TO), a líder da Minoria na Câmara, Bia Kicis (PL-DF), o presidente da Comissão de Educação, Nikolas Ferreira (PL-MG), e o filho do ex-presidente, Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
Confira todos os autores do PL:
- Sóstenes Cavalcante – PL/RJ (Autor Principal)
- Evair Vieira de Melo – PP/ES
- Delegado Paulo Bilynskyj – PL/SP
- Gilvan da Federal – PL/ES
- Filipe Martins – PL/TO
- Dr. Luiz Ovando – PP/MS
- Bibo Nunes – PL/RS
- Mario Frias – PL/SP
- Delegado Palumbo – MDB/SP
- Ely Santos – Republicanos/SP
- Simone Marquetto – MDB/SP
- Cristiane Lopes – União Brasil/RO
- Renilce Nicodemos – MDB/PA
- Abilio Brunini – PL/MT
- Franciane Bayer – Republicanos/RS
- Carla Zambelli – PL/SP
- Dr. Frederico – PRD/MG
- Greyce Elias – Avante/MG
- Delegado Ramagem – PL/RJ
- Bia Kicis – PL/DF
- Dayany Bittencourt – União Brasil/CE
- Lêda Borges – PSDB/GO
- Junio Amaral – PL/MG
- Coronel Fernanda – PL/MT
- Pastor Eurico – PL/PE
- Capitão Alden – PL/BA
- Cezinha de Madureira – PSD/SP
- Eduardo Bolsonaro – PL/SP
- Pezenti – MDB/SC
- Julia Zanatta – PL/SC
- Nikolas Ferreira – PL/MG
- Eli Borges – PL/TO
- Fred Linhares – Republicanos/DF
AUTORIA
PEDRO SALES Jornalista em formação pela Universidade de Brasília (UnB). Integrou a equipe de comunicação interna do Ministério dos Transportes.
CONGRESSO EM FOCO